Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Isto já nem vem com pretensões de notícia, já que a coisa se deu na madrugada de domingo e já vamos na terça-feira, mas mais como uma anotação pessoal e um registo de detalhes importantes para a Awards Season em geral.
Como tal, no passado domingo ficaram a ser conhecidos os vencedores dos Golden Globes, versão 2015, respetiva ao Cinema (e televisão) de 2014.
Entre as notas importantes:
- Surpreendentemente sem qualquer nomeação à partida: UNBROKEN de Angelina Jolie e AMERICAN SNIPER de Clint Eastwood;
- INTERSTELLAR só indicado em Melhor Banda Sonora;
- Timothy Spall viu a sua performance como MR. TURNER não reconhecida pela HFPA, bem como Marion Cotillard pela sua interpretação no belga DEUX JOURS, UNE NUIT;
- BOYHOOD cimenta o estatuto de favorito e "inimigo a abater" por todos os outros concorrentes;
- GRAND BUDAPEST HOTEL leva a melhor sobre BIRDMAN na categoria de Melhor Filme de Comédia ou Musical;
- LEVIATHAN (Rússia) bate o favorito IDA (Polónia) na corrida de Melhor Filme Estrangeiro;
- HOW TO TRAIN YOUR DRAGON 2 é considerado o Melho Filme de Animação, em detrimento de THE LEGO MOVIE.
Posto isto, vamos à lista completa de vencedores:
MELHOR FILME (DRAMA)
Boyhood
MELHOR REALIZADOR
Richard Linklater – Boyhood
MELHOR ATRIZ (DRAMA)
Julianne Moore – Still Alice
MELHOR ATOR (DRAMA)
Eddie Redmayne – Theory of Everyting
MELHOR FILME (COMÉDIA OU MUSICAL)
The Grand Budapest Hotel
MELHOR ATRIZ (COMÉDIA OU MUSICAL)
Amy Adams – Big Eyes
MELHOR ATOR (COMÉDIA OU MUSICAL)
Michael Keaton – Birdman
MELHOR ATRIZ SECUNDÁRIA
Patricia Arquette – Boyhood
MELHOR ATOR SECUNDÁRIO
J.K Simmons – Whiplash
MELHOR FILME DE ANIMAÇÃO
How To Train Your Dragon 2
MELHOR BANDA SONORA ORIGINAL
Johann Johannsson – The Theory of Everything
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL
“Glory” (Selma)
MELHOR ARGUMENTO
Alejandro González Iñárritu, Nicolás Giacobone, Alexander Dinelaris, Armando Bo – Birdman
MELHOR FILME ESTRANGEIRO
Leviathan (Rússia)
A lista completa de nomeados originais aos Golden Globes 2015 pode ser consultada por aqui.
"The moment seizes us"
Se a vida é uma série de momentos, de recomeços, de escolhas e de compromissos, então BOYHOOD é um magnificente e humilde tributo a tal vida.
Escrito e realizado por Richard Linklater, o ambicioso projeto levou o ávido realizador a filmar uma história ao longo de 12 anos (traduzidos em 45 dias de filmagem), e que nos permitiu assistir ao crescimento figurativo e literal do seu protagonista Ellar Coltrane à frente dos nossos olhos – inspirando-se, quem sabe, no génio de François Truffaut quando decidiu acompanhar a vida de Antoine Doinel ao longo de cinco filmes.
No caso de Linklater, começou a filmar o jovem ator com apenas 6 anos e terminou quando este tinha acabado de completar os 18. Todos os anos, gravava cerca de 15 minutos de filme, montando e compilando pelo caminho. Tudo se junta, numa miscelânea de momentos com alma de álbum fotográfico de uma forma que é difícil de descrever. O efeito é absolutamente esmagador na sua simplicidade.
Entre 2002 e 2014 seguimos a vida do jovem Mason e a sua família, que inclui a impertinente irmã mais velha e o par de pais divorciados, à medida que crescem nos enormes mas (cinematograficamente) tão raros desafios quotidianos e nas diferentes casas que tornam suas, ano após ano.
Com lealdade aos factos, BOYHOOD é um drama ficcionado e narrativo, mas desenrola-se com a verdade pungente de um documentário. Uma obra-de-arte na acumulação de detalhes, e um fascinante exercício no ato de mostrar em vez de contar. O homem que se especializou no formato das “histórias passadas num único dia” alonga os limites do seu engenho para criar algo único e sem precedentes, tanto para a audiência como para si mesmo.
