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[artigo originalmente publicado na Magazine.HD]
E antes de colocar um ponto final na sequência de artigos sobre a Mulher enquanto heroína de ação, abordando o tema do Legado e da importância específica da personagem de Furiosa em "Mad Max: Fury Road", aproveito para revisitar algumas das outras grandes heroínas do Cinema de ação do séc. XXI, sem ordem específica e claro... ficarão certamente muitas outras por destacar.
Às mulheres guerreiras!
THE BRIDE [in “Kill Bill”, 2003/2004]
Possivelmente, é o facto de ser uma mulher que torna a Noiva numa heroína tão interessante em “Kill Bill”. Alvejada, espancada e violada, Beatrix Kiddo acorda de um coma de quatro anos em puro estado de cólera. A sua icónica jornada de sangue, punição e vingança tornou-se objeto de culto praticamente a partir do momento de estreia.
HIT GIRL [in “Kick-Ass”, 2010/2013]
Foi criada pelo pai para ser uma vigilante da justiça ainda que mantenha as feições encantadoras da girl-next-door. Não se deixem enganar, porque a heroína de Chloe Grace Moretz que mantém uma íntima afinidade com lâminas avia mais maus da fita do que qualquer outro coprotagonista de Kick-Ass.
YU SHU LIEN [in “Crouching Tiger, Hidden Dragon”, 2000]
A escolha de Yu Shu Lien incorre numa pequena infração na lista – em rigor, “O Tigre e o Dragão” é um filme realizado ainda no séc. XX apesar de ter sido estreado em muitos países no início do séc. XXI (ano de 2001), mas a imponência da personagem de Michelle Yeoh (a própria atriz é um ícone da ação feminina tendo feito sombra a Jet Li, Jackie Chan e ao fictício James Bond e é demasiada para ignorar. Shu Lien é a epítome da mulher guerreira e exemplifica na perfeição o pináculo da força física e mental.
LARA CROFT [in “Tomb Raider”, 2001-2003]
É contestável dizer que Lara Croft terá sido o mais bem conseguido veículo de cinema de ação na eclética galeria de personagens trazidas à vida por Angelina Jolie (onde se contam a mortífera Fox de “Wanted” ou a engenhosa Evelyn Salt de “Salt”), mas é indiscutível a importância que a adaptação do videojogo “Tomb Raider” teve para a reanimação da noção da mulher como estrela de ação. Numa espécie de versão feminina mais cool, atlética e sensual de Indiana Jones, Lara Croft foi um icónico farol de inspiração para toda uma geração de heroínas que surgiram posteriormente.
KATNISS EVERDEEN [in “Hunger Games”, 2012-2016]
Katniss Everdeen pode não ser a heroína mais bem construída da história do cinema mas é, definitivamente, a grande estrela de ação feminina desta Era. Com apelo e engenho que desafiam as convenções, a personagem interpretada por Jennifer Lawrence começa por ser uma mulher em busca da sobrevivência para se vir a tornar um símbolo da Revolução (mesmo que contra a sua vontade). Mas são as habilidades com o arco e flecha, a inquebrável coragem e o incorruptível amor pelos seus que lhe dão entrada direta para o nosso top.
EVELYN SALT [in “Salt”, 2010]
O protagonista de “Salt” foi originalmente escrito para Tom Cruise mas posteriormente alterado para garantir que seria Angelina Jolie a dar vida à então espiã em fuga. O enredo previsível torna-o um thriller relativamente banal, mas Jolie é uma força da natureza enquanto elimina eficazmente soldados dos serviços secretos aos magotes, salva os EUA da destruição e ainda tenta descobrir a verdade sobre si mesma.
MOON [in “Hero”, 2002]
A notabilidade de Ziyi Zhang montou-se a partir de “Crouching Tiger, Hidden Dragon” onde viveu a rebelde filha de um governador rico que se treinou em artes marciais. No entanto, e porque também já falamos de Michelle Yeoh, resolvemos eleva-la por “Hero” onde interpreta a corajosa Moon, uma lutadora apaixonada, determinada e preparada a lutar até à última instância.
ALICE [in “Resident Evil”, 2002-2016]
As adaptações de videojogos para o cinema não têm tido uma carreira particularmente feliz – isto se quisermos mesmo entrar na simpatia de lhe chamar “carreira”. No entanto, uma das entradas de maior sucesso do género foi inequivocamente a de “Resident Evil”, que coloca Milla Jovovich naquele que parece ser um caminho interminável de zombies para abater.
