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Pessoal,
isto por aqui anda pior que o deserto, tanto por razões pessoais como profissionais. Por isso, resolvi tirar os restantes dias do mês para repensar o projeto e como o vou continuar a manter vivo. Quero fazê-lo, mas preciso de perceber como o posso encaixar...
Logo no arranque de setembro há notícias, e das boas, espero!
Até lá, boas férias e bons filmes!
"Everything terrible is something that needs our love"
Com o sucesso do legado de Lassie, Beethoven, Benji e muitos outros, não é tão raro assim que um animal assuma um papel de relevo numa produção cinematográfica. O que é menos comum é que o nosso fiel amigo de quatro patas seja o centro de uma narrativa de contornos sérios, radicais mesmo, e tão profundamente conectada a algumas das maiores quezílias da raça humana desde sempre, e particularmente na atualidade.
Segundo os mitos da indústria, em 1929, o Pastor Alemão Rin Tin Tin recebeu mais votos na corrida ao galardão de Melhor Ator nos Óscares, mas rapidamente a Academia determinou que um humano deveria ganhar. Talvez, desde então, nunca tenhamos testemunhado uma outra ocorrência tão veemente na exposição dos talentos caninos até Hagen (interpretado pelos gémeos Luke e Body) dominar por completo a narrativa e emoção de “Fehér isten” ("Deus Branco", no título português), um conto premonitório sobre as relações entre uma espécie superior e o seu inferior caído em desgraça.
Sabemos desde o plano de abertura – onde uma rapariga pedala ao longo de uma estrada perseguida por centenas de cães – que “Fehér isten” será uma besta diferente, não apropriada ou flexível a todos os gostos.
Flutuando entre a perspetiva humana e canina, a violência imprimida por Kornél Mundruczó desenrola-se em função da tarefa maior de exibir não só uma crítica direta (relativa aos maus-tratos animais) como uma metáfora simples mas poderosa – de como os rejeitados e abusados se unirão em busca de justiça maior, que não chega de forma certa ou errada, mas da forma possível.
Não é certamente a primeira obra a sugerir que a crueldade humana enfrentará, um dia, o doloroso "karma" perante os seus atos, mas com uma abordagem particularmente empática de uma versão caninca de "Birds", sublinha este ponto a marcador vermelho garrido.
O talento dos coprotagonistas humanos nem sempre acompanha o compromisso dos colegas de quatro patas, e é discutível a decisão do realizador em não só ter vilanizado a maior parte dos humanos como, no último ato, dar-lhes mais espaço de manobra e reflexão, em detrimento dos animais.
Para Mundruczó, era "go big, or go home", e o resultado foi esmagadoramente belo e filosófico.
É entre o místico realismo áspero e a fantasia assombrada que “Fehér isten” se pauta numa das obras mais interessantes e enigmáticas de 2014.
8.5/10