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Foi com uma expectativa entusiasmada mas intrigada que em abril de 2012 fizemos check-in n’ O Exótico Hotel Marigold, um albergue para idosos, perdido entre a frenética paisagem indiana de mercados de rua amontoados à volta de pequenos trilhos onde abundam lambretas barulhentas e atarefados tuk-tuks tão velozes e descuidados que parecem ter tendências assassinas. O cheiro das especiarias, o toque dos tapetes e o pó levantado pelas crianças que correm atrás de uma bola quase eram capazes de passar para o nosso lado do ecrã, e subitamente estávamos no único sítio onde queríamos estar: perdidos num cenário idílico para os corações aventureiros.
É curioso pensar que apenas uma semana depois, os Avengers da Marvel montaram acampamento nas salas portuguesas para resgatar o mundo fictício de mãos tiranas e lançar para o infinito da rentabilidade Hollywodesca mais um dos seus produtos de universo alternativo, quando por outro lado, eram estes super-heróis seniores que continuavam a salvar “a vida da nossa vida” com lições básicas de partilha, redescoberta e amor.
Foi assim que conhecemos e nos afeiçoámos à sonhadora Evelyn de Judi Dench, ao ternamente desajeitado Douglas de Bill Nighy, ao malandro Norman de Ronald Pickup, à ávida Madge de Celia Imrie e claro, à resmungona incontornável Muriel de Maggie Smith, todos liderados pelo espírito trapalhão mas maior que a vida do gerente do Hotel, Sonny de Dev Patel.
O regresso não era necessário ou expectável. Afinal, aquela primeira estadia foi o equivalente ao inexplicável conforto de uma manta a acompanhar um filme de Domingo. Mas um dia vimo-nos com bilhete e nova estadia marcada, e THE SECOND BEST EXOTIC MARIGOLD HOTEL é, por ventura, o extra de uma chávena de chá com biscoitos que faltava à nossa tarde de aconchego.
Os vários dilemas morais e amorosos de cada hóspede equilibram-se, nesta segunda viagem, na expansão do sonho de Sonny que, desta vez, está a ocupar-lhe mais tempo do que ele tem disponível, tendo em conta que está prestes a casar com o amor da sua vida, Sunaina (Tina Desai). Sonny está de olho numa promissora propriedade agora que a sua primeira aventura, o exótico Hotel Marigold para pessoas idosas e bonitas, tem apenas um quarto disponível quando estão para chegar mais dois hóspedes: Guy (Richard Gere) e Lavinia (Tamsin Greig).
John Madden volta a por a mão na massa numa comédia simpática que tem algo a dizer sobre a posição subvalorizada da população idosa na nossa sociedade, e THE SECOND BEST EXOTIC MARIGOLD HOTEL não só continua a demonstrar um enorme carinho e respeito pela cultura indiana como a atitude de apaixonante irreverência dos seus protagonistas prossegue triunfando sobre a fórmula gasta de um sentimentalismo de pé pesado e os previsíveis “finalmentes”.
É bastante óbvio que a razão da materialização do regresso é narrativamente desnecessária, cínica e monetariamente movida, mas não é por isso que o gangue sénior deixa de espalhar positivismo, humor e sabedoria incisiva. Todas as semanas, sequelas, remakes e reboots inundam os cinemas… mas é raro e estupendamente agradável que uma comédia romântica britânica liderada por septuagenários se encontre nestas andanças.
O elenco superlativo é encantador sem grande esforço, e é realmente difícil alimentar grande hostilidade perante um veículo tão delicioso para bombear talento da realeza britânica – como antes de si fizeram, por exemplo, Harry Potter e Downton Abbey.
Mesmo sem a frescura ou sentido de descoberta do original, não há nada de errado com o desejo de regresso à comfort food para a alma ou a um filme que segue sem pretensões de mudar a indústria.
Às vezes o regresso a um amor antigo é o suficiente para nos fazer renascer.