HERMIONE GRANGER [in “Harry Potter”, 2001-2011]
A figura central da saga “Harry Potter” bem pode ter sido permanentemente habitada pelo rapaz que sobreviveu, mas é pouco provável que o jovem feiticeiro tivesse ido além do primeiro episódio sem a preciosa ajuda de uma das suas melhores amigas: a menina-prodígio, Hermione Granger. É inteligente, capaz, audaz e, em boa verdade, mais bem equipada que o protagonista. A justiça que fazem à escrita de uma grande personagem feminina tanto nos livros como nos filmes é notável.
CHERRY DARLING [in “Planet Terror”, 2007]
A fabulosa homenagem em forma de paródia aos filmes de terror da década de 1970 que é o double feature “Grindhouse” é uma vitrine de mulheres cheias de si, de feminilidade e sobretudo, de vontade de chegar a roupa ao pelo a quem se meter com elas. E enquanto a perseguição a Stuntman Mike é um clímax delicioso para as mulheres de “Death Proof”, era impossível manter a icónica Cherry Darling fora da nossa lista. Afinal, ninguém tem uma metralhadora como perna. Enough said.
SELENE [in “Underworld”, 2003-2012]
Com a família assassinada por um grupo de malvados lobisomens, é compreensível que a bela Selene – transformada em vampira pelo “padrasto” – tenha umas quantas vinganças para resolver. E numa era em que a mitologia vampiresca é tão maltratada, é revigorante ver uma saga (mesmo que bastante imperfeita) liderada por uma mulher forte com um arsenal de artilharia moderna para tentar refrescar o género.
ELIZABETH SHAW [in “Prometheus”, 2012]
O legado que pretende preencher não é justo: ninguém seria capaz de “substituir” a Ellen Ripley de Sigourney Weaver em qualquer situação que fosse, no franchise “Alien”, mas sendo “Prometheus” uma besta que existe por si mesma (ainda que claramente conectada à tetralogia original), a Elizabeth Shaw de Noomi Rapace não se deixa passar vergonha – ela que já nos tinha provado de que fibra era feita como a inolvidável Lisbeth Salander na adaptação cinematográfica sueca da trilogia “Millenium”. Além de fazer parte de uma equipa de elite de exploração de um planeta longínquo, é a protagonista de uma cenas de primeiros socorros mais violentas da história do Cinema.
[artigo originalmente publicado na Magazine.HD]
[artigo originalmente escrito para a Vogue.pt]
1. O LEGADO
Quando “Mad Max: Fury Road” chegou às salas de cinema de todo o mundo, duas coisas ficaram claras: primeiro, George Miller tinha não só feito um glorioso update da saga que criou há mais de 30 anos, como concebeu um dos maiores (e melhores) filmes de ação dos nossos tempos; segundo, e possivelmente ainda mais surpreendentemente… não tinha tornado Max o seu protagonista.
É que, não obstante ser ele a dar o título ao filme, o corpo aos posters e a voz aos trailers, é Furiosa, a imponente Imperator de Charlize Theron, a inequívoca heroína de um filme que carrega uma poderosa mensagem, não feminista, mas pró-feminina - e sobre a influência particular da fabulosa personagem de Theron na perspetiva futura da Heroína feminina no Cinema, falarei ainda esta semana, noutro artigo.
Todavia, não é segredo para ninguém que a indústria cinematográfica continua a ser profundamente sexista, intoxicada por disparidades escandalosas que vão desde o tratamento das personagens à própria dinâmica económica e financeira da indústria.
Mergulhemos nos factos: dos dez atores mais bem pagos em 2014 apenas duas são mulheres – Sandra Bullock (51 milhões de dólares) e Jennifer Lawrence (34 milhões de dólares). E se Bullock foi um caso pontual e fora de série por culpa do fenómeno global que foi “Gravidade”, apenas Lawrence pode ser considerada uma presença feminina consolidada, ocupando o décimo lugar numa lista encabeçada pelo ícone de Robert Downey Jr. Que lhe rendeu uns pornográficos 75 milhões de dólares – mais do dobro de Lawrence.
O facto mais curioso quando resolvemos cruzar alguns dados é que, na verdade, a estrela mais rentável de 2014 foi… uma mulher – entre o terceiro capítulo da saga “Hunger Games” e o mais recente filme de “X-Men”, Lawrence foi quem mais rendeu na bilheteira em 2014, seguida de Chris Pratt e, que surpresa, outra mulher, Scarlett Johansson.
