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"Time to meet the devil"
Depois do sucesso inesperado de “Drive” em 2011, o realizador Nicolas Winding Refn reencontra-se com Ryan Gosling para mergulhar mais fundo na escuridão que o Cinema consegue retratar.
Julian vive exilado em Banguecoque depois de ter assassinado um polícia há dez anos atrás, na América. Na Tailândia, gere um clube de boxe ao lado do irmão, um negócio que serve de fachada para encobrir o tráfico de drogas que a mãe desenvolve desde o outro lado do mundo. Quando o irmão assassina uma prostituta, acaba por ser morto, uma vez que a polícia decide chamar Chang, um homem conhecido como "O Anjo da Vingança", para tratar do caso. Ao saber da morte do filho, Crystal chega à cidade e obriga Julian a perseguir Chang numa busca insaciável por vingança.
O Némesis de Julian não é propriamente a figura “divina” de Chang, mas a mãe, que claramente contribuiu para o homem quebrado e sociopata que hoje é. Essa relação é brevemente explorada por Refn, mas não está nem perto de chegar para tornar “Only God Forgives” uma experiência particularmente importante ou comovente.
Na presença da mãe reptiliana, Julian parece regredir para um estado de perpétua adolescência, condição essa que parece refletida da própria abordagem de Refn. O realizador tem uma confessa adoração pela crueza e frieza que surgem acompanhadas de atos de violência extrema, mas o verdadeiro problema de “Only God Forgives” é que em nenhum momento encontramos um ponto de ligação – a conexão emocional que faz a diferença entre ver um filme e experienciá-lo e vivê-lo na sua máxima potencialidade. O grande atrativo de Refn sempre foi a extraordinária capacidade de igualar um estilo inimitável a uma substância muito real ainda que crua. Todavia, a humanidade de “Only God Forgives” ficou perdida pelo caminho.
O estilo e abordagem não são novidade, e basta notá-lo apenas observando a filmografia mais recente do realizador. Depois da ferocidade de “Bronson” e do experimentalismo de “Vahalla Rising”, “Drive” pareceu ser a sua apoteose estilística. Diz-se que depois da vaidade vem a queda, e apesar de “Only God Forgives” não ser, de longe, um exercício nulo, acaba por entrar num remoinho de prazer e indulgência que fica à beira de parodiar tudo aquilo que Refn atingiu com o seu corpo de trabalho até aqui.
Ryan Gosling já se mostrou capaz de um místico magnetismo quando encarregado de personagens de poucas palavras mas atos marcantes. Ao contrário, neste caso, e mesmo que pouco mais faça do que desfiles lentos, abrir e fechar as mãos e olhar para o infinito, Gosling conseguiu arranjar forma exagerar a interpretação a um ponto quase caricatural.
É, no entanto, a demoníaca mãe de Julian, interpretada por Kristin Scott Thomas, que infunde de alguma energia o exercício algo letárgico de Refn. Criada como uma caricatura diabólica da mulher americana que parece um cruzamento entre Madonna, Donatella Versace e Lady Macbeth, a sua toxicidade é um elemento muito bem-vindo.
A violência inabalável e a narrativa centrada na vingança contrastam com o design de produção imaculado iluminado pelo néon de Banguecoque e a banda sonora sintetizada de Cliff Martinez. As justaposições e contrastes são cortantes.
Os obstáculos emocionais, a insensibilidade e pretensiosismo cumulativos deixam muito espaço para a renegação do último filme de Refn. Todavia, é a sua qualidade sinistra e perturbadora, quase surreal e retirada de um pesadelo Lynchiano, que o tornam um objeto cinematográfico peculiar, capaz de gerar as opiniões mais dicotómicas.
Recentemente, o realizador descreveu-se como um “pornógrafo” por filmar apenas aquilo que o excita. “Only God Forgives” tem essa exata qualidade sedutora e imensuravelmente perigosa. É brutal, sexual, violento e polvilhado com uns mágicos pozinhos de Édipo. Todavia, a caracterização das personagens é praticamente inexistente, o que torna o deslindar da mitologia criada uma tarefa pouco recompensadora.
Porque a resposta a “Drive” não foi óbvia, e este pesadelo alimentado a néon manda a coerência dar uma volta, não podemos deixar de frisar o quanto admiramos e gostamos que Refn tenha decidido fazer este filme - não obstante a opinião e palavras menos favoráveis. É esta adrenalina e obstinação perante o risco que ainda fazem do Cinema um meio ímpar. Porque às vezes, e tal como nas corridas de alta velocidade, não são as vitórias os fenómenos mais vibrantes e impressionantes, mas os violentos acidentes e colisões.
E “Only God Forgives” é um pequeno desastre de contornos faiscantes – perturbadores, mas magneticamente deslumbrantes.
6.5/10