É a soma de uma carreira singular, a culminação de tudo o que tentou alcançar, fundindo a sensibilidade independente e livre que emprestou às suas primordiais odisseias diárias dedicadas ao caos organizado da juventude (SLACKER e DAZED AND CONFUSED) à precisão da reflexão e da exposição verbal tão elegantemente exercitada na trilogia BEFORE SUNRISE/SUNSET/MIDNIGHT, numa poderosa evocação simultânea do que significa pertencer a uma família e crescer, edificando a cada passo uma pequena parte daquilo que virá a ser a nossa identidade. Todavia, não é apenas um estudo sobre a infância e o desenvolvimento humano, mas também dos rigores e vicissitudes da vida adulta.
Mas BOYHOOD não é uma experiência valerosa apenas pela sua natureza estrutural e de produção inovadora – o que aqui temos é também um baú de riqueza cultural inestimável para a geração que cresceu durante o séc. XXI, marcando-se a passagem do tempo com as respetivas deixas temáticas e temporais para nos guiarem subconscientemente: quezílias políticas nas presidências de Bush e Obama, tecnologias primitivas que se transformam em experiências de alta-definição, modas culturais e canções em voga, tudo tão marcado e essencial como o amadurecimento facial e desenvolvimento de cortes de cabelo do elenco. Estas referências não funcionam como um dispositivo de nostalgia barata, mas compõem um ambiente – e não somos nós o produto do nosso ambiente?
É dolorosamente fácil descartar BOYHOOD, como um filme simplista, sem um propósito particular ou uma conclusão épica, como que em modo fast-food, pronta a deslindar o nosso lugar no mundo, tanto como seres individuais, como pertencentes a uma realidade social.
Mas a crua verdade é que a vida – a nossa vida - não se resume a epifanias no topo de uma montanha com a banda sonora perfeita, ou a uma frase floreada criada para tatuar no corpo. A vida é uma série de desafios quotidianos, ao longo dos quais crescemos e aprendemos, apenas para descobrir que há por aí muito mais do que poderíamos imaginar. Momentos impactantes ou não, que ora nos confundem, ora nos asseguram que este é o nosso lugar.
A vida não é os enredos de Hollywood, ou as letras delirantes de uma banda indie, ou as linhas embriagadas de sonho de um qualquer bestseller. A vida é o primeiro dia de escola. O corte de cabelo que nos envergonha. A discussão matinal com a mãe. As regras chatas do pai. A irritação dos irmãos. As manhas para faltar à escola. A canção do Verão. A festa secreta com os amigos. A cerveja clandestina. As experiências proibidas. As conversas de circunstância. As batatas fritas no bowling. Os concertos com os amigos. As férias com a família. O primeiro amor. A aventura da universidade. O primeiro emprego. O entusiasmo. O aborrecimento. A dúvida. A certeza. A nova dúvida. O começo. O recomeço.
E a vida – a nossa vida – está escarrapachada em BOYHOOD.
9.5/10
Falarei muito brevemente sobre o que achei do fantástico BOYHOOD, de Richard Linklater... mas até lá, e particularmente para quem já assistiu:
Porque é que o Richard Linklater - depois de "Dazed and Confused", da saga "Before Sunrise/Sunset/Midnight" e muitos outros - continua a querer brincar (com sucesso) com a genialidade?
Case in point - "Boyhood", o seu próximo filme, protagonizado por Patricia Arquette, Ellar Coltrane e Ethan Hawke. A peculiaridade que torna este um projeto tão especial que foi literalmente desenvolvido ao longo de 12 anos. Estreado no festival de Sundance, "Boyhood" é um filme especial e contracorrente, que tem ainda por cima um maravilhoso trailer para o acompanhar.
Com filmagens iniciadas em 2002 e estendendo-se até 2014 - será fascinante observar as diferenças de todos os atores envolvidos, e o que o processo do tempo poderá querer dizer num projeto destes - "Boyhood" conta a história da vida e do crescimento de Mason, um rapaz de sete anos.
O filme de Linklater tem estreia marcada nos Estados Unidos para 11 de julho.
"If we were meeting for the first time today on a train, would you start talking to me? Would you ask me to get off the train with you?"
Descobrir a paixão é relativamente fácil. Vencer o teste do tempo e do hábito é incrivelmente difícil. Mas fazer um filme tão divertido, cru e profundamente verdadeiro sobre a jornada de um casal que luta para se manter unido é ainda mais difícil.
É esta a dinâmica de uma história de amor tradicional – acaba com um grande beijo apaixonado entre duas partes que finalmente se congratulam por uma jornada acidentada por obstáculos vários, passando a viver num estado de romance idílico e eterno, intocado pelo hábito, ou mudança, ou infelicidade. Será isso possível?
A questão que se impera então colocar olha além de tais maquinações: o que é que acontece depois do “felizes para sempre”? E é essa pergunta – tão simples e tão difícil – que paira sobre “Before Midnight”.
