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A Lionsgate acabou de disponibilizar o primeiro trailer oficial do penúltimo capítulo da saga Hunger Games (“Mockingjay – Parte 1″), a chegar aos cinemas ainda este ano (27 de novembro, em Portugal).
"Her" foi um dos meus filmes favoritos de 2013, e por essa mesma razão, não achava que pudesse existir alguma coisa que o tornasse melhor. Mas aparentemente existe, e alguém se lembrou disso.
E ainda na primeira parte de jogo, Scarlett Johansson é substituída por... por... Phillip Seymour Hoffman!
"Remember who the real enemy is"
Uma sequela pode provar-se terreno movediço e mortífero para um aspirante a saga de sucesso. Normalmente seguindo um título de sucesso, a sequela tem de lidar com expectativas elevadas e a possibilidade de explorar um universo que, no primeiro filme, beneficiou do fator novidade e estabeleceu firmemente a sua relação com a audiência.
Por cada “The Godfather2”, “The Dark Knight” ou “The Empire Strikes Back” existe um sem-número de segundos episódios que essencialmente se revestem de uma produção claramente mais dispendiosa e se focam em repetir aquilo que apaixonou as audiências no primeiro filme, colocando de parte a possibilidade de expansão e aumento de profundidade do universo do seu predecessor.
“The Hunger Games: Catching Fire” enfrenta todos estes (e outros) obstáculos com sucesso.
Katniss e Peeta regressam a casa em segurança após terem vencido a 74ª Edição dos Jogos da Fome. Mas em Panem, ganhar também significa perder, e os dois guerreiros terão que dar meia volta e deixar as suas famílias e amigos para embarcar no Tour da Vitória através dos 12 distritos. À medida que atravessam o território, Katniss apercebe-se que uma onda de rebelião está a nascer e a crescer, mas o Presidente Snow ainda mantém um controlo total e absoluto sob o Capitólio, enquanto organiza uma nova e especial edição Jogos da Fome onde, quais Olimpíadas, apenas os melhores entre os melhores se defrontam. Esta competição irá mudar Panem para sempre.
Se o primeiro filme (e a saga literária) sofreu com os comentários que o arrumaram na prateleira da miscelânea do “Battle Royale + Twilight + Big Brother”, a sequela consegue crescer e emergir, mostrando porque é que “The Hunger Games” é, possivelmente, a saga blockbuster mais entusiasmante que se desenrola atualmente no circuito mainstream.
De um modo geral, aqui tudo é maior e melhor. Enquanto Gary Ross fez um bom trabalho (ainda que irregular) a edificar a base do mundo cinematográfico baseado na literatura de Suzanne Collins, a sequela beneficia enormemente de um orçamento praticamente duplicado (de 78 para 130 milhões de dólares) mas especialmente da experiência de Francis Lawrence em filmes de ação e da sua sensibilidade dramática que eleva, inclusive, o conteúdo literário - que, em virtude de ser dirigido a um público juvenil, acaba por ser mais ligeiro.
A narrativa de “Catching Fire” é adaptada por Simon Beaufoy (“Slumdog Millionaire” e “127 Hours”) e Michael deBruyn (“Toy Story 3” e “Little Miss Sunshine”), removendo os fillers desnecessários e demonstrando uma capacidade excecional fazer a justaposição entre a decadência e a brutalidade, com a continuação da exploração do culto da celebridade e da lógica Big Brother, a decrepitude da (a)moralidade, a desigualdade de classes, a propaganda e políticas ditatoriais e a (ainda) pequena mas inextinguível chama da revolução.
A partir do motto “Lembra-te quem é o verdadeiro inimigo”, que não é nada ficcional se olharmos apenas para uma edição do telejornal diário, o foco na subversão e na maquinação da rebelião é especialmente patente na primeira metade do filme, onde os personagens usam vários mecanismos para desorganizar e anarquizar o sistema, como sejam a criação de Cinna ou os protestos de Peeta e Katniss nas provas de aptidões pré-Jogos. A exploração do ménage amoroso continua a ser, na verdade, a faceta mais fraca da série – especialmente pela falta de caracterização e possibilidade de investimento em Gale, e pela natureza submissa e nem sempre atrativa de Peeta, quando contrastados com a bola de fogo que é Katniss.
