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Há pessoas que sabem oferecer orgasmos a horas impróprias... e os irmãos Coen fazem parte desse grupo restrito.
Com rubis absolutos na carreira como Fargo, The Big Lebowski e No Country for Old Men, o seu mais recente projeto Inside Llewyn Davis explorava o sonho desbotado de um músico nos anos 60, mas depois de mergulhar nos meandros da crueldade e da nostalgia da indústria da 1ª arte, está na hora de regressar ao tom de deboche e observação satírica para atacar a 7ª.
Hail Caeser! é ambientado à Hollywood dos anos 50 e às maquinações corrosivas da icónica Era de Ouro e do famoso star system. A abordagem dos Coen é, à semelhança de O Brother, Where Art Thou? e Intolerable Cruelty, propositadamente idiótica - e Hail Caeser! até surgiu, inicialmente, em 2005, como o término de uma espécie de "trilogia idiota", que entretanto com Burn After Reading se tornou uma tetralogia - e promete um ataque feroz mas bem humorado à palermice da indústria que os criou.
O resultado parece absolutamente delicioso e deve chegar aos cinemas lá para fevereiro de 2016.
In Coen(s) we trust.
Se Matthew McConaughey prossegue, com sucesso, o seu renascimento entre o reino dos grandes Atores, pode dizer-se que Scarlett Johansson está a fazer mais ou menos a mesma coisa no reino das Atrizes. Mais uma das provas atestadas pela cada vez mais flexível e dinâmica atriz nova-iorquina parece ser "Lucy", o novo thriller que ptogaoniza e que é realizado por Luc Besson ("Léon, the Professional" e "The Fifth Element").
O curioso enredo foca-se numa mulher que é forçada a tornar-se uma mula de drogas, isto é, a transportar drogas dentro do corpo. Contudo, a droga (acidentalmente) é absorvida pelo seu corpo, conferindo-lhe poderes misteriosos e sobrehumanos. Agora, ela consegue absorver conhecimento de forma instantânea, pode mover objetos com a mente, não sente dor e desenvolve-se rapidamente e para lá da lógica humana.
"Lucy", que conta ainda com a participação de Morgan Freeman, deverá chegar aos cinemas americanos a 8 de agosto.
"We are only here briefly and in this moment I want to allow myself joy"
Trafaria, 14 de fevereiro de 2014
Querido Spike Jonze,
Como vão as coisas? Espero encontrar-te bem, como também espero que não leves a mal avançar já sem medos nem receios a tratar-te por tu, mas sempre achei que o “você”, apesar de bastante respeitável, era uma forma de tratamento que transmite distanciamento e alheamento, e aqui, especialmente aqui, no que te quero dizer, quero estar perto. O mais perto possível. Então, posso tratar-te por tu, não posso?
Escrevo esta carta – à semelhança do teu terno protagonista - para te falar sobre o teu mais recente filme, “Her”. Fiquei siderada, confesso, e não pude deixar de recordar as célebres palavras da epígrafe do “Howard’s End” de E.M. Forster que escreveu, sobre a noção dos relacionamentos e da empatia, “only connect!”. Essa ligação – humana, tecnológica e a interceção de ambas – que é a força que move o teu novo e poderoso filme.
O enredo é simples na explicação, mas incrivelmente complexo na execução e implicações - lá irei. Antes de mais, e até para me ajudar na exposição das ideias, clarifiquemos que esta é a história de Theodore, um homem que escreve cartas para outras pessoas como profissão e que luta contra a tristeza de um casamento destruído, tentando, para isso, distrair-se ao comprar um novo Sistema Operativo interativo capaz de criar uma consciência digital. Samantha – como se chama - não existe sob qualquer forma física além do discreto fone e do pequeno tablet que acompanha Theodore para todo o lado, mas não é isto que a impede de formar uma ligação e relação dinâmica com ele, que não demora a tornar-se… algo mais. Juntos crescem e descobrem as suas facetas mais recônditas, e o mesmo acontece com o seu relacionamento e todas as peculiares complexidades que o acompanham.
