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Um dia, WHIPLASH apareceu na ponta da caneta de Damien Chazelle e materializou-se no papel. O passo seguinte para a promissora longa-metragem era garantir os 3 milhões de dólares necessários para a sua realização... Mas as coisas não correram assim tão bem logo à primeira, e Chazelle teve de improvsar.
O resultado foi uma curta-metragem de 18 minutos que estreou no Sundance Film Festival em 2013, trazendo, inclusive, para casa o Prémio do Júri. Evidentemente, alguém com bolsos fundos ganhou olhos na cara e lá apoiou o garoto a criar aquele que foi, mais tarde, um dos grandes filmes de 2014... mas a verdade é que a curta (que também era curta de orçamento) não lhe ficava nada atrás.
A performance aterradora de J.K. Simmons está lá, bem como a montagem precisa. Os upgrades ficaram para o casting de Neiman (originalmente interpretado por Johnny Simmons - que, não, não é da família do ator vencedor de Oscar este ano - e depois substituido por Miles Teller) e a estética evidentemente mais cuidada da versão longa.
"There are no two words in the English language more harmful than good job"
Diz a teoria que o diamante é um pedaço de carvão que se deu bem sobre pressão, e talvez não existe melhor analogia para introduzir a sensação de Sundance e o mais recente filme de Damien Chazelle.
Apresenta-se em palco Andrew Neiman, um jovem e talentoso baterista que procura a perfeição a qualquer custo, sob a direção do impiedoso professor Terence Fletcher, mesmo que isso signifique perder a sua humanidade.
- A batida começa, lenta mas segura.
WHIPLASH é adrenalina cinematográfica pura. Mais tenso do que um thriller de ação, o drama (ou tragédia?) musical de Chazelle tem vida a ser bombeada em todas as suas artérias.
O tema direto da relação estudante-mentor é fascinante o suficiente - para trás das costas ficam os discursos inspiradores de John Keating no “Clube dos Poetas Mortos” (1989), porque Fletcher foi nascido e criado no universo de “Nascido para Matar” (1987) - mas o realizador americano transfigura-o num comentário social sobre a sobrevivência num mundo impiedoso, sempre pronto a puxar o tapete por debaixo dos nossos pés. E na nossa era, a das medalhas de honra, diplomas de participação e palmadinhas nas costas, não viveremos todos os dias o perigo do “bom trabalho” que refere o castrador Fletcher? A abordagem pode e deve ser questionada – levantando o véu sobre o tratamento abusivo entre professores e alunos – mas o tema polémico da pressão e dedicação não é, no fundo, de discussão necessária para o verdadeiro sucesso? A posição do filme é deliciosamente ambivalente.
- O ritmo acelera e os rufos confundem-se aos ouvidos desabituados.
Mais focado no sangue, suor, lágrimas e esgotamento emocional necessários para vingar na indústria musical do jazz do que propriamente na alegria de tocar, WHIPLASH apresenta a arte aos artistas como uma constante provação. No entanto, e como fruto da sua própria criação, não se revela como arte superior, mas boa arte ainda assim: o argumento abeira-se perigosamente do previsível, e apesar da premissa corajosa que apresenta, nem sempre se compromete a ele a 100%.
A montagem e a fotografia são personagens por si só, edificando o compasso frenético da narrativa lado a lado com os atores e as eletrizantes deixas da bateria. Com uma precisão cirúrgica, a ansiedade é o metrónomo da equipa liderada por Chazelle numa obra construída à imagem de um iminente ataque de pânico.
- O som torna-se frenético, as gotas de suor caem e reza-se para que o corpo não vergue perante o que a mente quer.
No elenco, a tendência tem sido a de prezar primeiramente a performance titânica de J.K. Simmons com uma abrangência notável entre o “mentor porreiro” e o sociopata inflexível, que lhe deverá mesmo valer, entre outras distinções, o Óscar da Academia para Melhor Ator Secundário.
