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Deep Focus - A Mulher enquanto heroína de ação (III)

por Catarina d´Oliveira, em 04.06.15

[artigo originalmente publicado na Magazine.HD]

 

E antes de colocar um ponto final na sequência de artigos sobre a Mulher enquanto heroína de ação, abordando o tema do Legado e da importância específica da personagem de Furiosa em "Mad Max: Fury Road", aproveito para revisitar algumas das outras grandes heroínas do Cinema de ação do séc. XXI, sem ordem específica e claro... ficarão certamente muitas outras por destacar.

 

Às mulheres guerreiras!

 

 

THE BRIDE [in “Kill Bill”, 2003/2004]

bride

 

Possivelmente, é o facto de ser uma mulher que torna a Noiva numa heroína tão interessante em “Kill Bill”. Alvejada, espancada e violada, Beatrix Kiddo acorda de um coma de quatro anos em puro estado de cólera. A sua icónica jornada de sangue, punição e vingança tornou-se objeto de culto praticamente a partir do momento de estreia.

 

 

 

HIT GIRL [in “Kick-Ass”, 2010/2013]

 

hitgirl

 

Foi criada pelo pai para ser uma vigilante da justiça ainda que mantenha as feições encantadoras da girl-next-door. Não se deixem enganar, porque a heroína de Chloe Grace Moretz que mantém uma íntima afinidade com lâminas avia mais maus da fita do que qualquer outro coprotagonista de Kick-Ass.

 

 

 

YU SHU LIEN [inCrouching Tiger, Hidden Dragon”, 2000]

 

crouching

 

A escolha de Yu Shu Lien incorre numa pequena infração na lista – em rigor, “O Tigre e o Dragão” é um filme realizado ainda no séc. XX apesar de ter sido estreado em muitos países no início do séc. XXI (ano de 2001), mas a imponência da personagem de Michelle Yeoh (a própria atriz é um ícone da ação feminina tendo feito sombra a Jet Li, Jackie Chan e ao fictício James Bond e  é demasiada para ignorar. Shu Lien é a epítome da mulher guerreira e exemplifica na perfeição o pináculo da força física e mental.

 

 

 

LARA CROFT [in “Tomb Raider”, 2001-2003]

 

croft

 

É contestável dizer que Lara Croft terá sido o mais bem conseguido veículo de cinema de ação na eclética galeria de personagens trazidas à vida por Angelina Jolie (onde se contam a mortífera Fox de “Wanted” ou a engenhosa Evelyn Salt de “Salt”), mas é indiscutível a importância que a adaptação do videojogo “Tomb Raider” teve para a reanimação da noção da mulher como estrela de ação. Numa espécie de versão feminina mais cool, atlética e sensual de Indiana Jones, Lara Croft foi um icónico farol de inspiração para toda uma geração de heroínas que surgiram posteriormente.

 

 

 

KATNISS EVERDEEN [in “Hunger Games”, 2012-2016]

 

heroínas

 

Katniss Everdeen pode não ser a heroína mais bem construída da história do cinema mas é, definitivamente, a grande estrela de ação feminina desta Era. Com apelo e engenho que desafiam as convenções, a personagem interpretada por Jennifer Lawrence começa por ser uma mulher em busca da sobrevivência para se vir a tornar um símbolo da Revolução (mesmo que contra a sua vontade). Mas são as habilidades com o arco e flecha, a inquebrável coragem e o incorruptível amor pelos seus que lhe dão entrada direta para o nosso top.

 

 

 

 

EVELYN SALT [in “Salt”, 2010]

 

salt

 

O protagonista de “Salt” foi originalmente escrito para Tom Cruise mas posteriormente alterado para garantir que seria Angelina Jolie a dar vida à então espiã em fuga. O enredo previsível torna-o um thriller relativamente banal, mas Jolie é uma força da natureza enquanto elimina eficazmente soldados dos serviços secretos aos magotes, salva os EUA da destruição e ainda tenta descobrir a verdade sobre si mesma.

 

 

 

MOON [in “Hero”, 2002]

 

hero

 

A notabilidade de Ziyi Zhang montou-se a partir de “Crouching Tiger, Hidden Dragon” onde viveu a rebelde filha de um governador rico que se treinou em artes marciais. No entanto, e porque também já falamos de Michelle Yeoh, resolvemos eleva-la por “Hero” onde interpreta a corajosa Moon, uma lutadora apaixonada, determinada e preparada a lutar até à última instância.

