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Há pessoas que sabem oferecer orgasmos a horas impróprias... e os irmãos Coen fazem parte desse grupo restrito.
Com rubis absolutos na carreira como Fargo, The Big Lebowski e No Country for Old Men, o seu mais recente projeto Inside Llewyn Davis explorava o sonho desbotado de um músico nos anos 60, mas depois de mergulhar nos meandros da crueldade e da nostalgia da indústria da 1ª arte, está na hora de regressar ao tom de deboche e observação satírica para atacar a 7ª.
Hail Caeser! é ambientado à Hollywood dos anos 50 e às maquinações corrosivas da icónica Era de Ouro e do famoso star system. A abordagem dos Coen é, à semelhança de O Brother, Where Art Thou? e Intolerable Cruelty, propositadamente idiótica - e Hail Caeser! até surgiu, inicialmente, em 2005, como o término de uma espécie de "trilogia idiota", que entretanto com Burn After Reading se tornou uma tetralogia - e promete um ataque feroz mas bem humorado à palermice da indústria que os criou.
O resultado parece absolutamente delicioso e deve chegar aos cinemas lá para fevereiro de 2016.
In Coen(s) we trust.
"And so my life began, junior lobby boy in training under the strict command of M. Gustave H. Many of the hotel's most valued and distinguished guests came for him. I became his pupil and he was to be my counselor and guardian"
Wes Anderson, o Willy Wonka do imaginário cinematográfico, está de volta ao grande ecrã com mais uma obra que lhe fará sonhar com a utópica mas arrebatadora possibilidade mágica de habitar um deslumbrante globo de neve.
O Grand Budapest Hotel é um histórico edifício situado nas pitorescas montanhas da (ficcional) República de Zubrowka e o epicentro das três eras históricas que seguimos ao longo de 100 minutos. Algures nos anos 80, um escritor recorda o rompimento do seu incessante bloqueio criativo que ocorreu anos antes, durante sua estadia no decadente hotel titular, quando conheceu o melancólico Mr. Moustafa. Depois de um encontro que pouco deveu ao acaso, o escritor navega, durante um sumptuoso jantar de vários pratos, pela incrível história de vida, morte, amor, coragem e vingança do atual dono do Hotel.
O mais proeminente habitante das suas memórias é Gustave H., o distinto concierge do Grand Budapest Hotel, mestre-de-cerimónias, sedutor de hóspedes, leitor e recitador de poesia romântica e emblema de uma era dourada na antecâmara da barbárie. Sob a sua liderança estrita, o Grand Budapest era o destino absoluto para qualquer socialite, e nenhum hóspede se sentia desacompanhado. É, no entanto, quando uma das suas muy estimadas padroeiras morre inesperadamente, que o carismático concierge e o seu fiel paquete Zero se veem envoltos numa intricada aventura que envolve acusações cruzadas de homicídio, o roubo e recuperação de uma preciosa pintura renascentista e a luta por uma enorme fortuna de família - tudo sob o cenário de um Continente que passa por inesperadas e dramáticas mudanças.
O universo Andersoniano atingiu aqui o apogeu em toda a ilustre glória das suas subtilezas marcantes, ironia cortante e detalhe digno de uma casa de bonecas. A graciosa zombaria que faz da história, obliterando horrores diretos em prol de uma série de piadas, jeitos e trejeitos travessos, não é gratuita. É vingativa. Dicotomicamente, é um dos filmes mais divertidos e caprichosos do realizador, mas também o mais sombrio e trágico.
A caracterização é parca, a última sequência – em virtude da mudança de tom consequente dos próprios temas negros enterrados no enredo – pontua-se por um decaimento semelhante ao início do fim da euforia depois de um volumoso consumo de açúcar, e a soma das encantadoras partes parece não dar conta certa com o resultado do todo… mas o filme de Anderson nunca deixa de ser um portento.
Tem, como todos os sentidos permitem atestar, muitos ingredientes familiares, mas mesmo no contexto de aliança para com a visão de Anderson, “Grand Budapest Hotel” é, possivelmente e em larga medida, o seu filme mais original.
Grande parte do elenco cujo pedigree serviria para nos absorver de talento durante sete vidas não tem mais do que meras linhas de diálogo, e ainda menos minutos de antena. Se noutros casos a tais aparições fulgurantes pudessem ser um ruim fator de distração, Wes Anderson tem o dom de os tornar essenciais, e cada ator se dedica à sua performance com um predador que tranca a presa. Nenhum deles era substituível, todos foram absolutamente necessários, e muitos deles, idos num instante entre instantes.
Mas o Hotel de Anderson pertence apenas e só à inspirada criação de Ralph Fiennes. Combinando a quantidade certa de comicidade irónica com um toque trágico e nostálgico, o ator britânico criou uma figura deliciosamente excêntrica e profundamente melancólica que se torna instantaneamente um ícone. A química e dinâmica que cria com o jovem Tony Revolori – que com ele carrega o filme às costas - parece uma trapaça irrepetível e congelada na nostalgia do tempo.
