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Com um dia de atraso e porque no próximo Domingo decorre a cerimónia dos Oscars e não queria que nenhuma estrela faltasse porque prefere dar um pulinho à cerimónia cá do burgo (entre Trafaria e L.A. acho que se trava uma luta profundamente injusta), realizou-se esta tarde a 3ª Edição dos Close-Up SOAP Awards. Se por alguma razão inexplicável não se lembrarem dos nomeados, podem revê-los aqui.
A Academia Portuguesa de Artes Mais ou Menos Cinematográficas já contou os votos de quase 150 membros votantes e os vencedores foram decididos, mas mesmo quem foi para casa de mãos a abanar teve a noção de que esteve num evento cujo único objectivo era honrar a indústria cinematográfica, que tantas alegrias nos dá todos os anos, mas também algumas tristezas e, ocasionalmente, dores nos rins ou até patologias mais graves... além de a celebrar, se calhar gozar respeitosamente um bocadinho com ela também.
Mas vamos a resultados, que até há momentos só o senhor que nos faz os envelopes com os vencedores é que sabia - é triste, mas o senhor dos envelopes sou eu, com um bigode farfalhudo de colar, portanto talvez seja melhor ser uma senhora dos envelopes.
Além de "Rush" ter sido o surpreendente vencedor na categoria de MELHOR FILME QUE NÃO FOI NOMEADO PARA O OSCAR DE MELHOR FILME, "La Vie d'Adèle" levou para casa o segundo galardão mais apetecido da cerimónia na categoria de MELHOR FILME QUE PROVAVELMENTE MUITA GENTE NÃO VIU. Infelizmente ninguém apareceu para reclamar o prémio e dizem os rumores que a Adèle ficou em casa a encher a barriga (e os cantos da boca) de massa e chocolates.
Mas porque já vamos com chacha e conversas a mais... vamos então relevar a lista completa de vencedores dos Close-Up Soap Awards 2014.
*** *** ***
MELHOR FILME QUE NÃO FOI NOMEADO PARA O OSCAR DE MELHOR FILME
“Rush”
MELHOR FILME QUE PROVAVELMENTE MUITA GENTE NÃO VIU
“La Vie d’Adèle”
MELHOR BLOCKBUSTER
“The Hunger Games: Catching Fire”
MELHOR BLOCKBUSTER DA LOJA DO CHINÊS
“After Earth”
PIOR FILME PARA VERES COM OS TEUS PAIS E AVÓS
“Nymphomaniac”
FILME QUE NÃO NOS ATREVEMOS A TOCAR NEM COM UM PAU DE TRÊS METROS
“Grown Ups 2”
A TENDÊNCIA DO ANO
McConascência
MELHOR PERSONAGEM SECUNDÁRIA QUE É INEQUIVOCAMENTE MAIS ‘FIXE’ QUE O PROTAGONISTA
Loki (em oposição a Thor), em “Thor: The Dark World”
MELHOR CAMEO
Channing Tatum, em “This is the End”
MELHOR PERFORMANCE ANIMAL
A girafa em “The Hangover III”
MELHOR PRESENÇA DA CASA BRANCA NUM FILME
“Lee Daniels’ The Butler”
MELHOR TÍTULO DE UM FILME QUE TAMBÉM SERVIRIA NA INDÚSTRIA PORNOGRÁFICA
“Inside Llewyn Davis”
MELHOR (MONSTRO, EPIDEMIA, CRIATURA) DESTRUIDOR DA CIVILIZAÇÃO
Os zombies atletas olímpicos, em “World War Z”
MELHOR ORGANIZADOR DA FESTA PARA NOS DESGRAÇAR A VIDA
“The Great Gatsby”
REI/RAINHA DA PISTA DE DANÇA
Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio), em “The Wolf of Wall Street”
MELHOR UTILIZAÇÃO DA BANDA SONORA NÃO ORIGINAL
Empate: “Inside Llewyn Davis” & “The Wolf of Wall Street”
MELHOR GUARDA-ROUPA NUM FILME QUE NÃO SEJA PASSADO NO ANTIGAMENTE
“The Hunger Games: Catching Fire”
MELHOR ITEM DE VESTUÁRIO/ACESSÓRIO RESISTENTE A QUALQUER CONTENDA
Chapéu do Gandalf, em “The Hobbit: the Desolation of Smaug”
MELHOR MOMENTO A PUXAR P’RÁ LÁGRIMA TAMBÉM PATROCINADO PELO “ARREPIO NA ESPINHA”
Victory Tour – Paragem no Distrito de Rue, em “The Hunger Games: Catching Fire”
MAIOR MOMENTO WTF?