 

 

 

ALICE [in “Resident Evil”, 2002-2016]

 

residentevil

 

As adaptações de videojogos para o cinema não têm tido uma carreira particularmente feliz – isto se quisermos mesmo entrar na simpatia de lhe chamar “carreira”. No entanto, uma das entradas de maior sucesso do género foi inequivocamente a de “Resident Evil”, que coloca Milla Jovovich naquele que parece ser um caminho interminável de zombies para abater.

 

 

 

HERMIONE GRANGER [in “Harry Potter”, 2001-2011]

 

hermione

 

A figura central da saga “Harry Potter” bem pode ter sido permanentemente habitada pelo rapaz que sobreviveu, mas é pouco provável que o jovem feiticeiro tivesse ido além do primeiro episódio sem a preciosa ajuda de uma das suas melhores amigas: a menina-prodígio, Hermione Granger. É inteligente, capaz, audaz e, em boa verdade, mais bem equipada que o protagonista. A justiça que fazem à escrita de uma grande personagem feminina tanto nos livros como nos filmes é notável.

 

 

 

 

CHERRY DARLING [in “Planet Terror”, 2007]

 

planetterror

 

A fabulosa homenagem em forma de paródia aos filmes de terror da década de 1970 que é o double feature “Grindhouse” é uma vitrine de mulheres cheias de si, de feminilidade e sobretudo, de vontade de chegar a roupa ao pelo a quem se meter com elas. E enquanto a perseguição a Stuntman Mike é um clímax delicioso para as mulheres de “Death Proof”, era impossível manter a icónica Cherry Darling fora da nossa lista. Afinal, ninguém tem uma metralhadora como perna. Enough said.

 

 

 

SELENE [in “Underworld”, 2003-2012]

 

underworld

 

Com a família assassinada por um grupo de malvados lobisomens, é compreensível que a bela Selene – transformada em vampira pelo “padrasto” – tenha umas quantas vinganças para resolver. E numa era em que a mitologia vampiresca é tão maltratada, é revigorante ver uma saga (mesmo que bastante imperfeita) liderada por uma mulher forte com um arsenal de artilharia moderna para tentar refrescar o género.

 

 

 

ELIZABETH SHAW [in “Prometheus”, 2012]

 

prometheus

 

O legado que pretende preencher não é justo: ninguém seria capaz de “substituir” a Ellen Ripley de Sigourney Weaver em qualquer situação que fosse, no franchise “Alien”, mas sendo “Prometheus” uma besta que existe por si mesma (ainda que claramente conectada à tetralogia original), a Elizabeth Shaw de Noomi Rapace não se deixa passar vergonha – ela que já nos tinha provado de que fibra era feita como a inolvidável Lisbeth Salander na adaptação cinematográfica sueca da trilogia “Millenium”. Além de fazer parte de uma equipa de elite de exploração de um planeta longínquo, é a protagonista de uma cenas de primeiros socorros mais violentas da história do Cinema.

 

 

[artigo originalmente publicado na Magazine.HD]

 

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Deep Focus - A Mulher enquanto heroína de ação (II)

por Catarina d´Oliveira, em 27.05.15

furiosa.png

 

 

2. FURIOSA

 

Ouvem-se cânticos de guerra pela Cidadela adentro. Os War Boys uivam de prazer em face da possibilidade da morte certa em honra da adoração cega de um líder misógino e terrorista. O deserto impenetrável que circunda este oásis de vida aparente parece uma poderosa analogia para o sexo ausente numa civilização dizimada.

 

Sob um comando autoritário e profundamente machista, as mulheres e crianças são meros elementos de exploração necessária para alimentar uma sociedade patriarcal em decadência.

 

“Quem matou o mundo?” – escreveram as últimas mulheres saudáveis. A resposta, no entanto, não é tão interessante de perseguir como a solução do problema apresentada por George Miller: voltar a colocar a Mulher, responsável por gerar vida, no centro dos comandos, em pé de igualdade com o Homem. E a líder da revolução não poderia ser uma melhor bandeira para a reivindicação de mais e melhores Mulheres no Cinema.

 

 

Exalando confiança e calma, é com passos seguros e firmes que a vemos surgir de cabeça rapada e com um braço mecânico a subir para uma máquina de combate artilhada. Senta-se aos comandos e com gordura e sujidade do motor, escurece a linha do olhar com pinturas de guerra.

 

Furiosa não é propriamente a heroína a que estamos habituados. Não é uma cara bonita com roupa de lycra a exaltar as curvas. Não é uma mulher que procura vingança por um crime hediondo. Não é resultado da incubação de uma assassina treinada.