No que respeita à estética, não vale a pena andarmos com rodeios: esta é a derradeira apoteose de tudo o que reconhecemos como Andersoniano. Do design de produção (que parece sugerir dias de trabalho dedicados a corrigir uma única ruga num papel de parede ou num talher desalinhado), à banda sonora simbiótica de Alexandre Desplat, passando apaixonante guarda-roupa de Milena Canonero, tudo se enquadra com a perfeição de uma obra renascentista na fotografia de Robert D. Yeoman. No perfeito conjunto costurado à medida, é um bolo de intermináveis e deliciosas camadas do qual é humanamente impossível retirar os olhos.
Por vezes, esta sobrecarga sensorial e estética pode acabar por se revelar um problema, no Cinema de Anderson, se o espectador se deixar crer que pouca profundidade existe além da teatralidade de uma construção tão restrita e aparentemente artificial. A recompensa está ali para ser encontrada, e tem um valor inestimável, mas precisa de querer ser encontrada.
É que criou-se a perceção pouco fundamentada que Wes Anderson tem uma abordagem infantil e trivial das suas histórias, fazendo da sua estética e visão encantada um escudo imaturo para combater o desenvolvimento de temas mais obscuros, emocionais, ou moralmente discutíveis. Além de a presunção de que o Cinema deve ser um mero simulacro da realidade ser obviamente castradora e infundada, tais asserções revelam-se cada vez mais incorretas, conforme percorremos a cronologia da sua carreira. Em “Moonrise Kingdom”, o retrato arregalado da juventude em revolta e do primeiro amor versava também e na realidade sobre a solidão e descrença da vida adulta. Da mesma forma, por detrás do thriller cómico que colore cada ostentoso detalhe de “Grand Budapest Hotel”, está uma reflexão profunda sobre o desaparecimento da velha Europa, as tragédias do colapso socioeconómico, o poder destrutivo do conflito bélico (mesmo que sem nunca o colocar diretamente debaixo do nosso nariz) e um melancólico e trágico ensaio sobre a memória e a nostalgia.
Dá-se o caso de este não ser, para muitos gostos e opiniões, o filme mais emocional e humano de Wes Anderson, mas é inequivocamente o mais ambicioso e o mais pessoal. A certa altura, Zero partilha que "o mundo de M. Gustave já tinha acabado muito antes de ele ter entrado nele, mas ele soube manter a ilusão como ninguém". O mesmo se pode dizer de Anderson, uma mente artisticamente solipsista, de timbre único e inconfundível, absolutamente contemporânea mas inspirada (e apaixonada) pelo Cinema clássico.
Já não existem realizadores assim. E na verdade, talvez nunca tenham existido.
8.5/10
O novo filme de Wes Anderson, "The Grand Budapest Hotel" recebeu ontem um novo trailer, desta vez red band. E isto sendo verde, vermelho ou às bolinhas riscadas... parece sempre cada vez mais delicioso.
O filme conta a história das aventures de Gustave H, um lendário porteiro de um famoso hotel europeu entre as guerras, e o jovem empregado Zero Moustafa, que se torna o seu amigo mais leal. A história envolve o roubo e recuperação de uma peça inestimável do Renascimento e a batalha por uma enorme fortuna familiar.
O filme protagonizado por um elenco de luxo absoluto que inclui Ralph Fiennes, Tony Revolori, Mathieu Amalric, Adrien Brody, Willem Dafoe, Jeff Goldblum, Jude Law, Bill Murray, Edward Norton, Saoirse Ronan, Jason Schwartzman, Tilda Swinton, Tom Wilkinson, Léa Seydoux e Owen Wilson deverá chegar a Portugal a 10 de abril.
Basta ligar a televisão parar pormos em causa toda a fé que possamos ter na racionalidade ou humanidade do Homem, que constantemente retorna ao lamaçal para chafurdar ao nível mais baixo da depravação. E se alguma parte da sabedoria popular também nos diz que ninguém muda, é com o coração pesado que constatamos que, de facto, raramente aprendemos alguma coisa com a nossa história.
O séc. XX foi profundamente triste nesse sentido, com duas guerras mundiais que se distinguem entre outras centenas de conflitos que é impossível contabilizar. O séc. XXI surgia com a promessa da tolerância, mas cedo demonstrou que pouco ou nada tinha sido apreendido, e em 2001 arrancava a Guerra ao Terror que durou quase 10 anos.
Se algum tipo de ‘conforto’ pode ser encontrado nos meandros de tanta desgraça, é a certeza de que é difícil – porém não impossível – chegar aos níveis de algo como o Holocausto, comummente associado à Segunda Guerra Mundial, e sinónimo do terror puro.
Naturalmente, tal marco da história moderna não poderia ser ignorado pelas artes, particularmente, pela sétima, e uma das suas mais célebres incursões tem uma origem curiosa.
Quem diria que seria o quintessencial mestre da fantasia norte-americana seria capaz de realizar uma das transposições para o grande ecrã mais dramáticas de um dos capítulos cruciais e mais negros história do mundo? Apesar da sua confessa notoriedade crescente já no início dos anos 90, talvez não muita gente, ou certamente menos ainda depois do desastre que certamente lhe terá provido um poderoso complexo de Peter Pan que foi “Hook” (1991).