Cameron Diaz numa sessão de sexo voraz com um carro, em “The Counselor”
‘LOOK AT MA SHIT!’ AWARD
“The Wolf of Wall Street”
LINHA DE DIÁLOGO QUE ANIMA O ESPÍRITO
“Hermione just stole all our sh*t” (“This is the End”)
PRÉMIO ESPECIAL – HOMICÍDIO EM PRIMEIRO GRAU À ARTE DO PHOTOSHOP
Empate: Posters de “Grudge Match” & “Grown Ups 2”
PRÉMIO ESPECIAL – ANTIDEPRESSIVOS PARA QUE VOS QUERO
“12 Years a Slave”
PRÉMIO ESPECIAL – ‘NOSSA, QUE BIOLÊNCIA!’
O castigo de Patsey, em “12 Years a Slave”
PRÉMIO ESPECIAL – OMNIPRESENÇA
James Franco [9 créditos]
Primeiro veio o Van Damme, depois o Channing Tatum, e depois... o Chuck Norris.
Tem sido uma batalha de proporções épicas, e que não se trava com armas, socos ou pontapés que desafiam a gravidade... mas com a graciosidade de uma espargata e a dureza extrema das condições em que cada uma delas se desenvolve.
"Receptionist: Does he have Alzheimer's?
David Grant: No, he just believes what people tell him."
Quando recebe pelo correio uma carta de um sorteio duvidoso, Woody Grant, um homem bastante rabugento e mal-humorado pensa que ficou rico e tenta convencer um dos filhos a viajar até ao Nebraska para reclamar a sua fortuna. Decidido a passar algum tempo com o pai, David sabe que o conduz para uma deceção, mas talvez seja o choque com a realidade que Woody precisa. Com paragens pelo caminho e reencontros familiares inesperados que oferecem uma luz especial sobre o passado, “Nebraska” narra, ao longo de quatro estados e com alguma dose de humor sarcástico, histórias da vida familiar em pleno coração da América.
Quase como uma versão moderna de “Dom Quixote de La Mancha”, “Nebraska” opõe as considerações delirantes de um protagonista à beira da senilidade com a dura realidade. Nunca sendo um retrato cruel ou de propósitos meramente satíricos, o filme de Alexander Payne constrói-se do desejo de permitir ao seu árido protagonista um último momento de dignidade, quando esta parece já tê-lo abandonado há muito, e para sempre.
Apesar de ser o primeiro filme de Payne não escrito por ele – aqui foi Bob Nelson quem fez as honras – “Nebraska” é “payniano” de uma ponta à outra, dando maior primazia às falhas de comunicação do que propriamente ao diálogo e alimentando, inclusive, a noção generalizada no cinema de Payne de que o ambiente e o tom podem falar mais alto do que a própria história. O truque dos contrastes aparentes volta a entrar em jogo – depois do energia vibrante havaiana esconder as duras verdades em “The Descendants”, aqui é uma realidade monocromática e quase austera que encobre um núcleo morno e doce.
A belíssima fotografia a preto-e-branco – que não parece menos contemporânea por isso – sugere, em perfeita sincronia com o argumento. Não é propriamente uma versão atualizada do Sonho Americano, porque esse, não obstante as crenças cegas de um desejo de mudança e sucesso, foi-se perdendo, algures no tempo, quem sabe numa daquelas beiras de estrada do interior. O que subsiste é o mito.