 

Na verdade, Furiosa nasceu numa comunidade de mulheres e foi criada exclusivamente por elas. Ela existe para as mulheres e está aqui por causa delas. E tudo o que aprendeu – desde o mais inato sentido de raiva, à adquirida ferocidade – aprendeu de mulheres e/ou por ser uma mulher.

 

 

Saudável e capaz, é, no entanto, estéril, razão pela qual não foi tornada escrava sexual ou uma mera “ordenhadora” quando foi roubada e transferida para a Cidadela liderada pelo temível Immortan Joe, ainda na infância. O estatuto que adquiriu edificou-se exclusivamente a partir das suas capacidades.

 

A própria Charlize Theron admitiu que a possibilidade de vir a interpretar um daqueles suspiros vazios no universo macho de ação deixou-a assustada.

 

Lembro-me de ouvir dizer que o George Miller ia reimaginar este mundo e que ia criar uma personagem feminina que ia erguer-se ao mesmo nível que o Max. A princípio pensas sempre ‘isso é porreiro!’, mas depois vem o ceticismo. ‘Já ouvi esta história e já sei que vou ser a miúda que acaba lá atrás com o soutien push-up e o cabelo ao vento’. Já faço isto há algum tempo e tenho feito um grande esforço para me afastar desses projetos. Mas depois conheci o George, e houve algo nele em que acreditei mesmo. Acreditei que ele queria fazer algo que fosse mesmo verdadeiro. Acho que existe uma igualdade neste papel, em oposição a ser apenas uma mulher neste tipo e filmes. E acho que as mulheres estão só ansiosas por essa igualdade. Não quero ser posta num pedestal, e não quero ser nada mais do que sou. Quero ser apenas uma mulher, mas uma mulher autêntica, neste género ou em qualquer outro”.

[Charlize Theron]

 

 

Tal como Ellen Ripley e Sarah Connor antes de si, Furiosa tem algo que a diferencia das demais heroínas, e que é parte da sua receita de sucesso – basicamente, o seu heroísmo e coragem embebem-se no seu estatuto e condição de mulher, e ambos estão ligados e alimentam-se mutuamente. Simultaneamente, Furiosa é uma guerreira e uma alma em conflito, à procura de vingança. Ela não se limita a existir e é a parte mais ativa na construção de um futuro onde muito mais do que sobreviver, existe a possibilidade de viver.

 

É esta combinação de elementos que a torna um farol tão importante para a representação da imagem da Mulher no Cinema de ação do futuro e no cinema em geral – porque há uma grande relutância generalizada em explorar a ideia de uma mulher tão complexa.

 

A preponderância de Furiosa atingiu níveis estratosféricos quando se tornou uma das principais bandeiras dos Ativistas dos Direitos do Homem, que se sentiram tão ameaçados pela mensagem pró-feminina de “Fury Road” que tentaram… promover um boicote ao filme.

 

O que não deixa de constituir uma ironia quase repulsiva – um dos melhores filmes de ação dos últimos anos é demasiado “moderno” para os delegados da misoginia barata.

 

 

É interessante fazer estas entrevistas e ter pessoas que dizem ‘Oh, que mulheres fortes’. Mas não… somos apenas e só mulheres. Tivemos um realizador que percebeu que a verdade é que as mulheres são poderosas o suficiente, que não precisamos de ter poderes sobrenaturais ou de sermos capazes de fazer coisas que não conseguimos normalmente

[Charlize Theron]

 

No final de contas, não é assim tão difícil criar uma personagem feminina multidimensional e povoada por belas nuances e contradições. O que acontece é que a história e particularmente o género de Ação não têm sido bons para a Mulher, reduzindo-a muitas vezes a uma vítima incapaz ou a uma extravagante caricatura vestida com látex. Theron complementa a noção: “O problema da representação das mulheres no cinema remonta ao complexo da Madonna/p*ta”.

 

É verdade que o séc. XXI viu surgir um pequeno leque de outras ecléticas heroínas – desde a noiva de Uma Thurman em “Kill Bill”, à vencedora dos “Hunger Games” Katniss Everdeen, a Lisbeth Salander de Noomi Rapace e Rooney Mara, passando até pela secundária mas complexa Viúva Negra de Scarlett Johannsson em “The Avengers”, entre outras.