É, no entanto, virtualmente impossível fazer boas omeletes sem ovos, e as oportunidades para blockbusters ou grandes produções protagonizadas por mulheres são profundamente escassas. Mantendo-nos ainda no ano de 2014, podemos constatar que dos 10 filmes mais rentáveis do ano, apenas dois são protagonizados por mulheres – “Maleficent” com Angelina Jolie e “The Hunger Games: Mockingjay – Part 1” com Jennifer Lawrence. E esta não é, de todo, uma má proporção – basta recordar que poucos mais foram sequer produzidos nesse ano - “Divergent” e “Lucy” devem, praticamente, fechar a lista se nos cingirmos apenas a cinema sci-fi/ação.
Esta não é, portanto, uma indicação de que a heroína de ação é, para Hollywood ou o Cinema em geral, uma maçã podre destinada a resultados e rendimentos medíocres. Se constitui alguma conclusão é a de que a indústria que nos quer passar a imagem de cada vais mais cool e liberal continua retrógrada e obsoleta – porque chamá-la de convencional é um insulto. Quando a "convenção" é promover a disparidade e a morte das oportunidades, não pode nem deve ser invocada como tradição. Da mesma forma, exibir a mulher como uma entidade capaz de pensar, sentir e lutar não é feminismo, é igualdade.
Mas vamos às origens da Mulher como figura central de ação: as primeiras heroínas mainstream começaram a surgir ainda durante a Segunda Grande Guerra, era histórica que coincidiu com as mudanças sociais que introduziram a Mulher ao mercado de trabalho, ao voto e à possibilidade de, cada vez mais, procurar a igualdade perante o Homem.
Os anos 40 viram as primeiras super-heroínas surgir nas bandas-desenhadas, e a Wonder Woman foi, possivelmente, o primeiro exemplo universalmente mais notável. Apesar de ter sido um arranque necessário e esclarecido, foi aqui que começou também a ser seguida uma tendência generalizada que pareceu alimentar o ideal erróneo de que era preciso sexualizar estas guerreiras para as tornar interessantes e, quiçá até, menos ameaçadoras – é esta queda para a necessidade de decotes, roupa apertada ou ausência dela, que tem também contribuído para o atraso da emancipação da mulher como heroína pelas suas qualidades inerentes.
Nos Cinema o cenário foi ainda mais negro, e durante muitos anos o género de ação foi um autêntico buraco negro alimentado a testosterona. Os seus gloriosos anos 70 e 80 edificaram fortemente o estatuto “macho” daquele que é possivelmente o género mais sexista, dominado pelos Stallones, Van Dammes, Schwarzeneggers e Willis desta vida. E enquanto o seu legado adquiriu o justo estatuto de culto – continuando a bombear-se nas veias das reencarnações de estrelas de ação de Hoje – a heroína de ação feminina debatia-se por uma golfada de ar.
A resposta de uma contemporaneidade que tem vindo a tentar, em parte, combater esta disparidade pode encontrar-se na tradição dinâmica do cinema de terror – ao longo das décadas o género foi-se fortalecendo com cada vez mais protagonistas femininas, encorajando assim o público a identificar-se com “a última sobrevivente” ou a “derradeira guerreira” em face da ameaça.
O cinema de ação, em particular, tem-se tentado embutir desta realidade, ainda que de uma forma mais gradual e menos marcada – primeiro e em muitas instâncias com personagens secundárias femininas complexas e multidimensionais que fugiram ao estatuto de “donzelas em perigo”, e posteriormente, e em doses mais controladas, em protagonistas completamente estruturadas, com uma história própria e capacidades físicas, emocionais, e psicossociais até aí só atribuídas a personagens masculinos.
E enquanto ícones como “Barbarella” (1968) são cotados como fortes influências icónicas e primeiras manifestações do heroísmo feminino em larga escala, talvez nenhuma outra retenha o estatuto de “heroína original” numa grande produção de indústria como a inolvidável Ellen Ripley, interpretada por Sigourney Weaver na saga “Alien”.
Ripley abriu caminho a mulheres de ação intrincadas, multifacetadas, vulneráveis mas duras, humanas mas implacáveis. E parte da vitória da personagem e do próprio franchise passou por não tornar Ripley apenas uma versão feminina de um “homem rijo”, mas reconhecer-lhe e exaltar-lhe as características que são tão inerentes à condição de mulher.
Foi esta criação e diferenciação que, em parte, despoletou o sentido de maternidade de Sarah Connor (“Terminator 2”), o sentimento de proteção de Katniss Everdeen (“The Hunger Games”), o desejo de vingança de Bellatrix Kiddo (“Kill Bill”), a procura de redenção de Furiosa (“Mad Max”), e as jornadas de muitas outras mulheres que ainda temos por conhecer no grande ecrã.
