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"Your dog is aliiive!!!"
Em 1984, um jovem realizador da Walt Disney fez uma curta-metragem live-action que contava a história de um rapazinho recriando a história de Frankenstein ao ressuscitar o seu adorado cão. Dizer que a Disney ficou horrorizada com o produto final é pouco, e o estúdio despediu o cineasta argumentando que gastava demasiado dinheiro a produzir filmes que eram claramente inadequados para crianças.
O filme em questão era Frankenweenie, e o jovem realizador de 26 anos chamava-se Tim Burton.
Quase trinta anos depois, pazes feitas e as partes voltam a reunir-se para recontar a história dos inseparáveis Victor e Sparky, desta vez no formato de longa-metragem.
Eles confortam-se, divertem-se, completam-se. Juntos são a epítome do que a amizade deve ser. No entanto, um dia, Sparky sofre um acidente fatal. Victor fica temporariamente desamparado, mas a perseverança e crença de que fará tudo pelo amigo são mais fortes, e o rapaz recorre aos maiores poderes da ciência para trazer Sparky de volta em toda a sua natureza amorosa, mesmo estando tecnicamente morto… e com partes do corpo que se descosem sistematicamente... um híbrido amigo do ambiente a funcionar à base de energias renováveis, digamos assim. Mas quando Sparky volta a sair à rua, a cidade entra em polvorosa, com várias crianças a tentarem desenterrar também os seus animais de estimação (pelos motivos mais escabrosos), o que poderá trazer consequências monstruosas para todos.
Como os objetos de propriedades magnéticas são atraídos pelo íman, Tim Burton é-o pela eterna história do indivíduo desajustado que lida com um mundo que não o compreende.
Frankenweenie, uma declarada homenagem aos filmes de terror e ficção científica dos anos 30 aos 50, reuniu toda a atenção (e paixão) do realizador depois de uma procissão de remakes impessoais e pouco inspirados – Planet of the Apes (2001), Charlie and the Chocolate Factory (2005), Alice in Wonderland (2010) e Dark Shadows (2012). É verdade que, em rigor, também é um remake, mas é um projeto com o coração no sítio certo, o que, note-se, faz uma diferença abismal.
Burton disse em inúmeras ocasiões que Frankenweenie era um dos seus filmes mais pessoais – Sparky foi inspirado num cão que teve na infância, e não é difícil imaginr o realizador nos recantos deslocados da estranheza de Victor Frankenstein –, e este traz inocência e mocidade a um tema geralmente associado a comportamentos dementes e maníacos, fazendo-se sentir ao mesmo tempo fresco e familiar. ‘Frankenweenie’ está vivo, e da melhor forma possível, sendo que, de alguma forma, podemos dizer que é para Tim Burton o que Hugo (2011) foi para Scorsese.
Num outro plano, tinha passado bem sem a referência algo pejorativa do personagem de origem asiática, e seria ainda mais afetante se lhe aprouvesse dizer algo mais sobre a perda e como lidar com ela. O facto de nunca se aventurar no comentário social parece também uma oportunidade perdida, uma vez que já o vimos acontecer em películas anteriores do realizador. Um discurso algo desconexo por parte de um professor sobre os “velhos do Restelo” que se mantém ignorantes e amedrontados relativamente à ciência e tecnologia e o seu papel nos moldes do futuro é insuficiente e pouco sólido. Mas é quase inútil ser picuinhas e apontar-lhe o dedo quando, na verdade, as crianças nem vão reparar e os adultos não vão querer saber.
Filmado num riquíssimo preto-e-branco (que até faz o 3-D parecer menos irritante e intrusivo), ostenta um design de produção meticuloso e admirável. O detalhe delicado de cada personagem é avassalador. As crianças, que reúnem uma maravilhosa mistura de desajustados, são reinvenções em ponto pequeno das personagens do terror clássico, com detalhes acrescentados que servem o amor do realizador pelo género que o viu crescer. Em teoria, o próprio processo de animação por stop-motion parece perfeito para o enredo em questão uma vez que, simplisticamente, consiste em fotografar bonecos frame-a-frame para criar a ilusão de movimento, “trazendo-os à vida”.
A banda-sonora vivaça de Danny Elfman convém na perfeição a relação entre Victor e Sparky, sendo polvilhada de apontamentos dramáticos deliciosos e ajudando a manter o ritmo acelerado. O elenco de vozes é sublime, com especial nota para as participações dos pequenos Charlie Tahan e Atticus Shaffer, e dos graúdos Winona Ryder, Martin Landau, Catherine O’Hara e Martin Short.
Uma palavra dirigida aos pais é incontornável: apesar de se envergar um rating para “maiores de seis anos”, talvez fosse mais indicado um “maiores de oito anos”, pela componente temática em si e pela presença de personagens com apetência de povoar alguns infundados mas inteiramente compreensíveis pesadelos dos petizes.
Frankenweenie exibe em todo o esplendor aquela que será, por ventura, a maior habilidade de Burton enquanto contador de histórias: a capacidade de misturar a estranheza do macabro com o aconchego dos sentimentos sinceros naquela que é, nuclearmente, uma bonita história de amizade. A nível pessoal, fez-me recordar porque é que admiro tanto o realizador, e a Burton possibilitou a redescoberta da peculiar voz (que andava meio perdida) e que o tornou um ícone dos nossos tempos.
8.0/10