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Someone has to die in order that the rest of us should value life more"
2002 foi um ano de bons filmes: Chicago, Cidade de Deus, Lord of the Rings The Two Towers, The Pianist, Gangs of New York, entre outros que aqui não falarei para não tornar a lista mais extensa. No entanto, e apesar da sua espectacularidade em aspectos distintos, nenhum me tocou tão fundo como a adaptação do romance de Michael Cunningham, The Hours.
Neste filme acompanhamos apenas um dia na vida de três mulheres de três gerações diferentes, que são de alguma forma afectadas pelo romance “Mrs Dalloway”: Virginia Woolf em 1925 (escreve o romance), Laura Brown em 1951 (lê o romance) e Clarissa Vaughan em 2001 (vive a história do romance).
As três travam lutas interiores que nada têm de igual, ou de diferente. De alguma forma, todas as três vivem uma mentira e todas morrem aos poucos.
O romance de Cunningham é apaixonante, vivo e, à primeira vista, quase impossível de reproduzir em filme. Nunca é fácil adaptar uma acção dividida em vários pedaços; ainda mais difícil o é quando a acção se desenrola em períodos diferentes. A verdade é que o realizador Stephen Daldry consegue fazê-lo roçando a perfeição, com transições magníficas, originais e que mantém história viva.
Além da natural força do argumento, vem ao de cima um elenco absolutamente brilhante liderado por três das melhores actrizes do nosso tempo – Nicole Kidman, Juliane Moore e Meryl Streep. Houvesse prémios suficientes para todas e todas deveriam recebê-los, e fosse eu capaz de hipérboles mais possantes, assim descreveria o desempenho estrondoso destas três Senhoras. Cada toque, cada gesto... nos seus olhos se vê o peso do mundo, a imensa infelicidade que as habita, a derradeira e sempre certa passagem das horas - uns morrem, outros sobrevivem e outros vivem.
O elenco secundário, os homens na vida das protagonistas, acompanha o elenco principal com actuações também elas de se lhe tirar o chapéu, com especial atenção para Ed Harris,sublime no papel de Richard, um seropositivo.
A banda sonora que acompanha praticamente todas as cenas é das mais belas que já tive a oportunidade de ouvir e encaixa na perfeição a cada momento, trazendo por vezes momentos de tal forma arrepiantes que parecemos estar completamente submersos no mundo d'As Horas.
E o desfecho do filme… poderosíssimo, sem palavras.
The Hours não é um ensaio sobre a depressão, sobre a tristeza ou a solidão; é antes um hino ao ser humano, e à dor da passagem do tempo. É triste, denso, difícil de digerir. Provavelmente, se virem este filme, sairão mais deprimidos do que entraram. Mas que não se confunda, isto são elogios, não críticas.
Não é um filme para todos, e com isto não quero dizer que seja um filme para intelectuais ou apenas para alguém com grande profundidade poética e/ou artística, não. É uma obra para quem está disposto a deixar-se envolver, a lidar com os seus próprios demónios; a enfrentar as suas próprias horas, o confronto inevitável com o tempo, que consome e corrói a alma.
Compreender este filme não implica saber exactamente o que transmite.
Compreendê-lo significa, apenas e só, senti-lo.
É provável que haja mais gente a discordar da minha opinião do que a concordar, mas este foi, a meu ver, dos melhores Dramas dos últimos anos, e um dos meus filmes favoritos de sempre. Estrondoso, arrepiante, brilhante.
São filmes como este que elevam o cinema à categoria de Arte.
"Dear Leonard, to look life in the face. Always, to look life in the face. And to know it, for what it is... at last, to know it, to love it, for what it is, and then, to put it away.
Leonard, always the years between us. Always, the years. Always, the love.
Always... the hours."
10/10