“Catching Fire” é, portanto e surpreendentemente, um épico íntimo onde os maiores conflitos são desenrolados em grandes planos expressivos ou sugestões brutais, ao invés de chacinas violentas. É intimidante combater primatas violentos, enfrentar nevoeiros venenosos e batalhar assassinos experientes, mas nada disto se compara ao terror puro de um espancamento em via pública ou o poder sedutor de uma ameaça talhada em meias palavras. No mínimo, é o que se pode considerar como uma forma bem arriscada e corajosa de filmar entretenimento blockbuster.
Tecnicamente, a sequela é um triunfo. Os efeitos visuais não guardam sequer comparação com os do original, enquanto os sets de Philip Messina estão em sincronia perfeita com a realidade distópica da história. O Capitólio parece menos um clone barato de uma cidade espacial para adquirir o ar requintado de uma espécie de versão futurística de “Paris meets Nova Iorque meets Oz”, decadente e industrializado. No guarda-roupa, a adição de Trish Summerville – que recentemente colaborou também em “The Girl with the Dragon Tattoo” – eleva a outro nível de invenção a realidade extravagante deste mundo alternativo.
Entre as queixas menores, além da pouca frescura estrutural (obviamente inescapável tendo em conta a base literária), mesmo com 146 minutos, existem algumas ideias e temas que acabam por ser pouco desenvolvidos, como o stress pós-traumático de Katniss ou o plano de Snow e Heavensbee de tornar a vida pública de Katniss e Peeta num perpétuo episódio das Kardashians.
No que respeita ao elenco, um dos grandes problemas de Twilight começou a aflorar quando os seus protagonistas se desinteressaram nos personagens que representavam, tendo, possivelmente, crescido além do seu alcance e demonstrando uma enorme dificuldade de identificação com eles. Esse era um medo que secretamente amedrontava muitos de nós no que concerne Jennifer Lawrence.
Num curto espaço de tempo, e entre os dois filmes, Lawrence tornou-se uma autêntica rock-star com um Óscar na algibeira. Mas ao contrário dos colegas de um franchise vizinho, Lawrence mostra-se mais dedicada que nunca, usando toda a experiência adquirida para mergulhar mais fundo na psique de Katniss. Ela incendeia o ecrã. A complexidade que passa pelos seus olhos é impressionante, para uma jovem mulher que, em vez de se preocupar com potenciais parceiros amorosos, tem todos os dias de lutar para sobreviver enquanto lenta e relutantemente se torna um símbolo revolucionário.
Josh Hutcherson, com mais carne onde afincar o dente, tem mais margem de manobra para Peeta do que no primeiro filme, acrescentando-lhe facetas que funcionam para aprofundar um pouco mais o personagem e estabelecer uma boa base para os desafiantes filmes que se seguem, no que a Peeta diz respeito – quem leu o livro saberá do que falamos, mas não nos compete estragar surpresas.
O elenco repetente tem muito mais para explorar desta feita: Donald Sutherland desenvolve ainda mais a frieza dos implacáveis olhos do Presidente Snow, Elizabeth Banks pode pela primeira vez expor um lado mais sensível de Effie e Stanley Tucci e Woody Harrelson continuam a retirar um gozo enorme das caricatas personas que têm a seu cargo.
Entre os novos elementos, reservamo-nos a destacar Sam Claflin que cozinha o seu Finnick Odair à medida com as doses certas de confiança, narcisismo e ambiguidade, a excentricidade terna de Amanda Plummer e Jeffrey Wright, a inteligência elétrica e a ferocidade de Jena Malone (que se arrisca a ter construído uma das personagens mais badass e adoradas da série) e por fim o incomparável Philip Seymour Hoffman, que em apenas meia dúzia de cenas como o novo Mestre dos Jogos traz uma calma magnética e esquiva ao papel, elevando inequivocamente o material ao nível seguinte.
O que torna “The Hunger Games” num fenómeno particularmente especial é que pode ser o que o espectador quiser – um épico de ação, um romance trágico, um thriller político ou uma reflexão social metafórica. Somos convidados a mergulhar num mar de metáforas se assim o desejarmos, ou apenas apreciar uma sólida peça de ação e entretenimento básicos.
Inesperadamente, e independentemente do complexo enredo opressivo e revolucionário, parece mesmo que o futuro se apresenta risonho para “The Hunger Games”. E quanto ao último episódio, que surgirá bipartido entre 2014 e 2015, parece que a sorte está mesmo destinada a estar do seu lado.