June Squibb rouba praticamente todas as cenas que protagoniza, mas o verdadeiro coração de “Nebraska” está evidentemente ancorado à corajosa performance de Bruce Dern, que ganhou mesmo o prémio de Melhor Ator no Festival de Cannes do ano passado. O mecanismo utilizado para explicar Woody e o seu estado é delicioso - ao invés de flashbacks ou confissões palavrosas, são os encontros ao longo do caminho que o mostram como alguém que se mostrou disposto a compromissos e sacrifícios imensos que justificam hoje o seu alheamento, e os silêncios e olhares distantes de Dern falam mais alto do que qualquer discurso.
Apesar de empático e esclarecido quanto ao seu papel na trama, Will Forte (ex-membro do SNL) não deixa de parecer algo deslocado ao lado da Dern e Squibb, especialmente se considerarmos que atores como Paul Rudd, Casey Affleck e Bryan Cranston foram considerados para o papel de David.
Tendo seguido praticamente toda a filmografia de Alexander Payne, tenho dificuldade em compreender o apelo, a distinção como um dos grandes realizadores americanos contemporâneos. Os seus filmes nunca chegaram até mim – desenvolvi um “ódio de estimação” muito particular a “The Descendants” – ou eu nunca cheguei até eles, a pontos de os conseguir ver como obras completas, totalmente maduras ou absolutas.
Mas não obstante o contínuo sentimento de que o Cinema de Payne parece sempre algo incompleto e rascunhado, existe algo intensamente profundo da possibilidade de acompanhar esta viagem predestinada ao longo das estradas americanas. O verdadeiro impacto dos seus pequenos momentos, aparentemente desconexos e pouco significantes, só se regista mais tarde, numa retrospetiva íntima e encantadora – Payne compreende que são os entretantos, os não-acontecimentos que alimentam o grosso da nossa existência.
É difícil declarar que “Nebraska” é um filme negativista ou derrotista. Não o é exatamente. Mas é uma fatia da vida que o brilho de Hollywood, da cultura pop e do brilho da fantasia do sucesso tentou cobrir com uma espessa pasta de ilusões. Por baixo permanece um bolo que nem é muito bom, nem é muito mau, mas uma receita estranha e falhada, cuja figura imponente na montra apenas abriu alas a uma peculiar desilusão.
A lotaria da vida parece estar ao virar da esquina, à distância de um mero toque. Às tantas, o nosso momento de glória parece ter chegado, e tem os ares de revolução monumental… mas materializa-se apenas numa miniatura agridoce.
“Nebraska” pode aparecer assim um sujeito de envergadura pesada, que por vezes se arrasta languidamente. É tudo parte de um plano, de uma visão que nos pretende trazer de volta à realidade, furar a cobertura e olhar à volta do mundo aborrecido e cinzento que nós – os comuns mortais que representam 99% da população mundial - habitamos.
No final de contas, creio que será a sua própria experiência, visão de vida e estado de espírito a ditar o seu ponto de vista sobre o mais recente filme de Alexander Payne. Porque aqui o sonho pode pensar que comanda a vida, mas a vida trata sempre de o por no seu lugar.
8.0/10
Isto não só é uma coisa incontrolavelmente adorável...
Mas é também um excelente resumo para quem quer ver os nove filmes nomeados até domingo... mas não tem tempo/pachorra.
Tirei uns dias de folga do Close-Up porque a minha vida deu uma volta. Coisas boas, coisas más, coisas absolutamente lancinantes.
Tirei os dias porque precisava de repor as minhas ideias, a minha noção de futuro, a minha noção do meu próprio “eu”. É claro que não regresso, meros dias depois, com respostas, com a vida refeita. Muito, muito pelo contrário. Provavelmente estou mais à deriva do que nunca, mas há uma coisa que, mesmo nos momentos mais confusos e dolorosos não muda: a minha paixão, a minha dedicação pelo Cinema.