Uma sinopse nunca conseguiu fazer muito por qualquer um dos filmes de Jesse e Celine, e nesta terceira incursão não é muito diferente. Reduzir-nos-emos então a assertar que nos reencontramos com o casal – agora na Grécia - nove anos depois da última vez que trocámos olhares. Na primeira troca de palavras sabemos que o seu regresso é como o reencontro de um delicioso prato favorito que, por alguma matreirice do destino, já não saboreávamos há anos, mas cujo gosto continua tão familiar que à primeira garfada é impossível reprimir um sorriso de infindável satisfação.
Juntos, e agora com duas belíssimas filhas a seu cuidado, Jesse e Celine recordam-se dos quase 20 anos que se passaram entre este momento e o seu primeiro encontro, a bordo de um comboio com destino a Viena. O tempo passa, disso não há dúvidas. A questão é: estarão eles diferentes?
Se “Before Sunrise” elaborou sobre a euforia de um romance assolapado e “Before Sunset” explorou o otimismo agridoce do reacender da chama, “Midnight” oferece uma examinação sobre verdades complexas da tarefa árdua e exaustiva de manter um relacionamento vivo, num exercício cinematográfico muito mais intrincado, doloroso e recompensador.
A terceira colaboração entre Richard Linklater, Ethan Hawke e Julie Delpy é requintada, simultaneamente divertida e melancólica, e profundamente catártica. Desta vez, existe mais conflito porque há muito mais em jogo, e pela sua preponderância, é o filme mais rico e triste da trilogia. Cada membro da audiência é tratado como um adulto maduro e sofisticado – uma fatia demográfica que nem sempre é bem servida pelo Cinema mainstream.
Poucos capturaram como este filme a forma como duas pessoas são capazes de se amar perdidamente e odiar cegamente no mesmo momento, numa profunda exploração da paixão, dos segredos, do arrependimento, e da identidade – tanto enquanto indivíduo, como enquanto casal.
O que sempre distanciou e continua a distanciar esta série da esmagadora maioria do Cinema que se faz por todo o mundo – especialmente em Hollywood – é a irrefutável qualidade do argumento, capaz de transmutar diálogo escrito e ensaiado em conversas tão espontâneas e naturais que são capazes de mergulhar no âmago dos mais profundos desejos, medos e ansiedades das suas personagens. A honestidade das linhas escritas conjuntamente por Hawke, Delpy e Linklater é de cortar a respiração.
O elemento temporal não é tão pronunciado como nos dois primeiros filmes, mas de alguma forma o desconforto de um relógio que não para começa a instalar-se, e a contemplação de uma alteração dramática de “estado civil” é constante até às doze badaladas que nos introduzem à madrugada.
Delpy e Hawke oferecem aqui das melhores performances das suas carreias, fazendo coisas absolutamente extraordinárias com momentos tão simples e vulgares. A dinâmica que existe entre si começa a ser passível de constituir a fundamental definição de “química entre dois atores em cinema”. Especialmente neste último episódio, somos capazes de nos rever em todas as suas interações, porque reconhecemos um pouco de nós, neles. Quando amam, parece verdade. Quando discutem, dói. Mas este realismo transparente é apenas a demonstração de uma forma máxima de artifício.
Por seu turno, Linklater segue-os em longos e inexplicavelmente belos planos sequência. O seu trabalho de realização demonstra uma contenção enorme, que combina com a natureza singela do desenrolar da complexidade humana – tanto individual, como quando em relacionamento com o outro.
Em muitas medidas além de uma apenas, “Before Midnight” é uma obra de mestre não só no reconhecimento de um argumento maior e na simplicidade do trabalho de dois atores à frente de uma câmara, mas sobretudo na exploração da condição humana como um todo. É um dos grandes romances da era moderna, e atinge aqui o expoente máximo da sua expressão e significância.
O final deixa uma vez mais a porta entreaberta, e certamente não seremos nós a fechá-la, mas a partir de 2013, quando as grandes listas sobre as melhores trilogias cinematográficas de sempre forem reconstruídas, o tridente humano de Linklater, Hawke e Delpy terá, decerto, lugar cativo ao lado de “Lord of the Rings”, a trilogia dos Dólares, “Star Wars”, “Toy Story” e “The Godfather” como uma das mais épicas de sempre.
Talvez até como a resoluta e mais importante para nós – não apenas quanto espectadores, mas enquanto seres humanos. Apenas porque é sobre todos nós e sobre tudo.
E para uma série de filmes tão célebre pela natureza palavrosa, “Before Midnight” acaba por ser, possivelmente, o mais responsável por nos deixar sem palavras.
10/10