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Este ano tomei uma péssima decisão. Ou melhor, ela impôs-se sobre mim: tive de ver os Oscars de ressaca.
O meu sábado foi assassino. Com três ou quatro horas de sono e um fígado estafado por várias horas a vestir uniforme de cruzado a combater uns infelizes shots de whisky no meu organismo, tentei manter-me alerta pela madrugada de domingo adentro, nem sempre com os resultados que esperava das minhas capacidades de resistência à sonolência, outrora tão firmemente edificadas para desespero dos meus pais e da minha irmã que tantas vezes me tentava adormecer.
De todo o modo, e com mais ou menos cabeçada para golo e cedência ao universo do Zé Pestana, lá assisti com pouco entusiasmo a uma cerimónia que nada fez para mudar aquele meu feeling de que a noite ia ser "meh".
Mas apesar deste abalroamento emocional perante o evento cinematográfico que mais me entusiasma anualmente, sem qualquer vergonha, e porque não precisam mesmo que eu replique a lista de vencedores pela 490572058603983ª vez na internet, resolvi, tal como no ano passado, organizar uma pequena cronologia de alguns dos melhores momentos da noite.
*** *** ***
Segundo a larga tradição, a noite começa com o desfile de beldades e atrocidades pela passadeira vermelha, e este ano não desiludiu no que respeita a looks surpreendentes, começando pelo modelito multifacetado para tarefas domésticas de Lady Gaga...
Ou as várias senhoras que se inspiraram em alimentos de várias ordens...
Contudo, a mais fascinante presença foi a de Chloe Grace Moretz no seu modelito "cama de casal"...
E que nos deixou na beira da cadeira a imaginar o que teria naqueles enormes bolsos de onde não tirava as mãos nem que lhe apontassem uma arma à nuca. Seria o lanche? Um animal indefeso? Provavelmente, nunca saberemos.
Mas todos sabemos passadeira vermeira não se faz apenas de maquilhagem e vestidos de gosto duvidoso; é também colorida por um desfile de vergonhas alheias que nos faz retorcer no sofá... como seja a beijoca que John Travolta distribui aleatoriamente
Ou esta extremamente desconfortável entrevista a Dakota Johnson e Melanie Griffith (a sua mãe) sobre "50 Shades of Grey"
Depois de 3 horas de conversa de circunstância, estava na hora de sair a correr para a cerimónia, e Oprah foi logo a primeira... (isto para não dizer que fugiu a sete pés de Lady Gaga, mas isso soava pior)
A Octavia já estava pronta, a topar tudo.
O Neil até arrancou bem...
... mas depois de uma abertura com direito a número músical de luxo que prometia muito... acabou a fazer piadas de induzir o vómito do género desta
Todavia, e mesmo assim, foi uma noite de emoções fortes para Oprah. Ela ficou com o coração a bater depressa... (pudera, com aquele decote asfixiador de seios...)
Ela teve um hi5 rejeitado pelo Common...
Ela ficou confusa...
E ela rejubilou.
E por falar nisto... lembram-se da performance da música do Lego Movie, "Everything is Awesome"?
Até o Batman apareceu... mas a questão que mais importa colocar é...
Que tipo de ácidos ou drogas pesadas terão estado envolvidos no planeamento desta apresentação....?
Mas vá, agora a sério: a melhor parte foi o fair-play e a simpática distribuição de estatuetas pela audiência...
O Steve Carell e o Channing Tatum tiveram direito a um...
E a Emma Stone ficou demasiadamente feliz com o seu
Mas sabem que é que não estava lá na única vez que decidiram distribuir prémios pela audiência...?
Exato.
Mas o Benedict fez-lhe o luto devido... com bezanas.
... que depois acabaram por surtir algum efeito no seu controlo de expressões faciais.
Ele não estava embriagado na verdade... mas sabem quem estava mesmo? O Terrence Howard.
A noite de ontem não foi apenas sobre prémios. Foi sobre atos de bondade... como aquela vez em que Lady Gaga limpou a cara do senhor barbudo ao seu lado...
E Kerry Washington...
E Jared Leto... mas ?%$#% esta gente lava-se?
E a propósito deste momento... foi bonito ver a consagração de Patricia Arquette ser abençoada pelo filho de Deus
E por Deus(a)
Ainda em matéria de discursos, gostava de recordar aquele que será talvez o mais badalado da noite. Estão recordados?
Pena que o John Travolta tenha levado isso tão à letra...
