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Se gostavam de saber o que precisavam para se tornar no Batman (além de um rigoroso treino físico e mental) a resposta é dada pelo MoneySuperMarket.com: um super-poder chamado... riqueza.
"Pas de bras, pas de chocolat."
Se as relações românticas estão para o cinema como as desgraças quotidianas estão para o noticiário das oito, por alguma razão que desconheço, e apesar de representar um dos pilares fundadores na vida de qualquer indivíduo são, a amizade encontra inúmeros obstáculos no que ao seu retrato cinematográfico diz respeito, particularmente se se tratar de uma amizade entre dois homens.
No cinema, para o macho ser amigo não chega, e das duas uma: ou nos servem buddy movies regados com ação ou com comédia, muitas vezes e infelizmente de gosto discutível.
Continua a ser um mistério para mim que existam tão poucos filmes que sejam honestos e diretos no tratamento de uma das variações relacionais mais importantes na vivência humana. Felizmente, os franceses mostraram que há uma solução para o problema.
Intouchables baseia-se na história verídica que relata a amizade entre Philippe, um homem que ficou tetraplégico na sequência de um acidente de parapente, e Driss, um jovem dos subúrbios acabado de sair da prisão que é contratado para o assistir no dia-a-dia.
Le Scaphandre et le Papillon meets Driving Miss Daisy, portanto, o que não pretende de todo ser um apontamento pejorativo.
A aversão americana às legendas a ponto de serem quase consideradas inimigas nacionais não impediu que um título simultaneamente muito francês na execução mas relativamente mainstream na sua estrutura fizesse história. Intouchables, a comédia dramática realizada por Olivier Nakache e Eric Toledano, tornou-se o filme não falado em inglês mais rentável da história, e apesar de ter quase 200 filmes falados na língua de Shakespeare à sua frente em ganhos globais, este é um feito que apenas com muito esforço poderá ser ultrapassado.
Em termos de enredo, não vale a pena enganar ninguém: não acontece grande coisa se excluirmos as pequenas voltas e reviravoltas que são estrategicamente colocadas para manter a atenção do espectador quando é mais passível que esta se comece a perder.
O título original (Intouchables) apela muito menos ao sentido narrativo do título do que o português (Amigos Improváveis), que parece largamente mais adequado ao enquadramento. Contudo não é preciso ir muito longe para compreender porque é que cada um dos nossos protagonistas é, de facto, intocável: Philippe pela sua paralisia, e Driss pela classe social.
Ainda antes do início do filme somos informados de que Intouchables é “baseado numa história verídica”, contudo, os seus pontos mais fortes pouco têm que ver com o grau de veracidade factual da mesma, e nesse sentido, fica o conselho: não percam o sono por causa das divergências. Driss poderia ser de qualquer raça, etnia ou nacionalidade. Não faria qualquer diferença, uma vez que o núcleo duro de Intouchables é a forma como ele e Philippe se unem enquanto seres humanos, sem olhar a outras superficialidades.
Sem se tornar um clássico contemporâneo – pelo menos para já – é um olhar simples e enternecedor sobre a génese e o desenvolvimento de uma amizade verdadeira e que nos deixa a questionar no vazio a razão pela qual não existem mais filmes como este.
Os realizadores/argumentistas Olivier Nakache têm especial atenção à caracterização das personagens, pondo de parte os clichés (ainda que o tratamento do choque cultural entre ricos e pobres seja um pouco rude) para encontrar o núcleo de dois homens que estabelecem uma relação emocional aparentemente impossível.
Omar Sy interpreta Driss, e pela performance chegou a levar a melhor sobre Jean Dujardin nos Césares – para os mais distraídos, são os Óscares franceses – e tornou-se o primeiro negro a levar o referido galardão para casa. Mais que justificado: poderosíssimo nos momentos dramáticos, Sy brilha inequivocamente quando lhe é permitido dar azo à sua veia humorística descontraída e com o carisma maior que a vida, retratar na perfeição a exultação máxima do espírito humano: a mais pura manifestação de joie de vivre.
François Cluzet é instigante na performance cheia de nuances de um homem apesar de só conseguir expressar qualquer tipo de sensação do pescoço para cima é inteligente, compassivo e sobretudo humano.
A camaradagem é excecional o que é, no fundo, essencial num filme cuja relação retratada é não só essencial para construir o significado do todo, mas também a razão única para a sua existência, sendo assim a única coisa que precisa de estar bem oleada e funcionar bem para que o resto resulte.
O elenco secundário, encabeçado exemplarmente por Anne Le Ny, rodeia a dupla principal agilmente.
A análise das diferenças entre classes é condescendente e grosseira (não estou certa que precisássemos, por exemplo, de ouvir Ave Maria de Franz Schubert enquanto Driss se encanta com uma casa-de-banho gigante que se opõe ao cubículo apertado que partilha em casa com meia dúzia de irmãos), mas ainda apesar do sentimentalismo e da inegável natureza formulaica (mais difundida pelos ideais cinematográficos norte-americanos) há algo em Intouchables que se convulsa para transcender o cliché – o seu retrato da intimidade entre dois homens cujos orgulho e alegria de viver foram roubados por dois enquadramentos muito distintos.
Com destino carimbado para as audiências mais maduras (apesar da minha crença de poder ser apreciado pelos mais jovens), esta é uma história sólida, regada com performances extraordinárias e sem um único condimento apelando aos efeitos visuais ou 3D. É aquele tipo de filme que inspira a proliferação do word-of-mouth através da linguagem universal do choque cultural.
A box office é dominada por dois tipos de filmes muito claros: os blockbusters tão caros que fazem corar quem se aventura a adivinhar o seu orçamento, e os mais raros filmes surpresa, que surgem de nenhures para abanar a competição. Intouchables é um desses filmes despretensiosos, mas que mesmo assim alcançam um sucesso que nada menos é do que espantoso e, em certa medida especial: porque este tipo de magnetismo está normalmente confinado a contos fantasiosos, invasões aliens e super-heróis.
Saber que uma das mais honestas manifestações da capacidade de amar pode lutar pela nossa atenção ao lado de colossos como estes é uma reafirmação análoga da crença de que, afinal, até somos uns tipos com bom coração.
8.0/10
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