Então quero hoje aqui dizer que o Close-Up não é bem um blog de cinema. Não é um blog de críticas, apesar de as tentar ter. Ou de notícias, como ainda menos as tenta ter. Ou de examinação da filmologia ou da história do Cinema, porque nunca me atreveria a fazê-lo dada a minha ignorância tão vasta… tenho tanto para ver, para aprender, para absorver…
Mas o que o Close-Up é… é um blog de amor.
Aqui vou louvar o Cinema, o novo o velho e o que aparece pelo meio, porque a arte faz-se dos tempos em que se constrói, e o Cinema de hoje não poderá nunca ser o de ontem, e muito menos o de amanhã.
Vou rir convosco, chorar convosco, refletir convosco. E até partilhar listas palermas, artigos pouco científicos, e votações imprestáveis. Aqui vou brincar, vou dizer coisas parvas, vou (tentar) argumentar opiniões, vou falar e falar e falar sobre Cinema.
Não vou aspirar, como nunca aspirei, a ser uma autoridade. Não vou ser absolutista, não vou dizer que X é indiscutivelmente o Melhor Filme de sempre, mas vou explicar porque é que o é para mim, mostrando-vos, quem sabe, outras interpretações, outras visões, outras subtilezas. E peço-vos que façam o mesmo comigo, que partilhem, que me façam ver mais e melhor, porque é isso que quero hoje e sempre.
Vou respirar Cinema, vou amar Cinema, sempre e acima de tudo.
Porque apesar de nunca o ter manifestado como hoje, sempre foi essa a minha missão… tentar, por mais difícil que às vezes pareça, que se apaixonem, comigo, pelo Cinema.
Desculpem se isto tudo parece uma pirosada mas… na realidade, não quero saber. Tudo porque o que vejo com os meus olhos é belo demais para não ser partilhado. Se acham que não ou que sou maluquinha… bom, então não sabem o que estão a perder.
Até já, e bons filmes.
Não vou de férias nem estou sobrecarregada de trabalho. Simplesmente preciso de uma pausa, porque não estando a minha cabeça aqui, não faz sentido continuar só porque sim.
Serão uns dias, umas semanas... não sei. Mas prometo tentar regressar.
Obrigada a todos os que seguem. Bons filmes.
C.
"We are only here briefly and in this moment I want to allow myself joy"
Trafaria, 14 de fevereiro de 2014
Querido Spike Jonze,
Como vão as coisas? Espero encontrar-te bem, como também espero que não leves a mal avançar já sem medos nem receios a tratar-te por tu, mas sempre achei que o “você”, apesar de bastante respeitável, era uma forma de tratamento que transmite distanciamento e alheamento, e aqui, especialmente aqui, no que te quero dizer, quero estar perto. O mais perto possível. Então, posso tratar-te por tu, não posso?
Escrevo esta carta – à semelhança do teu terno protagonista - para te falar sobre o teu mais recente filme, “Her”. Fiquei siderada, confesso, e não pude deixar de recordar as célebres palavras da epígrafe do “Howard’s End” de E.M. Forster que escreveu, sobre a noção dos relacionamentos e da empatia, “only connect!”. Essa ligação – humana, tecnológica e a interceção de ambas – que é a força que move o teu novo e poderoso filme.
O enredo é simples na explicação, mas incrivelmente complexo na execução e implicações - lá irei. Antes de mais, e até para me ajudar na exposição das ideias, clarifiquemos que esta é a história de Theodore, um homem que escreve cartas para outras pessoas como profissão e que luta contra a tristeza de um casamento destruído, tentando, para isso, distrair-se ao comprar um novo Sistema Operativo interativo capaz de criar uma consciência digital. Samantha – como se chama - não existe sob qualquer forma física além do discreto fone e do pequeno tablet que acompanha Theodore para todo o lado, mas não é isto que a impede de formar uma ligação e relação dinâmica com ele, que não demora a tornar-se… algo mais. Juntos crescem e descobrem as suas facetas mais recônditas, e o mesmo acontece com o seu relacionamento e todas as peculiares complexidades que o acompanham.