 

 

Mas é também o leque de limitações de cada uma delas, e especialmente a brava heroína de Johansson que ajuda a exaltar a importância de Furiosa para o panorama cinematográfico atual. Com a disparidade de tratamento, tanto nos filmes como restantes meios (merchandising, por exemplo), o horizonte de um filme de estúdio dedicado a uma (super-)heroína feminino parece estupidamente distante. E com esta perspetiva negra do futuro da guerreira feminina, a criação contra-corrente de Charlize Theron e George Miller (que se apaixonou tanto pela personagem que lhe escreveu uma história de origem personalizada) eleva-se ainda mais alto.

 

O tempo tratará de provar que é ela a Joana d’Arc da figura de ação feminina – uma fonte inesgotável de inspiração e poderio.

 

Furiosa é a heroína que queremos, que precisamos.

A heroína que merecemos.

 

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Deep Focus - A Mulher enquanto heroína de ação (I)

por Catarina d´Oliveira, em 26.05.15

 

mulher heroina.jpg

 

[artigo originalmente escrito para a Vogue.pt] 

 

 

1. O LEGADO

 

Quando “Mad Max: Fury Road” chegou às salas de cinema de todo o mundo, duas coisas ficaram claras: primeiro, George Miller tinha não só feito um glorioso update da saga que criou há mais de 30 anos, como concebeu um dos maiores (e melhores) filmes de ação dos nossos tempos; segundo, e possivelmente ainda mais surpreendentemente… não tinha tornado Max o seu protagonista.

 

É que, não obstante ser ele a dar o título ao filme, o corpo aos posters e a voz aos trailers, é Furiosa, a imponente Imperator de Charlize Theron, a inequívoca heroína de um filme que carrega uma poderosa mensagem, não feminista, mas pró-feminina - e sobre a influência particular da fabulosa personagem de Theron na perspetiva futura da Heroína feminina no Cinema, falarei ainda esta semana, noutro artigo.

 

 

Todavia, não é segredo para ninguém que a indústria cinematográfica continua a ser profundamente sexista, intoxicada por disparidades escandalosas que vão desde o tratamento das personagens à própria dinâmica económica e financeira da indústria.

 

Mergulhemos nos factos: dos dez atores mais bem pagos em 2014 apenas duas são mulheres – Sandra Bullock (51 milhões de dólares) e Jennifer Lawrence (34 milhões de dólares). E se Bullock foi um caso pontual e fora de série por culpa do fenómeno global que foi “Gravidade”, apenas Lawrence pode ser considerada uma presença feminina consolidada, ocupando o décimo lugar numa lista encabeçada pelo ícone de Robert Downey Jr. Que lhe rendeu uns pornográficos 75 milhões de dólares – mais do dobro de Lawrence.

 

O facto mais curioso quando resolvemos cruzar alguns dados é que, na verdade, a estrela mais rentável de 2014 foi… uma mulher – entre o terceiro capítulo da saga “Hunger Games” e o mais recente filme de “X-Men”, Lawrence foi quem mais rendeu na bilheteira em 2014, seguida de Chris Pratt e, que surpresa, outra mulher, Scarlett Johansson.

 

 

É, no entanto, virtualmente impossível fazer boas omeletes sem ovos, e as oportunidades para blockbusters ou grandes produções protagonizadas por mulheres são profundamente escassas. Mantendo-nos ainda no ano de 2014, podemos constatar que dos 10 filmes mais rentáveis do ano, apenas dois são protagonizados por mulheres – “Maleficent” com Angelina Jolie e “The Hunger Games: Mockingjay – Part 1” com Jennifer Lawrence. E esta não é, de todo, uma má proporção – basta recordar que poucos mais foram sequer produzidos nesse ano - “Divergent” e “Lucy” devem, praticamente, fechar a lista se nos cingirmos apenas a cinema sci-fi/ação.

 

Esta não é, portanto, uma indicação de que a heroína de ação é, para Hollywood ou o Cinema em geral, uma maçã podre destinada a resultados e rendimentos medíocres. Se constitui alguma conclusão é a de que a indústria que nos quer passar a imagem de cada vais mais cool e liberal continua retrógrada e obsoleta – porque chamá-la de convencional é um insulto. Quando a "convenção" é promover a disparidade e a morte das oportunidades, não pode nem deve ser invocada como tradição. Da mesma forma, exibir a mulher como uma entidade capaz de pensar, sentir e lutar não é feminismo, é igualdade.

