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"Popularity is the slutty cousin of prestige"
Mergulhar de cabeça em BIRDMAN é muito semelhante a desdobrar um infindável origami, que continua a abrir-se, sem fim à vista, em direções e combinações absolutamente inesperadas.
A história é enganadoramente simples: Riggan Thomson, uma antiga estrela de ação celebrizada por interpretar um super-herói há 20 anos, tenta reanimar a sua carreira ao encenar e protagonizar uma peça na Broadway. Contudo, todos e quaisquer obstáculos parecem jogar-se no caminho da noite de estreia.
Os corredores labirínticos do St. James Theater apertam-se cada vez mais em redor de Riggan, que se sente crescentemente assombrado pela voz do seu alter-ego, Birdman. A vida e a arte baralham-se, a câmara perpetua o movimento neurótico, enquanto a banda sonora latejante é pontuada por frenéticos batuques, o tempo destrói-se e o espaço aperta numa dança esquizofrénica que parece espelhar o estado mental do protagonista.
Todos os astros parecem alinhados para uma sarcástica comédia de backstage mas BIRDMAN é muito mais: é um estudo de personagem, um (meta) comentário à arte e entretenimento modernos, um ensaio sobre o ego da celebridade e os seguidores acéfalos, uma sessão de psicanálise, uma autópsia ao poder e ao prestígio, uma exploração sobre a profunda necessidade de criação artística, uma maravilha técnica que será examinada e esmiuçada durante anos, um espetáculo singular montado sob as bases de um dos melhores elencos do ano, e um conto surreal sobre um homem que procura desesperadamente a sua alma.
É imensamente divertido de um modo negro e mordaz, mas tal como os fumos e luzes do palco assombram toda a parada de Alejandro González Iñárritu, há aqui algo palpável, reconhecível mas quase inexplicável, maior do que a vida. Filmado como se de um impressionante, longo e corajoso plano-sequência se tratasse, BIRDMAN é uma autêntica explosão de ideias e visões que abraça a linguagem dos sonhos para expandir o conceito de storytelling.
Numa era onde um noticiário televisivo tem tanto artifício como os efeitos visuais de ponta de filmes de ficção científica dos anos 70, hoje, é nas instâncias onde a construção se torna invisível que nos perguntamos "que diabo… como fizeram aquilo??". Depois de o ter conquistado na agonizante sequência inicial de 12 minutos de GRAVITY, o diretor de fotografia Emmanuel Lubezki volta a fazê-lo, agora por toda a duração de BIRDMAN, arrastando o nosso olhar para onde quer que o foquemos, como um talentoso mágico faz com os seus truques de cartas. Contudo, esta artimanha não existe apenas para pasmar – as próprias quezílias do enredo debatem-se sobre estes temas: o artifício, aquilo que julgamos ver e aquilo que vemos na verdade, o público e o privado, o zeitgeist do entretenimento que não distingue o fim de ficção e o início da vida real.
As personagens que encontramos no caminho, desde o melhor amigo/produtor/advogado ao egocêntrico coprotagonista, são dispositivos que se organizam em pontiagudas observações satíricas – as caracterizações são exageradas para criar símbolos, e não pessoas passíveis de encontrarmos na rua.
Além de versar sobre um renascimento, BIRDMAN também proporciona um ao seu protagonista. Naquele que será o seu melhor desempenho na última década, Michael Keaton humaniza o desejo mordaz pela importância de Riggan, alternando entre o estado cómico e profundamente dramático ao longo de vários momentos na fita.
Também em destaque num veículo que pareceu feito para oferecer aos seus passageiros uma oportunidade de refrescar a carreira, Edward Norton e Emma Stone oferecem uma honestidade crua aos seus retratos de um ator egocêntrico com compromisso com a autenticidade máxima e de uma filha distante e perturbada, respetivamente.
Há uma loucura irresistível associada ao filme de Iñárritu, uma obra virtuosa, uma maravilha moderna que contradiz a aparente tendência moderna de colocar filmes em caixas de comédias, tragédias ou fantasias, que nos arrasta, atrelados a uma arte destemida que irradia uma emoção, energia, elegância e ego que são intoxicantes.
É como se o protagonista de INSIDE LLEWYN DAVIS tivesse sido transportado para o séc. XXI, onde o Twitter e o Facebook ditam as manchetes do dia, e tivesse escolhido a carreira de ator, logo depois de se embriagar num cocktail fatal de BLACK SWAN e SUNSET BOULEVARD.
Os fóruns de discussão, as mesas de café e os sofás de amigos de longa data serão alimentados sobre o deslindar cego dos significados de BIRDMAN, alguns absolutamente indecifráveis, como a dinâmica dos poderes telecinéticos de Riggan ou o misterioso final.
Mas não é parte do objetivo, esta natureza resvaladiça do artifício? É como tentar à força fazer um raio-X à mala de PULP FICTION (1994), ou traduzir o sussurro de Bill Murray a Scarlett Johansson em LOST IN TRANSLATION, ou despir de enigmas toda a odisseia no espaço de Stanley Kubrick.
Afinal, não é por acaso que BIRDMAN carrega um pequeno subtítulo: a inesperada virtude da ignorância.
8.5/10