Com um avanço lento mas que parece cada vez mais consistente, e mesmo com as ainda atuais disparidades mais várias, a figura da mulher como estrela de ação começa a surgir de uma forma sólida e cada vez mais orgânica.
Todavia, e em jeito de conclusão, a verdade mais absoluta sobre Hollywood ou a indústria cinematográfica em geral é que, não obstante agendas políticas, sexistas ou outras, ela responde primariamente a um instinto: replicar o que faz dinheiro. Se o público responder positivamente à estrela de ação feminina, a sua presença vai ser cada vez mais constante e robusta.
Pelo que esta é também, e talvez sobretudo, uma luta e um dever nossos. De mulheres e de homens que querem mais diversidade, que anseiam por mais histórias complexas, mais protagonistas heróis e anti-heróis que valem a pena.
Mas sobretudo de homens e mulheres que procuram um mundo onde artigos como este simplesmente não precisam de existir.
[artigo originalmente escrito para a Vogue.pt]
"Remember who the real enemy is"
Uma sequela pode provar-se terreno movediço e mortífero para um aspirante a saga de sucesso. Normalmente seguindo um título de sucesso, a sequela tem de lidar com expectativas elevadas e a possibilidade de explorar um universo que, no primeiro filme, beneficiou do fator novidade e estabeleceu firmemente a sua relação com a audiência.
Por cada “The Godfather2”, “The Dark Knight” ou “The Empire Strikes Back” existe um sem-número de segundos episódios que essencialmente se revestem de uma produção claramente mais dispendiosa e se focam em repetir aquilo que apaixonou as audiências no primeiro filme, colocando de parte a possibilidade de expansão e aumento de profundidade do universo do seu predecessor.
“The Hunger Games: Catching Fire” enfrenta todos estes (e outros) obstáculos com sucesso.
Katniss e Peeta regressam a casa em segurança após terem vencido a 74ª Edição dos Jogos da Fome. Mas em Panem, ganhar também significa perder, e os dois guerreiros terão que dar meia volta e deixar as suas famílias e amigos para embarcar no Tour da Vitória através dos 12 distritos. À medida que atravessam o território, Katniss apercebe-se que uma onda de rebelião está a nascer e a crescer, mas o Presidente Snow ainda mantém um controlo total e absoluto sob o Capitólio, enquanto organiza uma nova e especial edição Jogos da Fome onde, quais Olimpíadas, apenas os melhores entre os melhores se defrontam. Esta competição irá mudar Panem para sempre.
Se o primeiro filme (e a saga literária) sofreu com os comentários que o arrumaram na prateleira da miscelânea do “Battle Royale + Twilight + Big Brother”, a sequela consegue crescer e emergir, mostrando porque é que “The Hunger Games” é, possivelmente, a saga blockbuster mais entusiasmante que se desenrola atualmente no circuito mainstream.
De um modo geral, aqui tudo é maior e melhor. Enquanto Gary Ross fez um bom trabalho (ainda que irregular) a edificar a base do mundo cinematográfico baseado na literatura de Suzanne Collins, a sequela beneficia enormemente de um orçamento praticamente duplicado (de 78 para 130 milhões de dólares) mas especialmente da experiência de Francis Lawrence em filmes de ação e da sua sensibilidade dramática que eleva, inclusive, o conteúdo literário - que, em virtude de ser dirigido a um público juvenil, acaba por ser mais ligeiro.
A narrativa de “Catching Fire” é adaptada por Simon Beaufoy (“Slumdog Millionaire” e “127 Hours”) e Michael deBruyn (“Toy Story 3” e “Little Miss Sunshine”), removendo os fillers desnecessários e demonstrando uma capacidade excecional fazer a justaposição entre a decadência e a brutalidade, com a continuação da exploração do culto da celebridade e da lógica Big Brother, a decrepitude da (a)moralidade, a desigualdade de classes, a propaganda e políticas ditatoriais e a (ainda) pequena mas inextinguível chama da revolução.
A partir do motto “Lembra-te quem é o verdadeiro inimigo”, que não é nada ficcional se olharmos apenas para uma edição do telejornal diário, o foco na subversão e na maquinação da rebelião é especialmente patente na primeira metade do filme, onde os personagens usam vários mecanismos para desorganizar e anarquizar o sistema, como sejam a criação de Cinna ou os protestos de Peeta e Katniss nas provas de aptidões pré-Jogos. A exploração do ménage amoroso continua a ser, na verdade, a faceta mais fraca da série – especialmente pela falta de caracterização e possibilidade de investimento em Gale, e pela natureza submissa e nem sempre atrativa de Peeta, quando contrastados com a bola de fogo que é Katniss.
