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"Deacon: I think we drink virgin blood because it sounds cool.
Vladislav: I think of it like this. If you are going to eat a sandwich, you would just enjoy it more if you knew no one had fucked it."
Façamos um pequeno exercício de projeção: somos todos vampiros. À parte de toda a espetacularidade aparente de sermos, potencialmente, um ser mitológico sensualão, que tipo de dificuldades poderíamos encontrar no mais mundano dos dias?
Afinal não poderíamos confraternizar socialmente no exterior à luz do Sol; nem organizar devidamente uma indumentária catita para uma noite fulgurante de copos (de sangue) porque não conseguimos ver-nos ao espelho; nem entrar num clube badalado se não nos convidarem; nem suportar que o nosso colega de casa se recuse a limpar a badalhoquice que orquestrou quando matou alguém na noite passada.
Resumindo e concluindo, não seria fácil, mas o que é fácil é imaginar agora como esta série de situações poderia gerar comédia do mais alto gabarito. Foi essa a ideia vencedora de Jemaine Clement e Taika Waititi.
Em Wellington, uma curiosa e corajosa equipa de filmagens mune-se de crucifixos e dentes de alho para tentar filmar um documentário numa casa partilhada por quatro vampiros. Começamos por conhecer o líder assumido Viago, uma figura que se orgulha do aspeto janota e que se queixa recorrentemente dos colegas de casa por se escaparem às tarefas domésticas. Segue-se Vladislav, um macho latino do lado negro, aborrecido por ter perdido o poder que detinha há 800 anos. Deacon é o bad-boy do grupo, sempre descontente e em desacordo com as imensas regras impostas por Viago. Por fim temos Petyr, que do alto dos seus 8000 anos de vida e uma tez que certamente já viu melhores dias, prefere manter-se recluso na cave da casa, longe da convivência com os outros. No entanto, quando os vampiros conhecem os humanos Nick e Stu começa a verdadeira viagem de traços hilariantes à medida que os mortos tentam compreender mais da sociedade atual.
Fazendo pelos vampiros o que “This is Spinal Tap” fez pelas bandas de Rock, “What We Do in the Shadows” é, na sua génese, uma comédia sobre a dificuldade de ser (MUITO) diferente.
Depois de explorarem o conceito do que seria a vida de vampiro no quotidiano atual na curta-metragem “What We Do In the Shadows: Interviews with some Vampires” (2005), Taika Waititi e Jemaine Clement decidiram aproveitar a mesma ideia para concretizar, nove anos depois, a respetiva longa-metragem.
É verdade que, a certa altura, parece tornar-se longo demais para o seu próprio bem, um problema comum no sub-género do “mockumentary”, especialmente quando se tenta criar uma história a partir de 120 horas de improviso louco – pois foi assim que se edificou, efetivamente, esta comédia que demorou aos realizadores um ano a editar. Mas este é um género incrivelmente limitado, e Wititi e Clement demonstram um engenho particularmente notável a domar a besta.
O argumento navega de forma dinâmica por todos os elementos para encontrar o humor na forma como os personagens se relacionam entre si – mas a genialidade do mesmo encontra-se na exploração das inseguranças de cada personagem que acaba por torna-los tão… humanos. São assassinos imortais que, no fundo, têm os mesmos desejos e os mesmos medos que o comum dos mortais.
Outra das jogadas de mestre da produção foi associar cada um dos protagonistas a diversos ícones mitológicos que já passaram pelo grande ecrã ao longo dos anos. Viago representa claramente a era vitoriana de “Interview with the Vampire” (1994), Vladislav mantém o sex-appeal europeu de “Dracula” (1992), Deacon parece inspirado na natureza malandra de “The Lost Boys” (1987) e por fim, Petyr partilha claras semelhanças com o ícone “Nosferatu” (1922).
Waititi e Clement criaram não só uma das melhores comédias dos últimos anos como uma fantástica adição ao cânone do Cinema sobre Vampiros. “What We Do in the Shadows” é um filme que grita por visionamentos repetidos, alimentados por um diálogo pejado de citações de platina, de gags que possivelmente se tornarão objetos de culto e de piadas secundárias que certamente perdemos quando estávamos a rir à gargalhada da primeira vez.
