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“You can't change your situation. The only thing that you can change is how you choose to deal with it.”
Há dois caminhos para esta review, espelhando um pouco daquilo que vemos no ecrã. Ou encaramos isto de cabeça em baixo e de uma forma dramática, ou resolvemos baixar as calças, deitar a língua de fora, quem sabe fazer um gesto menos próprio com as mãos – o que trocado por miúdos, foi exactamente o que o argumentista Will Reiser decidiu fazer com 50/50, uma história com raízes autobiográficas na sua própria batalha contra o Cancro.
Viram como escrevi com maiúsculas?
Num momento solene tão bem retratado pela objectiva, um jovem saudável, sem vícios ou maus hábitos, entra no consultório médico para ver a sua vida desmoronar-se à frente dos olhos. Tudo o resto se desvanece, todos os sons são indistintos.
Cancro.
O poder de uma palavra é por vezes devastador, mas também faz parte do nosso papel desmistificar esse peso. Porque é apenas uma palavra, e por mais assustadora que nos possa parecer, é apenas isso. Uma palavra. Não uma sentença de morte. Portanto, a partir de agora, falaremos de cancro, com minúsculas!
Continuando, o filme baseia-se então na experiência real do argumentista e seguimos Adam, um produtor de rádio que, apesar de todas as precauções para levar uma vida saudável, se vê a braços com o diagnóstico de um inesperado tumor maligno da coluna que tem uma hipótese de cura de 50/50. Quando ganha coragem para contar ao melhor amigo, Kyle, ele remata aliviado “se estivesses num casino, tinhas a melhor hipótese!”. Como ouvi por aí, é como se Kyle fosse um “id andante”, a mandar as bocas mais foleiras, e no fundo a dizer o que mais ninguém tem coragem para dizer, o que apesar de ser muito ao estilo de Rogen, dá à história e ao seu personagem uma grande honestidade.
Afinal um filme sobre cancro pode ter piada.
Mas além de ter piada, ainda tem tempo para explorar a ansiedade e as replicações sociais que o diagnóstico tem na vida do doente. Esta é uma história sobre amizade, amor, sobrevivência, e uma prova de que de facto o humor pode estar nos lugares mais improváveis.
Sim, é uma mistura desconfortável e perigosa de assuntos, mas a seriedade da doença nunca é posta em causa, e enquanto é tratada com respeito por Reiser e pelo realizador Jonathan Levine, também lhe vê embutida uma boa combinação de graça, compaixão e rebeldia q.b. que torna este um filme incrivelmente inspirador.
O tema não podia ser mais sério, mas os momentos cómicos não também podiam parecer mais espontâneos. A organicidade de tudo, desde a característica tão masculina de esconder as emoções até usar o humor para as mascarar é perfeita. O argumento é muito bem escrito e Reiser, um estreante nestas andanças, saltita entre o cómico e o terrivelmente trágico com um timing perfeito, nunca deixando nenhuma das facetas arrastar-se por demasiado tempo.
Numa entrevista, Seth Rogen falou sobre os momentos que passou com o amigo Will Reiser enquanto este estava doente, defendendo que “não foi sentimental, nem sequer muito emocional. Foi comovente e muito catártico por vezes, mas de uma forma geral, só estávamos a tentar seguir com a nossa vida”.
Fiquei muito feliz por constatar que esta não era uma daquelas abordagens filosóficas em que ter cancro nos faz repensar inteiramente a nossa vida. Ainda que isso realmente aconteça, é refrescante ter um filme que apenas nos mostra como é lidar com algo realmente trágico. Há algo aqui extremamente real que só quem vir o filme pode atestar. É aí que 50/50 brilha. A correr riscos. A fazer rir entre momentos cortantes. A mostrar-nos como humanos que somos.
O filme pertence sem sombra de dúvida a Joseph Godon-Levitt que vem uma vez mais provar todo o seu talento como protagonista numa performance subtil mas cheia de nuances que esconde mais do que o que mostra e que inclui perda de cabelo, guerras emocionais e a capacidade de provocar no espectador um sentimento de reconhecimento e sorte por tudo o que temos de bom na vida, especialmente algo que tantas vezes esquecemos e tomamos por garantido – a saúde.
Seth Rogen traz-nos o mesmo personagem de sempre, ainda que este me pareça o mais multi-dimensional que vi dele, o que merece definitivamente reconhecimento – além de que algumas das suas piadas foram MESMO engraçadas. E ainda vale a pena acrescentar que o “bromance” com Gordon-Levitt é um dos melhores que tem aparecido nos cinemas nos últimos anos – quem diria que só se conheceram no set deste filme?
Anjelica Huston oferece-nos um retrato surpreendente de uma mãe que é de facto controladora, mas que se revela muito mais do que isso – podemos ver o medo e o amor na preocupação genuína a alguém a quem as doenças não têm dado tréguas. Philip Baker Hall e Matt Frewer são fantásticos nas poucas cenas que têm como companheiros de quimioterapia de Adam.
E o que fica a destoar neste irreverente quadro? Infelizmente, os interesses amorosos de Adam. Por um lado, Kendrick faz basicamente o mesmo papel de Up in the Air, o que a mim me sabe a pouco apesar de a química com Gordon-Levitt ser perfeita. Já Bryce Dallas Howard não melhora muito a sua reputação de The Help para aqui interpretar uma mulher desdenhosa, desinteressada e desinteressante e até algo odiosa. Dois clichés, portanto.
50/50 é um crowd-pleaser, também não haja dúvida disso. Mas quantos deles se podem gabar de serem inteligentes, corajosos, divertidos e humanos ao mesmo tempo? Não tantos assim. É comovente sem ter vergonha disso, mas nunca toma o caminho fácil.
O título original de era I’m with Cancer, um pesadelo de marketing ainda maior para um filme que tem sido muito vendido como um pioneiro de um sub-género delicado: cancer comedy (parece que, afinal, rir é mesmo o melhor remédio).
Às vezes as palavras não fazem justiça ao que sentimos, este é um dos casos. Esta foi uma experiência muito emocional e especial para mim, e apesar de não vos ter conseguido transportar para esse lugar com a minha review, é com uma lágrima no olho, exactamente como quando os créditos começaram a rodar vos digo: não se atrevam a não ver isto, porque estariam a perder um dos melhores e mais humanos filmes do ano.
9/10