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"When somebody asks me a question, I tell them the answer"
Danny Boyle é um dos poucos realizadores que se pode dar ao luxo de dizer que não tem dois filmes iguais. De facto, o mais correcto é dizer que são todos radicalmente diferentes; veja-se o vertiginoso e visceral Trainspotting (1996), o apaixonante The Beach, o horrorizante 28 Days Later (2002) ou o inocente Millions (2004). Como não poderia deixar de ser, Slumdog Millionaire, o seu mais recente filme, é mais um belo e completo naipe a adicionar a um baralho único.
O épico social passa-se na “Nova Índia” e arranca na edição Indiana do famoso concurso televisivo “Quem Quer Ser Milionário?” que tem um concorrente curioso: Jamal Malik é um órfão de 18 anos de um bairro pobre de Bombaim, sem estudos e que, com toda a nação com os olhos postos em si, está a apenas uma questão de ganhar 20 milhões de rupias (aproximadamente 320.000 €). Acusado de fazer batota, antes da derradeira questão ser colocada, Jamal é levado e torturado pela polícia Indiana que o obriga a contar admitir como conseguiu responder correctamente a todas as perguntas. É neste momento que começa uma viagem alucinante, triste mas incrivelmente colorida, de um rapaz que construiu a sua própria educação com os tijolos da pobreza e do abandono, o cimento da exploração e do crime, mas acima de tudo, com a vontade do amor.
A Índia do mundo moderno terá sido claramente o marco de inspiração para Danny Boyle. Visualmente, Slumdog Millionaire é arrebatador e poderoso; tanto no contraste de cores pálidas e discretas com a extravagância e vivacidade dos amarelos e laranjas, como na paradoxal navegação por luxuosos apartamentos e condomínios que têm como pano de fundo uma cidade minada pela população pobre, que sobrevive em vez de viver em condições precárias e sujas.
Slumdog Millionaire é uma mistura estranha e arriscada que acaba por resultar num dos grandes filmes de 2008; numa mescla de “Cidade de Deus” e “Oliver Twist”, marcada pelos cortes rápidos e repentinos e música electrizante. A dinâmica e ritmo de Boyle é inegável com uma cena de abertura que tem tanto de simples como de original, uma questão de escolha múltipla:
Jamal Malik está a uma questão de ganhar 20 milhões de rupias. Como é que o fez?
a) Fez batota
b)É sortudo
c)É um génio
d)É o destino
O elenco tem, no geral, uma prestação bem positiva para tantas caras desconhecidas ao espectador; no entanto é sustentado por três personagens, impecavelmente interpretados por três belos actores. Dev Patel, o nosso herói Jamal, é um carismático protagonista que apesar de não conduzir o seu personagem ao longo de todo o filme (dois actores mais novos também o fazem em períodos diferentes da vida de Jamal), é sem dúvida a sua grande alma. De cada vez que está no plano, a cena é sua, mostrando-se como uma potencial nova estrela do cinema futuro.
Depois temos Madhur Mittal que vive Salim, o irmão mais velho de Jamal, e lhe dá um delicioso toque de ambiguidade e opacidade nos motivos que o guiam e Anil Kapoor, interpretando o apresentador Prem Kumar, um homem provocador e desconfiado.
Todavia, e não destoando o facto de ser um grande filme, houve qualquer coisa em Slumdog Millionaire que não me encantou da mesma forma que a tantas outras pessoas por esse mundo fora.
Passados alguns dias do visionamento, e depois de ter pensado sobre a questão, penso que o meu maior problema se prende com a estruturação do filme. Parece contraditório depois de ter referido as qualidades do trabalho de Boyle. No entanto, estas são para mim inegáveis se consideradas pontualmente; em termos de conjunto final, parece-me ter faltado alguma melhor organização e elaboração. Os flashbacks que explicam as diversas respostas (apesar de alguns serem um pouco irrealistas) são genericamente interessantes, mas à 3ª ou 4ª memória a coisa parece começar a tornar-se um pouco repetitiva, o que vem a retirar alguma velocidade e ritmo à acção.
Pode não considerar-se criticamente importante, mas também me fez alguma confusão que as questões que surgiram ao longo do jogo tenham nas suas respostas o desenvolvimento exactamente cronológico da vida de Jamal, acompanhando-o continuamente, da infância até à idade pré-adulta. Não existe maior cliché do que falar de clichés em filmes, mas de facto, Slumdog também tem a sua dose (e boa dose). Devo admitir também que no final me encontrava completamente extenuada: a música por vezes demasiado alta e as filmagens rápidas e bruscas quase me levaram a melhor…
Apesar de tudo, pelo que representa, pela sentida e verdadeiramente bonita mensagem que transmite e pela grande intenção de quem o produziu, Slumdog Millionaire é para mim, como para todos, um dos grandes filmes do ano. Não o vendo como a obra-prima que muitos consideram, vejo-o como um filme como poucos, que apesar de falhas técnicas apresenta uma das mais arrebatadoras histórias dos últimos anos.
Os últimos minutos são mesmo excepcionais, e têm o dom de quase transformar a hora e meia que ficou para trás. Slumdog Millionaire não deixa nunca de ser uma celebração; da experiência humana, do amor, das dificuldades que nos fazem crescer. Uma celebração e um nobre hino à vida.
8.5/10