8.5/10
Paul Thomas Anderson não só nos tem deixado bem habituados, como tem reunido o dom da incapacidade de expressar em palavras o que o seu trabalho tem vindo a significar para o panorama do Cinema contemporâneo Americano. Palavras como “corajoso” e “excecional” começam a parecer obsoletas. Eis que, no horizonte, surge “The Master”.
Ao cabo do termo da Segunda Guerra Mundial, o marinheiro Freddie Quell chega a casa indeciso e quebrado, inseguro quanto ao futuro, até ao dia em que se deixa seduzir pelo carismático Lancaster Dodd, líder da Causa, uma organização de base religiosa que começa a tornar-se popular nos Estados Unidos no início dos anos 1950.
Apesar de ser reconhecido como “o tal filme sobre a Cientologia”, a publicidade ao novo filme de Paul Thomas Anderson não é propriamente correta, ou sequer justa. Apesar de “A Causa” pedir uns quantos aspetos emprestados à organização criada por L. Ron Hubbard (além do paralelismo que pode ser estabelecido com qualquer outro “culto”), a verdade é que a dinâmica e natureza do seu funcionamento vão perdendo fulgor e importância à medida que Anderson se interessa mais em mergulhar na psique e mistérios de Freddie e do seu Mestre. São as ramificações decorrentes, cuja origem só podia advir de uma mente tão genial e críptica como a de Anderson (que escreveu o argumento e realizou o filme), que vão muito mais além.
“The Master” exige paciência e diligência do espectador, e em nenhum sentido é uma experiência leve, ou fácil. A sua abordagem às personagens tem muito a dizer sobre as fundações da cultura Americana, desde o individualismo à cooperação, ou da liderança à servitude. E Anderson não precisa de grandes discursos precisos, ou de personagens históricas, ou de apontamentos celebratórios supérfluos para o fazer. A humanidade misteriosa e complexa nos seus filmes acabou por, ela mesma, desenterrar a alma de uma nação.
Como “There Will Be Blood”, “The Master” estabelece um paralelo interessantíssimo com a disfunção Americana. Apesar de o posicionamento temporal ser preciso, a sua relevância é inegável, já que explora a dinâmica de uma nação que procura orientação até à iluminação.
No Festival Internacional de Toronto, Anderson discutiu a importância do período pós-Segunda Guerra Mundial no desenvolvimento de “O Mentor”, e como esse ambiente era o jardim perfeito para florescerem teorias como a da Causa – a América sentia-se rejuvenescida pelo espírito heroico, ao mesmo tempo que ainda perseguida pelos fantasmas do horror da Guerra. O questionamento sobre o sofrimento e as vidas passadas era constante, e é, como bem podemos lembrar, um tema que interessa aparentemente ao realizador, que já o abordara brevemente em “Magnolia”, se lembrarmos a asserção recorrente: “"Nós podemos cortar com o passado, mas o passado não corta connosco". É essa infinitude da vida das coisas da vida - discussões intermináveis e intemporais sobre o poder da dinâmica entre os homens e a sua necessidade de acreditar em Algo maior -, da alma e do tempo que está no cerne da convulsão interior que reside em “The Master”.
A própria profissão de Freddie como fotógrafo não é nem pode ser vista como arbitrária. A fotografia é o “congelar” de um momento fisicamente inacessível, um lugar onde o passado existe para ser observado mas nunca tocado, ou revivido, uma noção que acompanha particularmente bem com as noções de lembrança, sonho e acesso ao passado discutidas.
No limite, até a escolha de filmar em 65 mm (depois exibido em 70 mm) por Paul Thomas Anderson pode ser considerada em análise, se pensarmos no confronto entre o analógico e o digital. Enquanto o digital permite a gravação de momentos e rápido visionamento, formatação e reutilização, o mesmo não sucede com o analógico, ou neste caso, com os 70 mm, onde a impressão é permanente, não reutilizável e inapagável. Os traumas de Freddie são analógicos, indeléveis, ainda que o seu desejo de renovação seja constante.