Com 12 nomeações a Óscar e sete estatuetas arrecadadas (onde se incluíram as de Melhor Filme, Realizador e Argumento Adaptado) e integrando o 8º lugar na lista do American Film Institute que distinguiu em 2007 os 100 filmes americanos mais importantes de todos os tempos, “Schindler's List” trouxe finalmente a consagração há muito ansiada por Steven Spielberg, mas acima de tudo, um pedaço de sétima arte capaz de resistir ao teste do tempo, e que se mantém até hoje como um brilhante estudo histórico e da natureza humana.
Por ocasião do 20º aniversário do filme, é lançada hoje em território luso uma edição de celebração imperdível que contém, além da versão DVD e Blu-Ray do filme, ofertas exclusivas de um poster original, três postais das personagens principais e um livro de 16 páginas sobre a produção, tudo bem acomodado numa embalagem de colecionador com folha em prata.
Baseado no romance de Thomas Keneally – “Shindler’s Ark” -, o filme de Spielberg representa a indelével história do enigmático Oskar Schindler, um membro do partido nazi, mulherengo e especulador de guerra, que acabou no entanto por salvar a vida a mais de 1100 judeus durante o Holocausto.
Como é que um homem que não se qualifica como humanitário altruísta ou monstro terrível se situa numa sociedade como a da Alemanha do Terceiro Reich? Esta é a história de um desses homens, Oskar Schindler, cujo compromisso de crescimento individual é interrompido pela realidade gritante do desespero negro de uma era e suplantado por uma devoção à proteção do maior número de judeus possível.
Talvez seja essa uma das maiores virtudes desta Lista de Spielberg – o facto de sermos guiados por um protagonista que está longe da personificação da virtude, e cujos motivos e moral se alteram gradualmente com o passar do tempo e das experiencias. Na verdade, o mistério intoxicante mantém-se quanto aos seus motivos, mas no final, nada disso importa a quem se viu salvo da exterminação certa.
Este é o filme mais pessoal da carreira de Spielberg, que se demonstra infinitamente mais capaz quando dirige um projeto que lhe diz alguma coisa. Curiosamente, é também o seu filme menos “Spielberguiano”, abstendo-se de utilizar muitas das suas técnicas de assinatura, e preferindo um realismo cru que ressoa a verdade desde o início ao fim.
É um profundo estudo de contrastes e ironias, bem patentes, inclusive, no estado de espírito do espectador depois de assistir: é simultaneamente um filme visceralmente devastador mas profundamente esperançoso.
Apesar das liberdades dramáticas que Spielberg toma – como é aliás natural e comum no género – “Schindler's List” não deixa de ser uma imensa lição sobre um dos capítulos mais negros da história dos homens, mas também um estudo profundo sobre as pulsões e emoções humanas, manifestadas no bem e no mal.
Sem tornar o filme num festival de terror, Spielberg não se coíbe de encarar os horrores do Holocausto de frente, fazendo recurso muitas vezes da mera sugestão, que acaba por ser incrivelmente mais eficiente do que um retrato gráfico. Em última instância, permite ainda uma excelente oportunidade de alargar horizontes no que à temática diz respeito, já que a abordagem não é formulaica, nem oferece explicações simples esquivando-se inteligentemente a alguns ‘mitos urbanos’.
Tecnicamente, o percurso de mestria continua, desde a deslumbrante fotografia a preto-e-branco àquela que será, por ventura, uma das bandas sonoras mais comoventes e dilacerantes de John Williams.
Enquanto Liam Neeson é fantastico no retrato da ambivalência de Oskar Schindler e Ben Kingsley é por vezes esquecido face ao brilho da história do protagonista, é Ralph Fiennes a verdadeira estrela da companhia no que a interpretações diz respeito, no retrato do mal corporizado em Amon Goeth, um comandante de um campo de concentração que passa as manhãs a escolher judeus da sua varanda para serem abatidos.
Apesar do tema manifestamente negro e vergonhoso para uma raça que se diz racional, o filme de Spielberg é movido por uma pequena chama num antro de horror negro: uma chama de esperança e dignidade. À exceção de algumas escolhas criativas questionáveis – a maior das quais prende-se com o já ‘infame’ final escusado e indulgente – “Schindler's List” compõe-se como uma obra quase perfeita.
“Schindler's List” é intransigente no retrato das várias camadas da natureza humana: quer no retrato do bem, do mal e da área cinzenta, quer na representação da ganância, ódio, luxúria, poder, e, acima de tudo, empatia e amor. O seu toque é do mais profundo na alma humana, e a catarse decorrente é tão poderosa como apenas outros momentos cinematográficos que podem ser contados pelos dedos.
É esta dimensão profundamente humana, que se destaca como a chama laranja ou a menina do casaco vermelho na imensidão preta-e-branca, que o distingue, não só como um dos filmes mais importantes da história, mas também como uma experiência cinematográfica e humana transcendente.
Porque “quem salva uma vida, salva o mundo inteiro”.