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"It's not a question of being careful, it's a question of knowing how to play ping-pong. "
Num qualquer elevador numa cidade Americana, um grupo de jovens mulheres discute alegremente sobre qual a marca de batom que apresenta melhor resistência ao passar das horas. A sugestão de marcas e truques baratos é interrompida por uma voz tímida que surge de uma boca imaculadamente preenchida de um vermelho vivo, que contrasta com um par de olhos cristalinos; tudo isto numa face vagamente encafuada num aparato capilar onde, aparentemente, poderíamos, com toda a facilidade do mundo, perder o telemóvel ou, lá está, o batom. “A marca não importa. O segredo é colocar um pouco de pó nos lábios antes de aplicar o batom. Desta forma, aguenta-se horas e horas com a frescura inicial”.
O nosso amigo José António Saraiva decerto se apressaria a dizer que tal indivíduo estaria em convulsão consigo mesmo, tentando meramente enviar uma mensagem manhosa à humanidade (para quem não está ao corrente da aberração de que falo, podem conhecê-la aqui em todo o esplendor que equilibra na perfeição os cúmulos da estupidez e ignorância humanas), outros reconheceriam talvez um carnavalesco Eduardo Mãos de Tesoura disfarçado de Robert Smith (o icónico vocalista dos The Cure)… mas esta voz que timidamente se levanta é a de Cheyenne, um antigo deus do rock de meia-idade que, deprimido com a apatia que o rodeia, decide iniciar uma “caça” ao homem que danificou irreparavelmente o seu pai na Alemanha Nazi.
A sinopse dá apenas uma ideia longínqua do quão rico, belo e positivamente bizarro é This Must Be the Place, um daqueles filmes que, de alguma forma mas não só, versa sobre os poderes curativos da estrada, e onde cada paragem numa localidade distante cujo distintivo é ter o maior pistachio do mundo ou cada momento passado num café à beira da estrada é passível de gerar uma reflexão filosófica única. Duas cenas especialmente marcantes neste ponto confrontam Cheyenne com um dueto musical que tem tanto de terno como improvável e um encontro curioso com o homem que um dia pensou que as malas de viagem deviam ter rodinhas.
Paolo Sorrentino faz a sua primeira incursão em terras americanas (depois de realizar alguns filmes aclamados pela crítica, como Le conseguenze dell'amore e Il Divo) e oferece-nos um deleite visual único, que surgiu também, e devemos dar-lhe o crédito, do olho clínico do director de fotografia, Luca Bigazzi. A precisão e originalidade de abordagem são apelidos de cada shot, a câmara está em constante movimento e não são raros os planos picados a partir de guindastes que dão uma outra grandiosidade à imagem; o resultado de tudo isto é um dos filmes mais distintos de 2011.
This Must be the Place é sempre um título curioso e diferente, mas a ideia que dá é que está sempre à procura de algo, sem nunca o encontrar de forma clara. Se pararmos mesmo para pensar um bocadinho, grande parte não funciona. Muitas coisas são fantásticas, algumas passagens são, mesmo, geniais… mas há demasiado a acontecer para que tudo se torne suficientemente fluído e parte da mesma unidade. De alguma forma, parece que Sorrentino pouco tem a dizer sobre o Holocausto (ainda que faça dele um arriscado mas eficaz dispositivo de enredo apesar da trivialidade na abordagem) ou sobre a própria América (o que é sempre oportuno se pensarmos na equipa europeia por detrás de tudo e a possibilidade crítica e satírica disso mesmo).
Nas interpretações, só dá Sean Penn – é demasiado deprimente falar no desperdício de Frances McDormand – que cria um herói que pode parecer difícil de gostar, mas que se entranha invariavelmente em nós. Numa das suas mais surpreendentes performances, ainda que não seja consensual na crítica, Penn consegue tornar Cheyenne verosímil na sua atitude infantil e inocente, características que um homem destes certamente encerraria.
Algures numa entrevista, Sorrentino disse que Cheyenne “flutua na depressão; e para homens que o fazem, a ironia e a ligeireza podem ser as únicas formas aceitáveis de lidar com a vida”. E de facto, This Must Be the Place tem aí os seus dois alicerces, apesar de ser, de uma forma mais ou menos clara, um filme negro.
Apesar de não ter bem ideia do que quer realmente ser (é parte road movie, parte drama, parte thriller esquisito, e parte comédia quase musical), este excêntrico e desorientado título é também simultaneamente enternecedor e introspectivo, colocando questões que não devemos encarar de ânimo leve.
Porque o efeito do passado no presente e no futuro pode ser avassalador, e de uma situação de controle passamos para uma aceitação apática de tudo o que se nos atravessa no caminho. E para Cheyenne, e na verdade para todos nós que mais cedo ou mais tarde vergamos perante as dificuldades da vida, a lição da luta contra essa letargia foi bem mais do que uma renovação do armário e uma ida ao barbeiro.
7.5/10