Mas o tour-de-force de Milles Teller, presente em todas as cenas, responsável por cada batida que ouvimos, não pode ser obliterado. É uma daquelas interpretações capazes de lançar uma carreira para o próximo nível, e apesar de já andar a agraciar a indústria com talento desde 2010, deverá ser com WHIPLASH que Teller se catapultará para o nível seguinte.
- O sangue escorre pelas baquetas, o fantasma da falha ergue-se sob um ritmo alucinante.
No final de contas, o filme de Damien Chazelle é uma assustadora exploração da génese criativa, um triunfante ensaio sobre o crescimento mas também, e sobretudo, uma indagação perversa, desconcertante e invertida sobre o trabalho do génio e a escadaria para o reconhecimento máximo. As suas conclusões são perturbadoras e fascinantes, colocando a questão de que, por vezes, os meios justificam os fins, elevando os bons a excecionais, e os comuns mortais a lendas.
Acabamos a escorrer ansiedade, a acertar o ritmo do coração e a digerir uma das combinações máximas da sétima (e da primeira) arte da última década.
- O término, o silêncio e as ovações.
O jazz não está morto. E o Cinema também não.
8.5/10
Isto já nem vem com pretensões de notícia, já que a coisa se deu na madrugada de domingo e já vamos na terça-feira, mas mais como uma anotação pessoal e um registo de detalhes importantes para a Awards Season em geral.
Como tal, no passado domingo ficaram a ser conhecidos os vencedores dos Golden Globes, versão 2015, respetiva ao Cinema (e televisão) de 2014.
Entre as notas importantes:
- Surpreendentemente sem qualquer nomeação à partida: UNBROKEN de Angelina Jolie e AMERICAN SNIPER de Clint Eastwood;
- INTERSTELLAR só indicado em Melhor Banda Sonora;
- Timothy Spall viu a sua performance como MR. TURNER não reconhecida pela HFPA, bem como Marion Cotillard pela sua interpretação no belga DEUX JOURS, UNE NUIT;
- BOYHOOD cimenta o estatuto de favorito e "inimigo a abater" por todos os outros concorrentes;
- GRAND BUDAPEST HOTEL leva a melhor sobre BIRDMAN na categoria de Melhor Filme de Comédia ou Musical;
- LEVIATHAN (Rússia) bate o favorito IDA (Polónia) na corrida de Melhor Filme Estrangeiro;
- HOW TO TRAIN YOUR DRAGON 2 é considerado o Melho Filme de Animação, em detrimento de THE LEGO MOVIE.
Posto isto, vamos à lista completa de vencedores:
MELHOR FILME (DRAMA)
Boyhood
MELHOR REALIZADOR
Richard Linklater – Boyhood
MELHOR ATRIZ (DRAMA)
Julianne Moore – Still Alice
MELHOR ATOR (DRAMA)
Eddie Redmayne – Theory of Everyting
MELHOR FILME (COMÉDIA OU MUSICAL)
The Grand Budapest Hotel
MELHOR ATRIZ (COMÉDIA OU MUSICAL)
Amy Adams – Big Eyes
MELHOR ATOR (COMÉDIA OU MUSICAL)
Michael Keaton – Birdman
MELHOR ATRIZ SECUNDÁRIA
Patricia Arquette – Boyhood
MELHOR ATOR SECUNDÁRIO
J.K Simmons – Whiplash
MELHOR FILME DE ANIMAÇÃO
How To Train Your Dragon 2
MELHOR BANDA SONORA ORIGINAL
Johann Johannsson – The Theory of Everything
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL
“Glory” (Selma)
MELHOR ARGUMENTO
Alejandro González Iñárritu, Nicolás Giacobone, Alexander Dinelaris, Armando Bo – Birdman
MELHOR FILME ESTRANGEIRO
Leviathan (Rússia)
A lista completa de nomeados originais aos Golden Globes 2015 pode ser consultada por aqui.