“Catching Fire” é, portanto e surpreendentemente, um épico íntimo onde os maiores conflitos são desenrolados em grandes planos expressivos ou sugestões brutais, ao invés de chacinas violentas. É intimidante combater primatas violentos, enfrentar nevoeiros venenosos e batalhar assassinos experientes, mas nada disto se compara ao terror puro de um espancamento em via pública ou o poder sedutor de uma ameaça talhada em meias palavras. No mínimo, é o que se pode considerar como uma forma bem arriscada e corajosa de filmar entretenimento blockbuster.
Tecnicamente, a sequela é um triunfo. Os efeitos visuais não guardam sequer comparação com os do original, enquanto os sets de Philip Messina estão em sincronia perfeita com a realidade distópica da história. O Capitólio parece menos um clone barato de uma cidade espacial para adquirir o ar requintado de uma espécie de versão futurística de “Paris meets Nova Iorque meets Oz”, decadente e industrializado. No guarda-roupa, a adição de Trish Summerville – que recentemente colaborou também em “The Girl with the Dragon Tattoo” – eleva a outro nível de invenção a realidade extravagante deste mundo alternativo.
Entre as queixas menores, além da pouca frescura estrutural (obviamente inescapável tendo em conta a base literária), mesmo com 146 minutos, existem algumas ideias e temas que acabam por ser pouco desenvolvidos, como o stress pós-traumático de Katniss ou o plano de Snow e Heavensbee de tornar a vida pública de Katniss e Peeta num perpétuo episódio das Kardashians.
No que respeita ao elenco, um dos grandes problemas de Twilight começou a aflorar quando os seus protagonistas se desinteressaram nos personagens que representavam, tendo, possivelmente, crescido além do seu alcance e demonstrando uma enorme dificuldade de identificação com eles. Esse era um medo que secretamente amedrontava muitos de nós no que concerne Jennifer Lawrence.
Num curto espaço de tempo, e entre os dois filmes, Lawrence tornou-se uma autêntica rock-star com um Óscar na algibeira. Mas ao contrário dos colegas de um franchise vizinho, Lawrence mostra-se mais dedicada que nunca, usando toda a experiência adquirida para mergulhar mais fundo na psique de Katniss. Ela incendeia o ecrã. A complexidade que passa pelos seus olhos é impressionante, para uma jovem mulher que, em vez de se preocupar com potenciais parceiros amorosos, tem todos os dias de lutar para sobreviver enquanto lenta e relutantemente se torna um símbolo revolucionário.
Josh Hutcherson, com mais carne onde afincar o dente, tem mais margem de manobra para Peeta do que no primeiro filme, acrescentando-lhe facetas que funcionam para aprofundar um pouco mais o personagem e estabelecer uma boa base para os desafiantes filmes que se seguem, no que a Peeta diz respeito – quem leu o livro saberá do que falamos, mas não nos compete estragar surpresas.
O elenco repetente tem muito mais para explorar desta feita: Donald Sutherland desenvolve ainda mais a frieza dos implacáveis olhos do Presidente Snow, Elizabeth Banks pode pela primeira vez expor um lado mais sensível de Effie e Stanley Tucci e Woody Harrelson continuam a retirar um gozo enorme das caricatas personas que têm a seu cargo.
Entre os novos elementos, reservamo-nos a destacar Sam Claflin que cozinha o seu Finnick Odair à medida com as doses certas de confiança, narcisismo e ambiguidade, a excentricidade terna de Amanda Plummer e Jeffrey Wright, a inteligência elétrica e a ferocidade de Jena Malone (que se arrisca a ter construído uma das personagens mais badass e adoradas da série) e por fim o incomparável Philip Seymour Hoffman, que em apenas meia dúzia de cenas como o novo Mestre dos Jogos traz uma calma magnética e esquiva ao papel, elevando inequivocamente o material ao nível seguinte.
O que torna “The Hunger Games” num fenómeno particularmente especial é que pode ser o que o espectador quiser – um épico de ação, um romance trágico, um thriller político ou uma reflexão social metafórica. Somos convidados a mergulhar num mar de metáforas se assim o desejarmos, ou apenas apreciar uma sólida peça de ação e entretenimento básicos.
Inesperadamente, e independentemente do complexo enredo opressivo e revolucionário, parece mesmo que o futuro se apresenta risonho para “The Hunger Games”. E quanto ao último episódio, que surgirá bipartido entre 2014 e 2015, parece que a sorte está mesmo destinada a estar do seu lado.
8.5/10