E é esta natureza da possibilidade de repetição que separa uma grande comédia de uma comédia mediana ou medíocre. É isto que separa “Ghostbusters”, “This is Spinal Tap” e “Monty Python and the Holy Grail” dos restantes. E é com alguma segurança que dizemos que, a partir de hoje, “What We Do in the Shadows” faz também parte desse restrito grupo imortal.
8.5/10
(ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE [e com acrescentos televisivos] NA VOGUE.PT)
O vampiro é a criatura mitológica mais resiliente do mundo, tendo capturado a alma e o corpo da Humanidade durante séculos. Entretanto, os vários media caíram sobre o seu hipnotismo, e desde a literatura até aos mais recentes cinema e televisão, não conseguimos deixar de os fixar na sua sedução, como que embebidos no seu allure inexplicável e magnético.
Aproveitado a oportunidade da estreia semanal e da história inerente à figura icónica do folclore, hoje revisitamos 10 dos mais célebres e sangrentos vampiros que passaram pelo grande ecrã. Do mais extravagante ao mais temeroso, e do mais romântico ao mais cool, há lugar para todos os gostos e grupos sanguíneos.
Como diria celebremente o Conde Drácula: "Enter freely and of your own will".
Cortesia sangrenta de: Bela Lugosi
Caixão cativo em: “Drácula” (1931)
O mais famoso vampiro de todos os tempos foi interpretado e reinventado um sem número de vezes, sendo o monstro com maior número de aparições nos media em geral, e no cinema em particular – devidamente atestado por um record inscrito no livro do Guiness.
Simultaneamente, foi a decisão mais difícil e a mais clara: difícil porque obrigou a por de lado Dráculas exímios, como seja o exemplo icónico da criação de Christopher Lee ao longo de oito filmes; mas clara como cristal é a certeza de que, desde o primeiro momento, o Conde Drácula pertence ao húngaro Bela Lugosi, que estabeleceu o padrão dourado para a cultura cinematográfica vampírica desde então. O sotaque natural era aristocrático, o seu apelo era subtil e a sua crueldade era amortecida pela sua preocupação. E não poderemos nunca esquecer a indumentária, que apesar de ser hoje um habitué jocoso do Halloween, só o é por ser incontornavelmente icónico.
Cortesia sangrenta de: Max Schreck
Caixão cativo em: ”Nosferatu” (1922)
Talvez o nome Orlock não seja o mais famoso, mas a imagem é inconfundível. Tecnicamente, foi o primeiro vampiro de sempre no Cinema (uma versão NÃO autorizada do romance de Drácula) e, para muitos, o filme do género mais assustador de sempre. Enquanto Bela Lugosi construiu a imagem de um assassino sofisticado, anos mais tarde, foi Max Schreck (que alegadamente acreditava ser ele mesmo um vampiro) quem construiu o demónio da escuridão, o verdadeiro monstro neste clássico mudo a preto e branco. Este foi o vampiro cuja face charmosa não conquistou ninguém, mas aquele que, provavelmente, deixou a marca mais indelével.
Cortesia sangrenta de: Kate Beckinsale
Caixão cativo em: Saga “Underworld” (2003-2012)
Há quem tenha jeito para o tricô, há quem tenha queda para o gostinho da gastronomia e há ainda quem consiga mexer as orelhas. Não creio que Selena tenha algum dia tricotado um cachecol, ou feito uma torta de azeitão ou que tenha sequer mexido as orelhas, mas por outro lado, é uma inteligente e corajosa caçadora de lobisomens, capaz de saltitar de edifício em edifício com um fato incrivelmente justo e revelador, enquanto descarrega armas mortíferas de todos os tamanhos e feitios nos inimigos (i)mortais, os lycans.
Cortesia sangrenta de: Kiefer Sutherland
Caixão cativo em: “Os Rapazes da Noite” (1987)
O filme que tirou os vampiros dos castelos solitários e os tornou nos seres sobrenaturais mais cool da história, não podia passar sem representantes, e quem melhor para mostrar amor à camisola do que o jovem punk, David? Muito antes de ser o agente especial Jack Bauer em “24”, Kiefer Sutherland foi um jovem inconsequente com um gostinho especial em aterrorizar festas de adolescentes, guiar motas e balançar-se em velhas pontes de caminhos-de-ferro. David é intemporal no seu interesse, um Peter Pan imortal e diabólico sempre pronto a desafiar as regras com um sorriso maldoso no rosto.
