Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Como já vai sendo hábito, começamos a chegar à altura do ano em que afloram tops e mais tops sobre os melhor e pior Cinema do ano. Uma das listas mais conceituadas é até por norma uma das primeiras a aparecer. Falamos, claro está, da Lista dos 10 Melhores Filmes do Ano para a aquela que é por reconhecimento e (quase) definição "A" revista de cinema - a Cahiers du Cinéma.
O TOP de 2012 reflete a audacidade e liberdade que os votantes esperam do Cinema contemporâneo, e apesar de algumas ausências surpreendentes e de peso (talvez a mais gritante seja 'Amour' de Michael Haneke), parece refletir esse ideal na perfeição.
Cahiers Du Cinema - Top 10 de 2012
1. Holy Motors (Leos Carax)
2. Cosmopolis (David Cronenberg)
3. Twixt (Francis Ford Coppola)
4. 4:44 Last Day On Earth (Abel Ferrara)
4. In Another Country (Hong Sang-Soo)
4. Take Shelter (Jeff Nichols)
7. Go Go Tales (Abel Ferrara)
8. Tabu (Miguel Gomes)
8. Faust (Alexadre Sokourov)
10. Keep The Lights On (Ira Sachs)
"Right now we are alive and in this moment I swear we are infinite"
Adolescência. Inescapável no seu alcance, omnipresente no ciclo da vida. Todos já por lá passámos, estamos a passar, ou passaremos.
Tempo da acne. Das guerras com os pais. Das crises de identidade. Das hormonas saltitonas. Da irritabilidade constante. Do inesperado desaparecimento da coordenação corporal. Da revolta. Da irreverência. Do crescimento a pique. Do desenvolvimento sexual.
É sobre isso e muito mais que nos fala uma das estreias da semana, ‘The Perks of Being a Wallflower’, adaptação baseada no romance epistolar homónimo de Stepehn Chbosky publicado em 1999.
O ano é o de 1991, era onde a mixtape substitui o sms na forma mais (im)pessoal de dizer “gosto de ti”, e a história é a de Charlie, um rapaz tímido e solitário que deseja ardentemente que o seu primeiro dia na escola secundária dê uma volta na sua vida pouco feliz. A taxa de sucesso é nula.
Tudo muda, no entanto, com o aparecimento súbito das personalidades coloridas de Sam e Patrick, dois alunos mais velhos e boémios à procura da liberdade no conformismo da adolescência dispostos a deixar Charlie entrar no seu mundo, embarcando juntos num voo alternadamente elevado e rasante da história da adolescência que encapsula graciosamente as complexidades do crescimento de forma graciosa, divertida e compassiva.
Em 1996, Chuck Palahniuk descreveu a insónia no seu romance de ficção transgressiva, “Fight Club”, que “tudo é uma cópia, de uma cópia, de uma cópia”. A mesma linha de lógica poderia ser aplicada a determinados arcos de narrativa, que tão habituados estamos a ver mastigados no Cinema moderno que lhes cheiramos a presença à distância. Eventualmente, e embebidos numa espécie de “zombismo cultural”, chega algo que nos acerta em cheio no estômago e deixa marca.
'The Perks of Being a Wallflower' deixa marca, e deixa-a porque retrata um ciclo tão delicado da vida de uma forma que talvez não fosse vista desde os clássicos adolescentes de John Hughes, onde a cabeça de cartaz é, inequivocamente, 'Breakfast Club'(1985). Marca porque é universal no seu apelo.
Idealmente, e narrativamente falando, o passado de Charlie necessitaria de mais detalhe e reflexão, e o filme acaba por ser vítima de repetição que o tema sofreu ao longo dos anos. Mas colocar “originalidade” na mesma frase que “ritos de passagem” é um caso específico do paradoxo. Se algo não é comum ou generalizado, não pode ser um rito.
'The Perks of Being a Wallflower' é mais um conto de moralidade embutido numa história sobre a angústia de estar preso num corpo (e alma) que já não é de uma criança, mas também não o é de um adulto, e também da saga de um grupo de desajustados que encontram na união a sua máxima força.
O filme de Chbosky (que além de autor do romance, também escreveu o argumento e realizou o filme) revisita, portanto, o género da adolescência escolar sem prescindir de alguns clichés comuns, como a luta no refeitório, o primeiro beijo, ou o professor que faz a diferença. Mas também se diferencia dos demais concorrentes pela sua abordagem intensa e pura, pela sinceridade e talento runido que, juntos, um pouco como o tal grupo de inadaptados, ultrapassa os seus antecedentes óbvios.
O resultado é uma experiência estimulante ainda que frágil, divertida ainda que melancólica, e profundamente real ainda que ficcional.
A realização é levada a cabo com a convicção e preocupação de alguém que conhece profundamente esta história melhor que ninguém. E a banda sonora, tamgém digna de nota, é um mergulho nostálgico com escolhas cool que vão desde The Smiths e David Bowie a Dexys Midnight Runners.
Logan Lerman, mais conhecido pela sua participação em “Percy Jackson”, conta aqui com o seu trabalho mais sólido e agraciável até ao momento dando ao protagonista uma característica de observador nato muito naturalista, que esconde uma alma triste e torturada, em busca da liberdade.
Se existe algum equivalente à apropriação indébita no universo cinematográfico, então Ezra Miller é considerado culpado. O jovem ator que pasmou meio mundo com o diabólico Kevin em “We Need to Talk About Kevin” atua num polo energético oposto aparecendo completamente metamorfizado numa performance inteligente e absolutamente magnética como o colorido Patrick.
Por último, mas não menos importante, Emma Watson não deixa de aparentar ser ligeiramente refinada demais para o papel de bad girl, mas deixa aqui a prova resoluta de que é capaz de deixar de lado a capa e a varinha mágica e embarcar na aventura de outras paragens Muggles.
O restante elenco secundário – onde se incluem Paul Rudd, Kate Walsh, Dylan McDermott e Joan Cusack – é igualmente digno de nota e apreço.
Talvez os problemas destes mini-hipsters não reflitam a vossa experiência na adolescência com qualquer rigor ou semelhança assinalável, mas há uma espécie de genialidade sensitiva na forma como 'The Perks of Being a Wallflower' toma a realidade aumentada do cosmos adolescente, onde todos os microscópicos movimentos têm um significado e uma consequência, e onde um momento íntimo único é capaz de desvendar os mais majestosos segredos escondidos do universo. Como a própria adolescência, é também negro e complexo na exploração da sua profundidade emocional e social.
Mas de alguma forma, a crença que fica é que 'The Perks of Being a Wallflower' não podia nem deveria ser perfeito, porque tal como a fragilidade humana que carrega nos seus 100 minutos, deve ser gretado, ferido, incompleto mesmo, pelo seu posicionamento no macrocosmos da vida. Deve magoar e marcar.
Adolescência. Inescapável no seu alcance, omnipresente no ciclo da vida. Todos já por lá passámos, estamos a passar, ou passaremos.
Tempo da descoberta. Da originalidade das mixtapes. Da imortalidade do ser. Da amizade. Do Amor. Do inifinito da vida.
9.0/10