Bolas Spike, quem mais poderia almejar a uma peculiar fusão entre “2001: A Space Odyssey”, os cânones da comédia romântica e as inegáveis referências da sua própria filmografia precedente? Tenho mesmo de te dizer que este é um daqueles filmes tão ousados que tinha tudo para não funcionar - para ser ridículo, frio e completamente removido da realidade. Ao invés disso é honesto, duro e terno quando tem de ser, otimista e singularmente belo na forma como contraria a natureza leviana e repetitiva como o amor romântico e as relações em geral são retratadas em cinema, perdendo o ADN que nos liga a todos: a humanidade.
Este teu primeiro argumento não encapsula apenas um conceito geral inovador, mas cose-se ainda de uma intuição e inteligência sobre os padrões de comportamento humano, com detalhes profundos, deprimentes e por vezes sarcásticos da dinâmica das relações. É uma examinação do lugar para onde nos dirigimos enquanto espécie, que aplica essas descobertas à realidade de um indivíduo, e um raro e modesto tipo de obra-de-arte.
Bem sei que não exploras determinados temas de forma direta, mas ao mesmo tempo, colocas questões fraturantes impossíveis de ignorar: como é que nos ligamos a outras pessoas? Serão os media sociais, na sua essência, antissociais? Será que a Era da Revolução da Informação e Tecnologia tanto fez para nos unir como para nos dividir? É uma relação meramente física superior a uma meramente emocional? O que é o amor? Às tantas invadiu-me um sentimento de exasperação profunda - porque é que não há mais filmes como o teu, Spike?
A proposta da tecnologia como escapismo é clara – hoje é facilitada a fuga aos silêncios constrangedores e a interrupção de uma ideia para colocar uma fotografia no Instagram. Eu própria, que escrevo esta carta de coração aberto, já me interrompi duas ao três vezes ao longo desta carta para verificar a minha conta de Facebook. Patético, não é?
Mas não deixando estre atrofio e entorpecimento social de ser um dos focos do teu filme, vale a pena reforçar, no entanto, que se “Her” não se curva perante os proveitos da grandeza tecnológica, também não é propriamente um manifesto contra ela. Estas observações, ou antes sugestões para reflexão sobre a tecnologia são repetidamente ancoradas à tua crença– e consequentemente, do filme – de que a necessidade de nos mantermos ligados ao outro é inata e manter-se-á humana até ao fim. É essa compulsão de partilhar a vida com o outro que faz as roldanas do enredo moverem-se, e a tecnologia surge como o dispositivo que lhes permite apenas conferir longevidade e amplificação.
Assim, e acima de tudo, construíste um veículo emocional – para nosso espanto, uma história de amor completamente familiar mas que também parece absolutamente original – e uma fórmula de sucesso reinventada e levada ao nível seguinte.
Compreendeste, como o faz apenas quem já amou e foi amado, que uma das maiores potencialidades do Amor é a formação da melhor versão de nós mesmos, enquanto conseguimos otimizar o nosso potencial. Todavia, este é também um dos seus maiores perigos, porque ao mesmo tempo que desejamos o crescimento da nossa “metade”, desenvolve-se em nós o medo de ficarmos para trás no processo. A tua fita não só explora essa ambígua realidade das relações como não cede à facilidade de descartar o Theodore como um indivíduo desviante, vendo-o antes como um produto do ambiente em que está envolvido, e preocupando-se mais em explorar a universalidade desses mesmos problemas relacionais – as dúvidas, a necessidade de entrega, a obsessão, a dor. Esta é, assim, uma evocação extraordinária da verdade fundamental sobre o amor, que se baseia na partilha e no sacrifício, na certeza de que temos de ceder uma parte de nós, comprometer-nos, para descobrirmos o fundo do arco-íris de uma ligação significativa, que é difícil e nega todos os idealismos e facilitismos do destino romântico fantasiado na juventude.
Parte do que torna isto um verdadeiro feito é o facto de a tua (vossa) criação ser tão credível, tanto no desenvolvimento em etapas do relacionamento da Samantha e do Theodore, como na própria criação estética de um mundo que a todos nós é vagamente familiar.