... quase ouvi crianças a cantar "let her go, let her goooo"
Mas vamos fazer justiça ao senhor Brilhantina. Não foi o único protagonista de momentos estranhos nesta noite.
Tivemos ainda a disputa fervorosa entre Nicole Kidman e Wes Anderson para decidir quem batia palmas de forma mais esquisita...
Podemos decidir um empate técnico?
Porreiro!
Tivemos também a sangrenta batalha de Michael Keaton com a pastilha que mascava furiosamente sempre que havia um Close-Up da sua cara...
Ele mostrou-lhe quem mandava.
A noite TODA.
Podia ter pedido umas dicas ao Ben... que sempre foi mais discreto.
Vamos dar-lhe o desconto... o tipo estava de discurso na mão quando o Eddie lhe "robou" o Oscar. A sério... foi como se ele estivesse na casa de banho, de calças em baixo, e lhe abrissem a porta para o mundo ver.
O que importa é o espetáculo, e o Birdman até foi contente para casa.
E o Eddie deve ter andado a comer barras de açúcar embebidas em leite condensado e pepitas para estar nesta excitação... mas é enternecedor.
No final, o NPH perguntou ao David Oyelowo como foi a cerimónia e ele foi honesto...
... mas não tanto como o Robert Duvall.
E no fundo é isto... até para o ano!
Isto já nem vem com pretensões de notícia, já que a coisa se deu na madrugada de domingo e já vamos na terça-feira, mas mais como uma anotação pessoal e um registo de detalhes importantes para a Awards Season em geral.
Como tal, no passado domingo ficaram a ser conhecidos os vencedores dos Golden Globes, versão 2015, respetiva ao Cinema (e televisão) de 2014.
Entre as notas importantes:
- Surpreendentemente sem qualquer nomeação à partida: UNBROKEN de Angelina Jolie e AMERICAN SNIPER de Clint Eastwood;
- INTERSTELLAR só indicado em Melhor Banda Sonora;
- Timothy Spall viu a sua performance como MR. TURNER não reconhecida pela HFPA, bem como Marion Cotillard pela sua interpretação no belga DEUX JOURS, UNE NUIT;
- BOYHOOD cimenta o estatuto de favorito e "inimigo a abater" por todos os outros concorrentes;
- GRAND BUDAPEST HOTEL leva a melhor sobre BIRDMAN na categoria de Melhor Filme de Comédia ou Musical;
- LEVIATHAN (Rússia) bate o favorito IDA (Polónia) na corrida de Melhor Filme Estrangeiro;
- HOW TO TRAIN YOUR DRAGON 2 é considerado o Melho Filme de Animação, em detrimento de THE LEGO MOVIE.
Posto isto, vamos à lista completa de vencedores:
MELHOR FILME (DRAMA)
Boyhood
MELHOR REALIZADOR
Richard Linklater – Boyhood
MELHOR ATRIZ (DRAMA)
Julianne Moore – Still Alice
MELHOR ATOR (DRAMA)
Eddie Redmayne – Theory of Everyting
MELHOR FILME (COMÉDIA OU MUSICAL)
The Grand Budapest Hotel
MELHOR ATRIZ (COMÉDIA OU MUSICAL)
Amy Adams – Big Eyes
MELHOR ATOR (COMÉDIA OU MUSICAL)
Michael Keaton – Birdman
MELHOR ATRIZ SECUNDÁRIA
Patricia Arquette – Boyhood
MELHOR ATOR SECUNDÁRIO
J.K Simmons – Whiplash
MELHOR FILME DE ANIMAÇÃO
How To Train Your Dragon 2
MELHOR BANDA SONORA ORIGINAL
Johann Johannsson – The Theory of Everything
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL
“Glory” (Selma)
MELHOR ARGUMENTO
Alejandro González Iñárritu, Nicolás Giacobone, Alexander Dinelaris, Armando Bo – Birdman
MELHOR FILME ESTRANGEIRO
Leviathan (Rússia)
A lista completa de nomeados originais aos Golden Globes 2015 pode ser consultada por aqui.
"The moment seizes us"
Se a vida é uma série de momentos, de recomeços, de escolhas e de compromissos, então BOYHOOD é um magnificente e humilde tributo a tal vida.