Bolas Spike, quem mais poderia almejar a uma peculiar fusão entre “2001: A Space Odyssey”, os cânones da comédia romântica e as inegáveis referências da sua própria filmografia precedente? Tenho mesmo de te dizer que este é um daqueles filmes tão ousados que tinha tudo para não funcionar - para ser ridículo, frio e completamente removido da realidade. Ao invés disso é honesto, duro e terno quando tem de ser, otimista e singularmente belo na forma como contraria a natureza leviana e repetitiva como o amor romântico e as relações em geral são retratadas em cinema, perdendo o ADN que nos liga a todos: a humanidade.
Este teu primeiro argumento não encapsula apenas um conceito geral inovador, mas cose-se ainda de uma intuição e inteligência sobre os padrões de comportamento humano, com detalhes profundos, deprimentes e por vezes sarcásticos da dinâmica das relações. É uma examinação do lugar para onde nos dirigimos enquanto espécie, que aplica essas descobertas à realidade de um indivíduo, e um raro e modesto tipo de obra-de-arte.
Bem sei que não exploras determinados temas de forma direta, mas ao mesmo tempo, colocas questões fraturantes impossíveis de ignorar: como é que nos ligamos a outras pessoas? Serão os media sociais, na sua essência, antissociais? Será que a Era da Revolução da Informação e Tecnologia tanto fez para nos unir como para nos dividir? É uma relação meramente física superior a uma meramente emocional? O que é o amor? Às tantas invadiu-me um sentimento de exasperação profunda - porque é que não há mais filmes como o teu, Spike?
A proposta da tecnologia como escapismo é clara – hoje é facilitada a fuga aos silêncios constrangedores e a interrupção de uma ideia para colocar uma fotografia no Instagram. Eu própria, que escrevo esta carta de coração aberto, já me interrompi duas ao três vezes ao longo desta carta para verificar a minha conta de Facebook. Patético, não é?
Mas não deixando estre atrofio e entorpecimento social de ser um dos focos do teu filme, vale a pena reforçar, no entanto, que se “Her” não se curva perante os proveitos da grandeza tecnológica, também não é propriamente um manifesto contra ela. Estas observações, ou antes sugestões para reflexão sobre a tecnologia são repetidamente ancoradas à tua crença– e consequentemente, do filme – de que a necessidade de nos mantermos ligados ao outro é inata e manter-se-á humana até ao fim. É essa compulsão de partilhar a vida com o outro que faz as roldanas do enredo moverem-se, e a tecnologia surge como o dispositivo que lhes permite apenas conferir longevidade e amplificação.
Assim, e acima de tudo, construíste um veículo emocional – para nosso espanto, uma história de amor completamente familiar mas que também parece absolutamente original – e uma fórmula de sucesso reinventada e levada ao nível seguinte.
Compreendeste, como o faz apenas quem já amou e foi amado, que uma das maiores potencialidades do Amor é a formação da melhor versão de nós mesmos, enquanto conseguimos otimizar o nosso potencial. Todavia, este é também um dos seus maiores perigos, porque ao mesmo tempo que desejamos o crescimento da nossa “metade”, desenvolve-se em nós o medo de ficarmos para trás no processo. A tua fita não só explora essa ambígua realidade das relações como não cede à facilidade de descartar o Theodore como um indivíduo desviante, vendo-o antes como um produto do ambiente em que está envolvido, e preocupando-se mais em explorar a universalidade desses mesmos problemas relacionais – as dúvidas, a necessidade de entrega, a obsessão, a dor. Esta é, assim, uma evocação extraordinária da verdade fundamental sobre o amor, que se baseia na partilha e no sacrifício, na certeza de que temos de ceder uma parte de nós, comprometer-nos, para descobrirmos o fundo do arco-íris de uma ligação significativa, que é difícil e nega todos os idealismos e facilitismos do destino romântico fantasiado na juventude.
