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"Toi et moi, on s'aime encore, hein ?"
Exuberante e cru – é assim o cinema de Xavier Dolan, o jovem realizador que chegou às bocas do mundo com a sua quinta longa-metragem, premiada em Cannes e tatuada na memória.
Mas o enfant terrible canadiano não é novo nestas andanças. Depois de uma carreira prolífera como ator infantil, serpenteou para trás das câmaras com apenas 19 anos, quando lançou o seu primeiro filme, J'AI TUÉ MA MÈRE, um grito de raiva materializado num drama parcialmente autobiográfico sobre a complexidade dos laços de um filho problemático e uma mãe alheada.
Essa primeira obra, que espalhou na tela como pinceladas seguras alguns dos primeiros indícios daqueles que seriam os traços mais distintivos da obra de Dolan, está intimamente ligada com o seu mais recente filme. É que se J'AI TUÉ MA MÈRE foi um castigo alegórico para a sua mãe, MOMMY nasceu para vingá-la.
Die é uma mãe solteira, viúva mas com muita garra, dá por si com o fardo de ter a guarda exclusiva de Steve, o seu filho de 15 anos que sofre de Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção. Enquanto tenta sustentar ambos e lida com esta situação difícil, Kyla, a nova e peculiar vizinha da frente, oferece-se para a ajudar. Juntos encontram um novo sentido da vida, de equilíbrio e esperança.
Furioso, MOMMY é um tornado de emoções à flor da pele, mas um mestre absoluto na sua gestão – nunca se torna cansativo, porque a energia do seu caos organizado é absolutamente revigorante. O ritmo é implacável, brilhando ao nível de uma realidade de emoção, frustração e desejo aumentados. É uma viagem na montanha-russa sem paragens, selvagem, louca, e completamente embebida na pop que marcou o crescimento das gerações de 80 e 90.
Atirando-se à arte que nasceu para ser sua com o apetite voraz de uma criança num recreio sem limites, Dolan tem vindo a consolidar uma estética única e uma voz distinta; com MOMMY chega a irrevogável prova de uma maturidade emocional além dos seus 25 anos.
Mas este não é apenas um portento dramático, ou exímio no contexto narrativo pungente. É, igualmente, uma exposição viva de criatividade cinematográfica. Apoiando-se num revolucionário aspect ratio de 1:1 (o equivalente, digamos, ao formato de uma fotografia no Instagram), obriga-nos a respirar as emoções dos personagens num quadrado perfeito, criado especificamente para aniquilar possibilidade de escape. Todos os sentimentos, as revoltas e motins emocionais são maximizados, até um momento de pura liberdade artística, evidentemente transcendente, que torna a razão para esta decisão técnica ainda mais clara.
No contexto das interpretações, é profundamente doloroso recordar a falta de reconhecimento que o tridente de Dolan tem obtido. Anne Dorval, musa habitual do realizador, é uma força da natureza como a excêntrica viúva Die, naquela que foi certamente, uma das interpretações femininas mais poderosas de 2014. Também o jovem Antoine Olivier Pilon foi fenomenal como o bombástico e imprevisível Steve, e Suzanne Clément confere uma qualidade enigmática à professora reservada que ajuda a família.
Trágico mas luminoso, MOMMY é um filme de surpreendente violência e dor profunda, pontuado por explosões de absoluta (e genuína) felicidade. É euforia pura, inebriante, cheio daquilo que torna a vida… na vida.
Uma consequência justa. Uma reviravolta injusta. Um sorriso sincero. Um uivo de dor. Uma lembrança serena. Uma ferida em carne viva. Uma gargalhada dobrada. Um murro no estômago. Um abraço de esperança. Um choro de morte.
E passando os dedos pelas cicatrizes, saímos da sala mais vivos.
10/10