Cortesia sangrenta de: Tom Cruise
Caixão cativo em: “Entrevista com o Vampiro” (1994)
Para que se desmistifiquem mitos urbanos, “Twilight” não inventou os vampiros com sex appeal - “Entrevista com o Vampiro” fê-lo quase 15 anos antes, com o romance/drama/horror protagonizado por Brad Pitt e Tom Cruise. Uma vez mais, fazemos uma escolha, e diga-se o que se quiser acerca da parca sanidade mental que Cruise aparenta ter não raras vezes, a verdade é que é difícil contestar a sua assertividade na abordagem do enigmático e demente Lestat, o vampiro vaidoso, arrogante e adepto fervoroso do hedonismo que no reino dos “não vivos” entoou orgulhosamente “I’m bringing sexy back”.
Cortesia sangrenta de: Wesley Snipes
Caixão cativo em: “Blade” (1998-2004)
Tecnicamente, Blade é um dampiro – um termo relativamente palerma para caracterizar um humano com poderes de vampiro – e um tipo complexo, porque caça vampiros. O guarda-roupa negro já vai sendo cliché, mas o Neo dos caçadores de vampiros tornou-o completamente seu, acompanhado de uma variedade de brinquedos de prata para matar os seus inimigos (i)mortais. É um dos menos faladores da lista – ultrapassado apenas pelo Conde Orlock, que tem a desvantagem de atuar num filme mudo – mas que importa isso, quando a única coisa que esperamos dele é que chegue a roupa ao pelo dos inimigos sanguinários com estilo?
Cortesia sangrenta de: Salma Hayek
Caixão cativo em: “Aberto até de Madrugada” (1996)
Somos totalmente a favor de vampiros com personagens alternativas, o que é o caso da ardente Satanico Pandemonium, a vampira stripper de 100 anos que seduz (e abocanha) Quentin Tarantino num bar mexicano em “Aberto até de Madrugada”. Além de uma reduzida indumentária, o seu único acessório é uma Boa Constrictor albina, e Hayek representa, numa única cena, o lado sedutor e sensual do vampirismo e ao mesmo tempo, a sua face mais grotesca.
Cortesia sangrenta de: Lina Leandersson
Caixão cativo em: “Deixa-me Entrar” (2008)
Considerado por muitos como “o melhor filme sobre vampiros das últimas décadas”, o filme sueco “Deixa-me Entrar” não tardou a ver a americanização do seu projeto na forma de um remake. O resultado nem foi dos piores, com destaque para a competentíssima Chloe Moretz, no papel principal, mas será indubitavelmente Lina Leandersson a demorar-se nas mentes da audiência como a vampira que tem “12 anos há muito, muito tempo”.
Cortesia sangrenta de: Bill Nighy
Caixão cativo em: Saga “Underworld” (2003-2012)
Como uma excelente representação não surge necessariamente de um bom filme, também um bom vampiro não o faz, o que é o caso do general e comandante húngaro, Viktor da saga “Underworld”. Claro que a escolha é auxiliada pela seu fabulosa performance de Bill Nighy, mas também pela natureza da própria personagem: Viktor não ficou preso para sempre na sua juventude, e a verdade é que já não ia nada para novo quando foi finalmente tornado um vampiro. Séculos de vampirismo, hibernação e ausência de luz solar fazem-no parecer o irmão de Gollum, mas restaurou a imagem do vampiro verdadeiramente assustador e brutal, que vinha sendo apagada pela repetição de uma versão mais “romântica” do mesmo.
Cortesia sangrenta de: Robert Pattinson
Caixão cativo em: Saga “Twilight” (2008-2012)
Numa entrevista sobre o seu casting para o papel do vampiro cuja fama contemporânea só pode ser suplantada pela de Drácula, Robert Pattinson trilhou por caminhos potencialmente lamacentos quando referiu publicamente odiar o personagem de Edward Cullen, o vampiro melancólico de coração apaixonado que se alimenta de parentes do Bambi.
O risco de linchamento só foi vencido pela capacidade de Pattinson de corporizar tudo o que Edward foi na saga literária de Stephanie Meyer, incluindo a beleza quase alienígena e o brilho para as câmaras (literalmente). Há ainda o “extra” de, praticamente sozinho, ter mudado a forma como milhões de adolescentes (e não só!) em todo o mundo vêm os vampiros. E milhões de pessoas não podem estar erradas… certo?
(ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE [e com acrescentos televisivos] NA VOGUE.PT)