Parte do que torna isto um verdadeiro feito é o facto de a tua (vossa) criação ser tão credível, tanto no desenvolvimento em etapas do relacionamento da Samantha e do Theodore, como na própria criação estética de um mundo que a todos nós é vagamente familiar.
A forma como o ambiente que circunda o enredo foi construído é, apenas de si, digno de um mar de cartas de amor. Este é um mundo admitidamente situado num futuro próximo, mas onde não existem motas voadoras ou ciborgues a policiar as ruas. É utópico e distópico mas não suficientemente discrepante da nossa própria realidade para que não possa surgir como uma pequena mas crível viagem de “regresso ao futuro”. As construções macias e geométricas enchem esta versão de Los Angeles que é colorida por tons pastel. A simplicidade constitui uma consequência básica da inovação enquanto o aspeto desbotado sugere uma sociedade insulada do contacto humano. Tudo resplandece perante a ambígua beleza e a bizarrice vaga de tudo isto.
Apesar de não ter aqui espaço ou tempo para prezar a reunião perfeita de centenas de pessoas que trabalharam para edificar o todo, gostava de dirigir ainda uma palavra aos teus dois pilares. O Joaquin Phoenix, cuja performance é demasiado subtil para Óscares e outros louvores, mas absolutamente assombroso e gracioso. Num contraste poderoso com o id materializado em “The Master” de Paul Thomas Anderson, ele forjou Theodore de nuances ternas, lúcidas e inteligentes.
Por outro lado, fazer saber que no processo de desenvolvimento e filmagens de “Her” Samantha sempre foi Samantha Morton, a tua primeira escolha para dar “corpo” ao Sistema Operativo. Mas depois de Morton estar presente todos os dias no set e de fazer a gravação integral do papel, sentiste que algo não batia certo, e com a bênção de Morton (deixando, em sua honra, o nome do Sistema), substituiste-a por Scarlett Johansson. Que palpite certeiro… A Scarlett criou uma das performances mais sensuais, intrigantes e completas do ano, formando um novo ícone do Cinema moderno sem para tudo isso precisar sequer de uma existência física. Os falatórios que chegaram a existir à volta de possíveis nomeações pela sua prestação secundária podem parecer rebuscados a muita gente, mas depois de vermos o filme a única implausibilidade é ela estar de fora em praticamente todas as listas pela razão pouco adaptada ao seu tempo de que “para ser considerada uma performance deve ser plena na representação vocal e física”. Pfff... patetas.
Quero terminar, Spike, dizendo-te que “Her” é muitas coisas, mas também não é outras tantas. Não é uma comédia barata sobre um falhado incapaz de estabelecer uma ligação humana, ou uma palestra cínica sobre o antissocialismo dos sistemas sociais artificiais, ou sequer um ensaio sobre o quebra-cabeças do desenvolvimento do domínio tecnológico sobre nós.
Sou eu, tu e todos nós, o aqui do agora mascarado de além do amanhã. É uma história de amor do séc. XXI, que é um retrato digno desta Era dominada pela mediação tecnológica, mas ao mesmo tempo a captura perfeita da sucessão de disposições boas e más desde que conhecemos o amor como ele é. Não criaste, como já ouvi dizer, uma cápsula para o futuro, porque o desejo de amar e ser amado é eterno.
“Only connect!”, escreveu E.M. Forster.
Agora desculpa-me a despedida apressada, mas vou fechar o portátil, guardar o smartphone e vou abraçar alguém.
Obrigada.
Catarina
9.5/10
O Yahoo decidiu recriar os nove nomeados a Melhor Filme nos Oscars deste ano com... Legos, pois claro.
Decorreu há algumas horas o almoço oficial dos nomeados aos Oscars 2014. Foram tantas as presenças ilustres, como as ausências distintas, mas segue abaixo a usual fotografia de turma, cuja versão XXXXXL pode ser vista se clicarem na imagem.
Todos sabemos que o enredo de um filme se compõe de uma série de acontecimentos controlados, cuja duração e natureza não permite, muitas das vezes, que muitos factos e situações inerentes à vida sejam retratados seu verdadeiro esplendor.