A forma como o ambiente que circunda o enredo foi construído é, apenas de si, digno de um mar de cartas de amor. Este é um mundo admitidamente situado num futuro próximo, mas onde não existem motas voadoras ou ciborgues a policiar as ruas. É utópico e distópico mas não suficientemente discrepante da nossa própria realidade para que não possa surgir como uma pequena mas crível viagem de “regresso ao futuro”. As construções macias e geométricas enchem esta versão de Los Angeles que é colorida por tons pastel. A simplicidade constitui uma consequência básica da inovação enquanto o aspeto desbotado sugere uma sociedade insulada do contacto humano. Tudo resplandece perante a ambígua beleza e a bizarrice vaga de tudo isto.
Apesar de não ter aqui espaço ou tempo para prezar a reunião perfeita de centenas de pessoas que trabalharam para edificar o todo, gostava de dirigir ainda uma palavra aos teus dois pilares. O Joaquin Phoenix, cuja performance é demasiado subtil para Óscares e outros louvores, mas absolutamente assombroso e gracioso. Num contraste poderoso com o id materializado em “The Master” de Paul Thomas Anderson, ele forjou Theodore de nuances ternas, lúcidas e inteligentes.
Por outro lado, fazer saber que no processo de desenvolvimento e filmagens de “Her” Samantha sempre foi Samantha Morton, a tua primeira escolha para dar “corpo” ao Sistema Operativo. Mas depois de Morton estar presente todos os dias no set e de fazer a gravação integral do papel, sentiste que algo não batia certo, e com a bênção de Morton (deixando, em sua honra, o nome do Sistema), substituiste-a por Scarlett Johansson. Que palpite certeiro… A Scarlett criou uma das performances mais sensuais, intrigantes e completas do ano, formando um novo ícone do Cinema moderno sem para tudo isso precisar sequer de uma existência física. Os falatórios que chegaram a existir à volta de possíveis nomeações pela sua prestação secundária podem parecer rebuscados a muita gente, mas depois de vermos o filme a única implausibilidade é ela estar de fora em praticamente todas as listas pela razão pouco adaptada ao seu tempo de que “para ser considerada uma performance deve ser plena na representação vocal e física”. Pfff... patetas.
Quero terminar, Spike, dizendo-te que “Her” é muitas coisas, mas também não é outras tantas. Não é uma comédia barata sobre um falhado incapaz de estabelecer uma ligação humana, ou uma palestra cínica sobre o antissocialismo dos sistemas sociais artificiais, ou sequer um ensaio sobre o quebra-cabeças do desenvolvimento do domínio tecnológico sobre nós.
Sou eu, tu e todos nós, o aqui do agora mascarado de além do amanhã. É uma história de amor do séc. XXI, que é um retrato digno desta Era dominada pela mediação tecnológica, mas ao mesmo tempo a captura perfeita da sucessão de disposições boas e más desde que conhecemos o amor como ele é. Não criaste, como já ouvi dizer, uma cápsula para o futuro, porque o desejo de amar e ser amado é eterno.
“Only connect!”, escreveu E.M. Forster.
Agora desculpa-me a despedida apressada, mas vou fechar o portátil, guardar o smartphone e vou abraçar alguém.
Obrigada.
Catarina
9.5/10
Ontem foi disponibilizado na web o primeiro teaser trailer de "Under the Skin", o peculiar novo filme de Jonathan Glazer (o seu último filme foi o perturbador "Birth"), protagonizado por Scarlett Johansson.
O thriller psicológico de ficção-científica é adaptado a partir da obra homónima e inquietante de Michael Faber, e tem como premissa a história de um extraterrestre disfarçado de uma bela mulher que procura zonas isoladas e desérticas para, através da lógica da boleia, atrair novas presas.
Neste ponto, é interessante destacar que algumas secções foram filmadas com câmaras escondidas - neste caso particular, o que veremos no ecrã serão estranhos a pensar que, de facto, Johansson lhes está a dar boleia. O realizador ressaltou que esta escolha partia do princípio de incluir a audiência numa espécie de abordagem clínica.
(Mas agora, não me peçam para falar do trailer, ou explicar o que é que se passou ali, porque sinceramente não me acho capaz de o fazer.)