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"Psychotic prom queen bitch."
Tenho a certeza que muitos de vocês se lembrarão de ver na escola tantos dos estereótipos que hoje vemos escarrapachados nos filmes de adolescentes: o geek gordinho, o desportista parvalhão, os góticos, o miúdo fantasma e, claro está, aquela rapariga que todas as outras odiavam mas secretamente queriam ser – e não estou a falar daquela rapariga que hoje tem sete filhos e um marido pouco fiel; estou a falar da rainha-mãe da escola, que ao mover da sua varinha de condão, fazia todos curvarem-se a seus pés.
Mavis Gray era essa rapariga, e hoje é uma daquelas mulheres que parece ter tudo na vida: um bom emprego, uma boa vida, e uma aparência de fazer muito boas raparigas cozer entranhas de galinha numa panela no meio da floresta para ter tal sorte genética. Mas 20 anos volvidos do final do secundário, vê-se a braços com uma paixão não resolvida. Mavis está obcecada com a ideia de se voltar a juntar com Buddy Slade, e colocando as coisas como elas são, a sua mulher e a filha recém-nascida vão ter de aprender a lidar com isso.
Já sabemos o que estão a pensar: este podia muito bem ser a premissa de partida de uma das incrivelmente profundas personagens dos Morangos com Açúcar, mas não é. De alguma forma, e devido à anterior colaboração de Jason Reitman e Diablo Cody, era natural que esperássemos de Young Adult uma sequela de Juno. O que, perdoem-nos a expressão, não podia ser mais palerma.
Young Adult é um anti-Juno, ou, se quisermos ir mais longe, o anti-Cristo das comédias românticas.
É refrescante sermos brindados, na era bombástica dos efeitos especiais e do 3D, dos vampiros vegetarianos e das comédias estilo sitcom, com um título inesperado que se alicerça numa situação desafiante e um diálogo maravilhoso.
À boa maneira pavloviana, fomos condicionados a esperar que os heróis aprendam com os seus erros e cresçam a partir de uma lição moral enriquecedora. Num filme mais convencional (e invariavelmente menor), o percurso de Mavis traduzir-se-ia no famoso arco de caráter redentor da personagem. Nem Reitman, nem Cody, nem Theron estão interessados em conceder-nos esse facilitismo. Porque a verdade, na vida real, é que nem sempre as pessoas mudam por obra e graça de uma epifania acompanhada de uns acordes inspiradores.
É, contudo, uma pena que Hollywood encontre ainda pouco espaço na sua convenção de machos-alfa, para mulheres tridimensionais, interessantes, com falhas e bem interpretadas.
É verdade que Diablo Cody deve ter algum fetiche secreto pelos circuitos de Wrestling por esse mundo fora: afinal, o nome dos seus personagens parecem diretamente saídos do WWE. Mas a verdade é que há pouca gente a tratar a temática sensível da adolescência como ela.
A argumentista já é especialista em criar protagonistas femininas que apesar de neuróticas e guiadas por um sentido de autodestruição muito próprio, são incrivelmente inteligentes. É a sua expectativas da audiência que é aqui sublime.
A realização de Reitman surge complementarmente sem artifícios estilísticos desnecessários e tão direta como a sua protagonista. Com Thank You for Smoking, o realizador americano já nos tinha mostrado que conseguia tecer comentários espinhosos sobre a natureza humana; em Young Adult, Reitman volta ao local do crime.
A performance de Charlize Theron é assustadoramente boa no seu retrato casualmente cruel, expondo a natureza cínica e destroçada dentro de uma sociopata. Vê-la perseguir predatoriamente Patrick Wilson é algo de uma beleza singular. Fica a certeza de que, apoiada por uma realização sólida e um bom argumento, Theron é uma das melhores (e mais versáteis) atrizes a trabalhar em Hollywood.
Em Patton Oswalt, Theron encontra o cúmplice anacronicamente perfeito: Matt é tudo o que Mavis não é. O comediante é surpreendentemente eficaz no papel de um geek gorducho e solitário que se resignou aos traumas do passado. A realização de que ele e Mavis têm muito em comum é, simultaneamente, um grito de Ipiranga para os gordinhos e uma demonstração de honestidade à imagem do célebre The Breakfast Club.
Um dos melhores dramas contemporâneos a surgir nos últimos anos; um filme da era facebook, onde as relações pessoais quebradas são miraculosamente restauradas pela presença do digital. Young Adult é comédia na sua máxima negritude e torna a pior pessoa ao alcance no seu íman mais magnético.
Mas, talvez mais do que qualquer outra coisa, é um estudo provocante sobre a moralidade (ou falta dela) de uma jovem mulher que, a olhos alheios, tem tudo para ser feliz. Os seus maiores críticos poderão argumentar que é um exercício eticamente perigoso, ao qual faltam virtudes cruciais como a catarse e a redenção. Mas partir dessas assunções para o criticar é, curiosamente, a demonstração da ignorância perante o que Reitman e Cody pretendiam atingir - algo incrivelmente mais diabólico.
8/10