Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
"I had sex today... Holy shit"
Todos o vimos acontecer antes – ou por outra, tentar acontecer. É que a cena indie está pejada de tiros de pólvora seca quando se carregam os canhões da exploração do despertar sexual feminino. De facto, e apesar de as tentativas não serem propriamente raras, são escassos os exemplos que não se revelam demasiado moles ou genéricos ou por outro lado mal-intencionados na abordagem. Ora não nos parece de todo descabido iniciar esta análse assegurando que o assertivo e vigoroso filme de Marielle Hellner consegue fazer o que tantos outros apenas desejaram.
Minnie Goetze tem 15 anos, quer ser desenhadora de comic books e está a crescer no ambiente frenético da São Francisco dos anos 70, em plena ressaca do Flower Power. É uma típica adolescente em quase tudo, exceto no facto de descobrir o sexo com o namorado da sua mãe, com quem acaba por manter uma relação, mesmo depois desta o descobrir... Mas desengane-se quem visualiza Minnie como uma prima não muito afastada de Lolita. Minnie é entusiástica, é louca por sexo e não tem medo de fazer algo relativamente a essa situação, o que se coaduna na perfeição com o sentimento de emancipação e libertação sexual que se faz sentir ao longo de toda a película.
A base dos trabalhos é o romance homónimo e (semi-)autobiográfico de Phoebe Gloeckner, e ainda que a história de Minnie seja, de um modo geral, bastante previsível, é a abordagem do seu retrato, tão resoluta quanto refrescante, que o diferencia dos demais primos afastados.
Seria difícil de prever que uma tão confiante e arrojada produção surgisse das orquestrações de um maduro cineasta, mas a verdade é, de facto, que este é o primeiro filme dirigido por Marielle Heller. A abordagem desta peculiar comédia dramática sobre a nem sempre gloriosa transição entre o início da sexualidade juvenil para a assumida maioridade é absolutamente desarmante, tornando difícil relembrar um outro filme sobre o crescimento/adolescência (ou coming-of-age, à falta de um melhor termo na língua de Camões) tão apostado na manutenção de uma posição livre de julgamentos e críticas aos seus protagonistas.
Fundido numa paleta inspirada em polaroides e embebida numa banda-sonora apaixonada pelos anos 70, o filme mantém-se fiel às suas origens da B.D. ao incorporar algumas versões animadas de ilustrações da autora – o dispositivo que já não é novo nas lides indie ganhar aqui uma dimensão especial e intencional ao dar vida às fantasias febris de Minnie que, por sua parte, é também uma aspirante a artista gráfica.
Bel Powley é absolutamente sensacional ao trazer Minnie à vida, numa performance excecionalmente corajosa e modulada. A sua inconstante protagonista é um ponto de desequilíbrio constante, podendo ser amorosa e inocente, para no momento seguinte se revelar quase cruel e manipulativa. É um poço de contradições que caminha entre a infantilidade e a “adultez”, a vulnerabilidade e a emancipação. Ela não é um cliché ou um poster ou uma figura de representação – é o desabrochar de uma jovem mulher disposta a conseguir o que quer, seja isso o que for.
Como uma mãe com sérios défices de capacidades maternais, Kristen Wiig vem reiterar o seu incrível talento para as lides dramáticas (que se vêm acrescentar ao seu impecável mas já bem conhecido e glorioso timing cómico). No entanto, o papel mais desafiante do plano secundário é inequivocamente o de Monroe, que se faz acompanhar do símbolo universal de tendências sexuais duvidosas: um bigodinho isolado. Correndo sempre o risco de caminhar perto demais de uma caracterização reles e tirana, nunca é vilanizado pelo argumento ou pela fantástica performance de Alexander Skarsgård, que apesar de lidar com o “boneco” mais difícil de criar empatia, consegue desenvolve-lo como alguém surpreendentemente amável para Minnie e Charlotte.
Globalmente, há níveis do questionável comportamento de Minnie que não são tão óbvios construtores da persona de uma mulher adulta e confiante, mas The Diary of a Teenage Girl é um inequívoco hino à emancipação feminina e à valerosa mensagem de necessidade de autoestima.
Moralmente complexo e por vezes desconfortavelmente próximo de verdades desassossegadas, o filme de Hellner mantém uma honestidade fascinante, dura e frustrante – um espelho da própria adolescência. Aqui temos uma janela sem filtros do universo de sexualidade, manipulação e exposição franca de Minnie sobre a necessidade de ser desejada, amada e abraçada.
“Isto é para todas as raparigas quando tiverem crescido”, partilha Minnie com o seu fiel gravador de cassetes. Não sendo necessariamente um crowd pleaser no seu sentido mais tradicional, The Diary of a Teenage Girl tem toda a frescura, determinação e desembaraço para se tornar um marco nesse célebre sub-género de culto que são os filmes de crescimento.
E o tempo não deverá tardar a validar esta previsão.
8.0/10