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"I want to be everything to you. I want to be father, brother, lover, best friend."
Atreva-se a ser deslumbrado, porque ninguém diria que Gordon Gecko e Jason Bourne formariam um casal tão credível e fascinante.
Como antes do fogo ardente veio a faísca, antes de Elvis, Elton John, Michael Jackson e Lady Gag veio Liberace, o extravagante e virtuoso pianista que foi a estrela mais brilhante – literalmente e não só – na vida das donas de casa norte-americanas ao longo de uma carreira de mais de 40 anos. Liberace era um entertainer de “E” maiúsculo, e não se cansava de explicitar a quem o quisesse ouvir: “Eu não dou concertos. Eu dou espetáculo!”.
Liberace viveu uma vida de excessos, dentro e fora do palco, e sem vergonha disso mesmo. No verão de 1977 conhece o jovem e belo Scott Thorson, um aprendiz de veterinário por quem nutre um carinho imediato. Apesar da diferença de idades e de pertencerem a mundos opostos, os dois envolvem-se numa secreta relação amorosa durante cinco anos. Eventualmente, o exuberante castelo de cartas que foi constantemente exposto a pressão e a uma existência excessiva, colapsa. Terá sido o mau comportamento de Scott a afastar Liberace ou será que este foi empurrado para maus caminhos pela crescente indiferença de uma confusa figura parental e amante?
As respostas não são simples, como seria de esperar de uma relação tão complexa. “Behind the Candelabra” é a encenação desse affair e um olhar sobre o mundo escondido do “Senhor Espetáculo”, inspirando-se diretamente na memória homónima publicada por Thorson em 1988, um ano depois da morte do entertainer.
Inicialmente concebido para Cinema, o filme de Steven Soderbergh viu-se com uma receção apreensiva e fria em Hollywood quando o realizador levou o projeto aos estúdios: “Disseram que era demasiado gay. Todos eles. Fiquei chocado. Não fazia qualquer sentido”.
Felizmente, e como tem sido o caso noutras situações, a HBO apareceu para salvar o dia, e o filme chegou a maio deste ano ao festival de Cannes, estreando no canal de cabo dias depois.
Num retrato cru e realista, estamos em permanente contacto com Scott e Liberace, na sua forma mais fabulosa e disforme, sem qualquer obstáculo a esbarrar o desenvolvimento de uma relação povoada por contradições, motivações conflituosas e ainda assim, muito amor. Este é o reflexo fiel de dois outsiders que se encontraram. Logicamente falando, não durou… mas como o final deixa no ar, talvez para ambos, de alguma forma, tenha sido para sempre.
Divertido mas profundamente trágico - muito como a inesquecível personalidade no centro - o tom do título é supremamente equilibrado, e no desenrolar das duas horas de acontecimentos, nunca sentimos que o argumento de Richard LaGravenese ou o ponto de vista de Soderbergh não tratem este projeto com respeito e a mais pura sinceridade.
Apesar da superfície florida, o arco narrativo mantém-se na terra, deixando-nos encontrar a comédia por nós mesmos, e interlaçando-a na perfeição com os momentos dramáticos mais intensos, que se sentem perfeitamente orgânicos, muito por culpa do argumento superior de LaGravenese.
Se algum problema pode ser identificado é que se sente ligeiramente longo, arrastando-se no segundo ato, antes do poderoso facelift final, o pathos que interrompe uma festa descontrolada com a pureza inescapável da luz do nascer do dia.
Em todos os departamentos, desde o guarda-roupa, à maquilhagem, passando pela direção artística, o Óscar pode estar fora do horizonte – por questões óbvias de conflito de meios – mas os Emmys dificilmente escaparão ao seu charme.
Nas interpretações, Michael Douglas é deslumbrante naquela que será, sem grandes dificuldades, uma das performances mais dinâmicas do ano. O seu Liberace é a encarnação da contradição, complexo mas infantilmente simples, desejando o amor e ao mesmo tempo a selvajaria sexual de um novo parceiro a cada noite e profundamente dividido pelo desejo de partilhar a cama com Scott e de adotá-lo como filho. Pegar num cartoon de capachinho com uma voz de ET afetado e transformá-lo numa pessoa real – umas vezes gentil, outras cruel – não é tarefa fácil, mas Douglas foi absolutamente destemido e em si Liberace encontra a ressurreição.
Quem não fica atrás é Matt Damon, o verdadeiro protagonista – afinal, “Behind the Candelabra” é contado a partir dos seus olhos. A sua performance de um jovem inocente cuja vida leva uma reviravolta dramática é corajosa, delicada, mais sóbria mas igualmente poderosa e impossível de ignorar, tanto como a de Douglas.
O elenco secundário é também da mais alta qualidade, com performances curtas mas incisivas de Debbie Reynolds, Scott Bakula, Dan Aykroyd e o fabuloso Rob Lowe como o sórdido cirurgião plástico Jack Startz, cuja obsessão pelo ofício e as suas maravilhas lhe conferiram um ar permanentemente drogado numa paródia perfeita aos anos 70 de Hollywood.
Na generalidade da carreira de Soderbergh, a atenção é especialmente dada à sua mestria técnica e a facilidade com que circula entre géneros. Todavia este é um dos seus projetos mais íntimos, humanos e com alma, demonstrando que é, na verdade, um dos realizadores mais completos da sua geração, e uma perda insubstituível - se a sua partida do universo cinematográfico definitiva, como tem assegurado em diversas ocasiões.
Liberace sempre gostou de terminar os seus espetáculos com uma performance arrasante, digna de aplausos intermináveis, algo que o seu público nunca esquecesse. E se, por hipótese, este for o último filme de Soderbergh, temos também a certeza resoluta de que “Behind the Candelabra” foi, de facto, inesquecível.
8.5/10
"I had such a great time working on that movie... I remember what we were doing. I thought: 'This could be fun to see'. And when I saw it... I was a little underwhelmed. For my mind, the studio made some choices that I wouldn't have made. It's kind of fun when the movie's coming out. It's like having a horse in the race. And they're lining up, and they're off! And you're rooting for your horse. And in this case, the jockey fell off the horse and you came in last."
Jeff Bridges, ator (sobre o último filme que protagonizou, "R.I.P.D.")
Honestidade refrescante do nosso "Dude", que vai contra a cassete do costume... a Universal é que é capaz de não ter achado muita graça.