Um segundo visionamento beneficia a experiência e equilibra em pratos mais bem calibrados a primeira metade, imensamente estimulante e entusiasmante, e a segunda, mais enigmática e complexa e consequentemente, mais distanciada - servindo o primeiro visionamento para o equivalente a observar e apreciar uma bela obra de arte e ser-se intrigado pela mesma, e o segundo para encorajar mais interpretação, reflexão, discussão e, quem sabe, um terceiro visionamento.
O que não precisa de ser visto mais de uma vez para gerar certezas é o calibre das interpretações dos principais peões em jogo.
Como Freddie, Joaquin Phoenix é assustadoramente poderoso, alternando entre os disparos raivosos e a tristeza abaladora com uma energia descontrolada que o torna apavorante, ainda que revigoradamente relacionável com uma parte recôndita e obscura do nosso ser.
A fabulosa interpretação de Phillip Seymour Hoffman é assemelhada em toda a natureza a um vulcão. A aparência plácida e ponderada é sempre passiva de ser substituída por uma explosão inesperada.
Em separado, são magníficos; mas juntos são uma força da natureza complementada, encaixando cada recanto com uma perfeição tão dinâmica e magnética como nenhum par conseguiu este ano. O confronto de ambos só encontra paralelo na eternal contenda entre o id e o superego: de um lado a besta indomável, de outro o treinador que aprecia a sua selvajaria, mas que anseia domá-la.
A personagem e performance de Amy Adams são comummente esquecidas, em detrimento de uma elaboração repetida sobre os feitos notáveis dos protagonistas masculinos, mas maior injustiça não poderia ser feita. A criação de uma mulher de natureza enganadoramente doce é notável, uma existência na sombra que é perturbadora em crescendo.
Tanto a fotografia de Mihai Malaimare Jr. (o primeiro trabalho de Anderson sem o seu diretor de fotografia habitual, Roger Elswit, que não pode participar por conflitos de agenda), como a banda sonora original de Jonny Greenwood estão entre as mais belas e distintas do ano.
Uma das dificuldades de “The Master” está, no entanto mas não só, ligada à ausência de um clímax claro e assumido, especialmente quando a última base de comparação é a sequência final convulsa e explosiva do seu último filme “There Will Be Blood”.
“The Master” desobedece ao processo de aproximação que se constata noutros títulos, potencialmente mais emocionais na experiência, menos crípticos na forma. De facto, o novo filme de Paul Thomas Anderson tem um quê de impenetrável, o que nem sempre jogará a seu favor. Apesar de uma reflexão única sobre o caráter e condição humana que apetece esgravatar, conhecer, sorver, é como pegar numa mão cheia de areia e ver os grãos escorrer entre os dedos, enquanto observamos imponentes o seu abandono do nosso controlo.
Paul Thomas Anderson não faz Cinema de significado claro, ou de configuração decifrável com a ajuda de uma qualquer enciclopédia interpretativa. Anderson faz Cinema quase interativo, onde o espectador é obrigado a dar algo de si, participar, espremer a laranja pelas próprias mãos. O grau de participação é, contudo, unicamente determinado por quem vê, e nesse sentido, "The Master" pode ser o que é à superficíe e nada mais, ou um infindável baú de interpretações que nunca serão certas ou erradas. Cada abordagem é tão válida como a outra.
Depois de dois visionamentos, o filme continua a ser um mistério para mim, mas mais um mistério que precisa de ser aceite, do que propriamente escarafunchado. É, afinal, muito sobre isso que reza “The Master”, sobre aquilo que não controlamos e/ou entendemos, mas que mesmo assim temos de aceitar em toda a sua complexidade.
Mas são mistérios subliminares como os seus que se demoram na nossa mente muito depois de abandonarmos a sala. Em retrospetiva, e tendo em conta a envergadura da carreira de Anderson, que encapsula clássicos modernos como “Boogie Nights”, “Magnolia” e “There Will Be Blood”, pode não ser um favorito óbvio e assumido os espectadores mais assíduos. Mas tal como o enredo e a própria filmografia de Anderson se preocupam em elaborar, só o tempo lhe poderá convir o lugar certo nas páginas da história.
É Cinema mercurial, para cativar e admirar, mais do que propriamente estabelecer uma ligação emocional com o espectador – tem uma abordagem austera, implacável, quase glaciar. Muito à imagem de Kubrick, por exemplo. É o sonho vivo e materializado do eterno estudante de Cinema, e uma adição meritória ao cânone formidável de Anderson sobre as falhas da natureza Humana.