Escrito e realizado por Richard Linklater, o ambicioso projeto levou o ávido realizador a filmar uma história ao longo de 12 anos (traduzidos em 45 dias de filmagem), e que nos permitiu assistir ao crescimento figurativo e literal do seu protagonista Ellar Coltrane à frente dos nossos olhos – inspirando-se, quem sabe, no génio de François Truffaut quando decidiu acompanhar a vida de Antoine Doinel ao longo de cinco filmes.
No caso de Linklater, começou a filmar o jovem ator com apenas 6 anos e terminou quando este tinha acabado de completar os 18. Todos os anos, gravava cerca de 15 minutos de filme, montando e compilando pelo caminho. Tudo se junta, numa miscelânea de momentos com alma de álbum fotográfico de uma forma que é difícil de descrever. O efeito é absolutamente esmagador na sua simplicidade.
Entre 2002 e 2014 seguimos a vida do jovem Mason e a sua família, que inclui a impertinente irmã mais velha e o par de pais divorciados, à medida que crescem nos enormes mas (cinematograficamente) tão raros desafios quotidianos e nas diferentes casas que tornam suas, ano após ano.
Com lealdade aos factos, BOYHOOD é um drama ficcionado e narrativo, mas desenrola-se com a verdade pungente de um documentário. Uma obra-de-arte na acumulação de detalhes, e um fascinante exercício no ato de mostrar em vez de contar. O homem que se especializou no formato das “histórias passadas num único dia” alonga os limites do seu engenho para criar algo único e sem precedentes, tanto para a audiência como para si mesmo.
É a soma de uma carreira singular, a culminação de tudo o que tentou alcançar, fundindo a sensibilidade independente e livre que emprestou às suas primordiais odisseias diárias dedicadas ao caos organizado da juventude (SLACKER e DAZED AND CONFUSED) à precisão da reflexão e da exposição verbal tão elegantemente exercitada na trilogia BEFORE SUNRISE/SUNSET/MIDNIGHT, numa poderosa evocação simultânea do que significa pertencer a uma família e crescer, edificando a cada passo uma pequena parte daquilo que virá a ser a nossa identidade. Todavia, não é apenas um estudo sobre a infância e o desenvolvimento humano, mas também dos rigores e vicissitudes da vida adulta.
Mas BOYHOOD não é uma experiência valerosa apenas pela sua natureza estrutural e de produção inovadora – o que aqui temos é também um baú de riqueza cultural inestimável para a geração que cresceu durante o séc. XXI, marcando-se a passagem do tempo com as respetivas deixas temáticas e temporais para nos guiarem subconscientemente: quezílias políticas nas presidências de Bush e Obama, tecnologias primitivas que se transformam em experiências de alta-definição, modas culturais e canções em voga, tudo tão marcado e essencial como o amadurecimento facial e desenvolvimento de cortes de cabelo do elenco. Estas referências não funcionam como um dispositivo de nostalgia barata, mas compõem um ambiente – e não somos nós o produto do nosso ambiente?
É dolorosamente fácil descartar BOYHOOD, como um filme simplista, sem um propósito particular ou uma conclusão épica, como que em modo fast-food, pronta a deslindar o nosso lugar no mundo, tanto como seres individuais, como pertencentes a uma realidade social.
Mas a crua verdade é que a vida – a nossa vida - não se resume a epifanias no topo de uma montanha com a banda sonora perfeita, ou a uma frase floreada criada para tatuar no corpo. A vida é uma série de desafios quotidianos, ao longo dos quais crescemos e aprendemos, apenas para descobrir que há por aí muito mais do que poderíamos imaginar. Momentos impactantes ou não, que ora nos confundem, ora nos asseguram que este é o nosso lugar.
A vida não é os enredos de Hollywood, ou as letras delirantes de uma banda indie, ou as linhas embriagadas de sonho de um qualquer bestseller. A vida é o primeiro dia de escola. O corte de cabelo que nos envergonha. A discussão matinal com a mãe. As regras chatas do pai. A irritação dos irmãos. As manhas para faltar à escola. A canção do Verão. A festa secreta com os amigos. A cerveja clandestina. As experiências proibidas. As conversas de circunstância. As batatas fritas no bowling. Os concertos com os amigos. As férias com a família. O primeiro amor. A aventura da universidade. O primeiro emprego. O entusiasmo. O aborrecimento. A dúvida. A certeza. A nova dúvida. O começo. O recomeço.
E a vida – a nossa vida – está escarrapachada em BOYHOOD.
9.5/10
Falarei muito brevemente sobre o que achei do fantástico BOYHOOD, de Richard Linklater... mas até lá, e particularmente para quem já assistiu: