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"True love is just like a ghost - people talk about it but very few have actually seen it"
À medida que o sol espreita, e, entre eles, os flashes vistosos dos épicos e blockbusters, “Prince Avalanche” é a última limonada fresca ao fim da tarde, quando só o horizonte separa o céu e o mar.
É uma dupla bizarra, aquela que nos acompanha no verão de 1988, num cenário simultaneamente pós-apocalíptico e cruamente real que sucede um violento incêndio no Texas que varreu milhares de hectares de floresta e outras tantas habitações numa onda de pura devastação horrenda. Durante a solitária estação, dois trabalhadores de manutenção rodoviária, de naturezas completamente polarizadoras, reparam as estradas devastadas pelo incidente, enquanto desenvolvem uma amizade improvável alimentada por humor, trocas de palavras grosseiras e verdades violentas que os ajudam a compreender os seus próprios limites e a sua posição na arena selvática da vida.
Se o regresso à inocência se provou proveitoso para alguém em Hollywood, David Gordon Green pode dizer-se um dos singulares sortudos: entrou de rompante na cena indie em 2000 com o surpreendente “George Washington”, ao qual se seguiu uma série de bem cotadas longas-metragens de baixo orçamento. O mainstream chamou baixinho, e Green experimentou-se nos peixes grandes – e com largo sucesso! - com a comédia stoner produzida por Judd Apatow, “Pineapple Express”.
Os orçamentos que cresceram alimentaram mais dois filmes menores, os quais nem vale a pena referir o nome, e, eventualmente, lá apareceu ela ao longe, à espera de ser revisitada: a inocência de um projeto de paixão, feito sem rasto de dólares, mas com cheiro a gentes e a terra molhada.
Levemente baseado num excêntrico filme islandês chamado “Either Way”, “Prince Avalanche” é uma excêntrica mas profunda aventura que, à superfície, parece viver de pouco mais do que do conflito entre a tensão de Alvin e a leviandade de Lance. Na verdade, e estritamente falando, há pouco ou nenhum enredo a coser os limites do filme de Gordon Green, mas é também esse isolamento de ação – que, avisamos, não será manjar para todos os apetites – que permite a meditação tão pura na assumida inclinação humana de procurar no virar de costas uma nova existência livre de dor e crueza, nas relações e no nosso renascimento.
Com uma fotografia inspirada e intimamente ligada ao naturalismo, duas performances dedicadas de Paul Rudd e Emile Hirsch e uma apaixonante banda sonora da autoria de David Wingo e Explosions in the Sky, o filme de Gordon Green é um triunfo humilde e silencioso que recompensará a paciência de aguardar os mais belos momentos da vida.
Do alto do espírito livre encarnado, a ténue e restritiva tez de buddy movie vai descamando até adotar a nova pele de uma emocional parábola sobre o caminho incerto que se apresenta a todos de nós, ao longo da vida, quando subitamente a temos de a reconstruir sem aviso. É o que a torna a nossa existência tão cruel e tão preciosa ao mesmo tempo.
Então largue os mapas e as amarras, e deixe-se ir. “Prince Avalanche” é um daqueles filmes em que vale mesmo a pena perder-se… para, quem sabe, voltar a encontrar-se.
8.0/10