7.0/10
"We shall not cease from exploration
And the end of all our exploring
Will be to arrive where we started
And know the place for the first time"
Partindo de uma premissa afetada e promitente de um filme disposto a tudo para cair no goto da crítica e da audiência no timing perfeito da awards season, “Philomena” reserva-se, afinal, como um excelente exemplar do pedigree inimitável do cinema britânico.
Martin Sixmith acabou de perder o seu emprego como Diretor de Comunicações do Partido Trabalhista por algo que nunca disse quando é abordado por Jane, uma empregada de catering num cocktail que o ouviu falar sobre a possibilidade de regressar ao jornalismo. A história que Jane lhe traz é a de um segredo de 50 anos guardado pela mãe – Philomena – que foi forçada a dar o seu primeiro filho para adoção às freiras ao convento de Roscrea, depois de uma gravidez inesperada – e, aos olhos da religião, pecaminosa - no seio da juventude. Negando-se a cobrir e explorar a história, Martin é, todavia, convencido quando uma editora o convence do potencial “interesse humano” da mesma, partindo com a devota irlandesa numa jornada de descoberta inesquecível para ambos.
Stephen Frears, cuja filmografia encapsula clássicos como “Dangerous Liaisons” (1988), “High Fidelity” (2000) e “The Queen” (2006), surge aqui em grande forma aos 72 anos, explorando com grande sucesso a peculiar dinâmica de um par inesperado a partir da investigação de fundo da funesta vida de Philomena e do seu filho perdido.
A partir de um inteligente argumento de Jeff Pope e Steve Coogan (que também produziu e coprotagonizou), e que por sua vez se baseia no livro “The Lost Child of Philomena” de Martin Sixmith, Frears consegue construir um filme relativamente simples em termos de forma, mas irrepreensivelmente subtil no tratamento dos acontecimentos trágicos e da consequente redenção, mantendo a recompensa emocional que poderíamos esperar de um filme do género acompanhada de alguns twists interessantes pelo caminho.
Não é, obviamente, uma revolucionária incursão experimental na arte do cinema, e há que reconhecer uma tentativa um pouco forçada do enquadramento na tradição dos dramas britânicos com pequenos apontamentos cómicos… mas “Philomena” é, no geral, muito bem conseguido – emocional e comovente sem ser choramingas ou piroso.
Dando espaço às nuances e ambiguidades, é, na realidade, um filme bastante sofisticado, particularmente na vertente crítica que ajuíza a homofobia dos Estados Unidos dos anos 80 e o comportamento da Igreja Católica sem, no entanto, se privar de, no mesmo plano, louvar os valores da fé e da força do perdão.
Se necessitávamos de mais uma razão para idolatrar Judi Dench – uma das grandes Damas e performers do cinema contemporâneo britânico – o filme de Frears não se coíbe de dar um passo em frente para aumentar a lista de argumentos. Com material que lhe permite demonstrar um alcance de possibilidades artísticas apenas atingido por atores que podemos contar pelos dedos, Dench pesa eloquentemente a ternura e o pragmatismo numa performance inesquecível e transportadora de uma tristeza quase incomportável.
Mas é impossível falar de “Philomena” sem também referir o fantástico apoio secundário de Steve Coogan, que ainda que se demonstre algo limitado nas sequências mais dramáticas (em sua defesa, nunca é justo ser posto em pé de igualdade com Dench), é perfeitamente adequado como o inicialmente irascível jornalista que lentamente se deixa consumir pela silenciosa força da natureza que é a mulher que acompanha.
É uma viagem agridoce, e uma história pessoal que ressoa temas abrangentes que dizem respeito a todos nós. Vai rir, zangar-se, sorrir e chorar, não necessariamente por esta ordem. E avançamos já que, o mais surpreendente é que às vezes vai fazer tudo ao mesmo tempo.
7.5/10