Todavia temos de nos lembrar que já vamos com bem mais de 100 anos de Cinema… e é grande a lista de coisas que acontecem no nosso dia-a-dia mas que raramente (ou mesmo nunca) encontram tempo de antena na sétima arte.
Por essa razão, resolvi apresentar-vos hoje, sem nenhuma ordem específica de importância, a lista compreensiva de coisas que, apesar de serem para nós quotidianas, (quase) nunca acontecem nos filmes.
[Nota: todos são convidados a fazer as suas próprias sugestões de acrescentos à lista que estará certamente muito incompleta]
1 - Aqueles dois espirros que aparecem ocasionalmente e que não significam uma alergia ou constipação severa
2 - Pessoas (irritantes) que estalam os ossos das mãos
3 - Comichões em lugares onde temos dificuldade em chegar – ou mesmo no rabo
4 - Trancar o carro
5 - Atrasos nos transportes públicos… ou greves
6 - Dizer “adeus” ou qualquer tipo de despedida ao telefone
7 - Anúncios na televisão
8 - Acordar de manhã com hálito de tripas de gatos mortos
9 - Passar pelo embaraçoso ritual onde repetidamente não consegues ouvir o que alguém te disse, e às tantas já tens vergonha de pedir para repetir e respondes alguma coisa que não tem absolutamente nada a ver
10 - Adolescentes que vestem roupas de adolescentes, ao invés de top models ou prostitutas de luxo
11 - Telemóveis sem rede
12 - Atualizações do Adobe
13 - Acne
14 - Esperas que mais parecem eternidades até sermos atendidos num restaurante/bar
15 - Ceder às imposições urgentes e quotidianas das necessidades fisiológicas *
16 - Brancas instantâneas que nos dão e que nos impedem de recordar o nome daquele filme/ator/jogo/jogador/político/modelo/ etc e que duram horas até, finalmente, a pesquisa do Google nos tirar da nossa miséria
17 - Andar com cinto de segurança
18 - Ligações de internet que demoram 5 minutos a carregar uma página
19 - Dar voltas intermináveis em ruas adjacentes ao local onde queremos ir, para encontrar lugar para o carro
20 - Perguntas parvas depois de discursos épicos ou motivadores
21 - Carregar o telemóvel
22 - Olhar para o papel higiénico depois de nos limparmos
23 - Segurança (eficiente) nos aeroportos
24 - Arrumar a loiça da máquina
25 - Filas no supermercado que apesar de ter 7 caixas disponíveis só tem 2 abertas
26 - Depilações (mas todas as mulheres estão impecavelmente carecas, das sobrancelhas para baixo, mesmo numa ilha deserta)
27 - Heróis despenteados ou sem a permanente em dia
28 - Divisões realmente escuras, quando realmente não há luz
29 - Pessoas que levam cacetadas na cabeça e não acordam, passado alguns minutos, completamente normais
30 - Lavar os dentes com a espuma a escorrer pelos cantos da boca
31 - Tirar macacos do nariz… ou assoar o nariz, vá
32 - Limpezas pós-ato-sexual
33 - Usar a tecla “espaço” quando se escreve no computador
34 - Acordar despenteado, babado, com olheiras ou os olhos inchados *
35 - Bater com o carro quando se decide olhar penetrantemente nos olhos de outra pessoa durante 20 segundos enquanto se conduz
36 - Usar desodorizante
37 - Ataques de soluços (ou espirros)
38 - Breguilhas abertas *
39 - Morder a língua enquanto falamos
40 - Falar e, acidentalmente, soltar um monumental gafanhoto
41 - Fios de headphones entrelaçados em impenetráveis cabeleiras
42 - Portas de casas de campo com fechaduras normais que não permitem a entrada de qualquer pessoa
43 - Bocejos contagiosos
44 - Pisar cocó *
LEGENDA
*a menos que para efeito cómico
** a menos que num filme de terror