 

 

Mas vamos às origens da Mulher como figura central de ação: as primeiras heroínas mainstream começaram a surgir ainda durante a Segunda Grande Guerra, era histórica que coincidiu com as mudanças sociais que introduziram a Mulher ao mercado de trabalho, ao voto e à possibilidade de, cada vez mais, procurar a igualdade perante o Homem.

 

Os anos 40 viram as primeiras super-heroínas surgir nas bandas-desenhadas, e a Wonder Woman foi, possivelmente, o primeiro exemplo universalmente mais notável. Apesar de ter sido um arranque necessário e esclarecido, foi aqui que começou também a ser seguida uma tendência generalizada que pareceu alimentar o ideal erróneo de que era preciso sexualizar estas guerreiras para as tornar interessantes e, quiçá até, menos ameaçadoras – é esta queda para a necessidade de decotes, roupa apertada ou ausência dela, que tem também contribuído para o atraso da emancipação da mulher como heroína pelas suas qualidades inerentes.

 

 

Nos Cinema o cenário foi ainda mais negro, e durante muitos anos o género de ação foi um autêntico buraco negro alimentado a testosterona. Os seus gloriosos anos 70 e 80 edificaram fortemente o estatuto “macho” daquele que é possivelmente o género mais sexista, dominado pelos Stallones, Van Dammes, Schwarzeneggers e Willis desta vida. E enquanto o seu legado adquiriu o justo estatuto de culto – continuando a bombear-se nas veias das reencarnações de estrelas de ação de Hoje – a heroína de ação feminina debatia-se por uma golfada de ar.

 

A resposta de uma contemporaneidade que tem vindo a tentar, em parte, combater esta disparidade pode encontrar-se na tradição dinâmica do cinema de terror – ao longo das décadas o género foi-se fortalecendo com cada vez mais protagonistas femininas, encorajando assim o público a identificar-se com “a última sobrevivente” ou a “derradeira guerreira” em face da ameaça.

 

 

O cinema de ação, em particular, tem-se tentado embutir desta realidade, ainda que de uma forma mais gradual e menos marcada – primeiro e em muitas instâncias com personagens secundárias femininas complexas e multidimensionais que fugiram ao estatuto de “donzelas em perigo”, e posteriormente, e em doses mais controladas, em protagonistas completamente estruturadas, com uma história própria e capacidades físicas, emocionais, e psicossociais até aí só atribuídas a personagens masculinos.

 

E enquanto ícones como “Barbarella” (1968) são cotados como fortes influências icónicas e primeiras manifestações do heroísmo feminino em larga escala, talvez nenhuma outra retenha o estatuto de “heroína original” numa grande produção de indústria como a inolvidável Ellen Ripley, interpretada por Sigourney Weaver na saga “Alien”.

 

 

Ripley abriu caminho a mulheres de ação intrincadas, multifacetadas, vulneráveis mas duras, humanas mas implacáveis. E parte da vitória da personagem e do próprio franchise passou por não tornar Ripley apenas uma versão feminina de um “homem rijo”, mas reconhecer-lhe e exaltar-lhe as características que são tão inerentes à condição de mulher.

 

Foi esta criação e diferenciação que, em parte, despoletou o sentido de maternidade de Sarah Connor (“Terminator 2”), o sentimento de proteção de Katniss Everdeen (“The Hunger Games”), o desejo de vingança de Bellatrix Kiddo (“Kill Bill”), a procura de redenção de Furiosa (“Mad Max”), e as jornadas de muitas outras mulheres que ainda temos por conhecer no grande ecrã.

 

 

Com um avanço lento mas que parece cada vez mais consistente, e mesmo com as ainda atuais disparidades mais várias, a figura da mulher como estrela de ação começa a surgir de uma forma sólida e cada vez mais orgânica.

 

Todavia, e em jeito de conclusão, a verdade mais absoluta sobre Hollywood ou a indústria cinematográfica em geral é que, não obstante agendas políticas, sexistas ou outras, ela responde primariamente a um instinto: replicar o que faz dinheiro. Se o público responder positivamente à estrela de ação feminina, a sua presença vai ser cada vez mais constante e robusta.

 

 

 

Pelo que esta é também, e talvez sobretudo, uma luta e um dever nossos. De mulheres e de homens que querem mais diversidade, que anseiam por mais histórias complexas, mais protagonistas heróis e anti-heróis que valem a pena.

 

Mas sobretudo de homens e mulheres que procuram um mundo onde artigos como este simplesmente não precisam de existir.

 

 

[artigo originalmente escrito para a Vogue.pt]

 

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