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Lembro-me perfeitamente do entusiasmo que sentia há exatamente quatro anos.
Pode parecer excessivo dizer que sentia um formigueiro pelo corpo, mas a verdade é que ele estava lá. O nervoso pelo novo projeto era incontrolável, e o desejo de partilhar cada vez mais tem saudavelmente crescido, sem interrupções de querer (ainda que por vezes as obrigações maiores terem sido entraves).
Hoje, quatro anos depois de ter decidido criar o Close-Up, sinto-me uma pessoa mais feliz e realizada. Não porque deixo uma "marca", mas porque sinto-me hoje uma pessoa mais persistente nas lutas que trava, e o que fica é, ou parece-me ser, uma carta apaixonada à coisa que mais amo na vida - com exclusões familiares e que tais, claro - o Cinema. Essa arte capaz de encapsular todas as outras.
Quanto a este espaço, manterá as convicções que sempre quis defender: a de ser um espaço exclusivo à discussão da sétima arte, onde só aparecerá quem assim o desejar, apenas e só pelo que o blog tem de oferecer, sem nunca recorrer a outro tipo de incentivos - claro está, absolutamente nada contra parte dos meus colegas bloggers que o fazem, que só merecem, devem confessar, a minha maior admiração. A eles também, especialmente mas não só aos meus colegas do Círculo de Críticos Online Portugueses, o meu muito obrigada pelo apoio ao Close-Up, mas especialmente pela dedicação inequívoca ao Cinema, que tanto precisa de nós, e cada vez mais.
Fica também devido um agradecimento ao SAPO, pelo apoio de divulgação e ajuda tão pronta nas alturas de maior sufoco - nunca por um momento achei que podia ter criado o Close-Up em melhor casa.
Obrigada a todos de vocês que continuam a visitar, com maior ou menor assiduidade, e a contribuir, sempre que possível também, com a vossa visão dos factos. É também isso que faz tudo isto valer a pena, e que faz o Close-Up ser muito mais do que um projeto meu, mas nosso.
Por fim, o agradecimento à família e amigos, que foram como sempre serão o maior pilar das alturas difíceis, e o "fã incondicional" em todos os momentos. A todos e especialmente a ti, I., o meu obrigada, por nunca me deixares vergar.
A única promessa que vos deixo é que esta aventura está longe de acabar, e muita coisa, muito Cinema há-de ainda ser partilhado, com a mesma dedicação, senão sempre maior.
Obrigada, e bons filmes.
Catarina d'Oliveira
A proposta de lei do cinema apresentada pelo Governo foi aprovada ontem no Parlamento, com o votos favoráveis de PSD, CDS/PP e PS e a abstenção do Bloco de Esquerda, PCP e Verdes.
Ainda no que respeita à lei, está previsto um outro avanço muito desejado no cinema português: um plano de cinema para as escolas onde, à semelhança do que acontece no Plano Nacional de Leitura, os alunos terão uma lista de filmes portugueses para ver.
Fontes: Sol, Renascença, Público.
"I love you but you have no idea what you are talking about."
O panteão dos grandes pares românticos encabeçado pelos eternos Romeu & Julieta prepara-se para acolher os seus mais recentes integrantes: em todo o seu esplendor, apresentamos Sam & Suzy, os fugitivos apaixonados de uma das histórias de amor mais puras do cinema contemporâneo: Moonrise Kingdom.
Suzy e Sam são duas crianças de doze anos prestes a descobrir a ponta do icebergue da aventura amorosa. Cada um tem a sua estranheza inocente, sendo ambos indivíduos que não se enquadram na totalidade da pintura que integram. Um dia, durante uma produção teatral da escola da “Cheia de Noé”, a faísca do amor é lançada, até ao dia em que inúmeras palavras trocadas no papel de uma carta culminam na fuga conjunta.
Sam foge dos Escuteiros Khaki, onde é um excomungado apesar das habilidades exemplares; Suzi foge do casamento em rutura dos pais. A estrutura é a de um conto de fadas: Sam é um Peter Pan cujas aptidões visam única e exclusivamente a proteção da sua Bela Adormecida resgatada do castelo do mal, e tudo isto se desenrola enquanto a comunidade adulta da pequena ilha se convulsa na sua procura.
Moonrise Kingdom, que podia muito bem ter-se chamado “Guia do Amor para Crianças”, é largamente contado sob o ponto de vista das crianças e a partir da forma como elas veem o mundo.
Estilizado até ao tutano, projetado até ao mais ínfimo detalhe e impassível por todo o caminho percorrido, Moonrise Kingdom é inequivocamente um filme de autor, e esse autor só poderia ser, neste mundo ou noutro, Wes Anderson.
Como o icónico crítico Roger Ebert questionou, “haverá sítio mais entusiasmante para uma ideia nascer e florescer do que na mente de alguém como Wes Anderson?”. Dificilmente.
Anderson é alguém que vê o mundo alegremente desbotado, um mundo onde os livros de capa rija ainda não deram lugar aos Kindles e Ebooks desta vida, e onde as crianças, desgarradas desses inventos tecnológicos tantas vezes macabros, têm a possibilidade de ser verdadeiramente inocentes.
Esta ode destrambelhada à intensidade do primeiro amor é um projeto de descoberta constante e fascinante para o espectador – o detalhes são de requinte tal que não podem ser de forma alguma ignorados.
O argumento foi escrito pelo próprio Anderson em parceria com Roman Coppola, e que argumento! Versando sobre a forma como o Amor nos verga e o quão complicado pode ser, coexiste num universo de personagens excêntricas e cenários capazes de aquecer os corações de uma sala inteira.
O objeto pode ser aparentemente pequeno, mas Anderson amplifica o core emocional para que a audiência se afete cada vez mais pelo destino deste casal predestinado. A “imaturidade” de Anderson representa aqui um papel crucial, e nunca num mau sentido. Ao mesmo tempo que o realizador reconhece que estes personagens foram profundamente feridos pela vida, mantém a crença de que o Amor pode ser o seu salvamento último.
O otimismo de Moonrise é do mais cristalino que pode existir, porque é aquele que sobrevive mesmo quando nem tudo corre bem, e que aprende a coexistir com a tristeza e a dificuldade. A melancolia que acompanha Moonrise Kingdom está muito ligada à inveja sentida pelos adultos desesperados pelo regresso dos heróis. O que fica é a saudade inabalável do descuido, da inocência, do amor e da liberdade da juventude.
A banda Sonora, que alterna entre maravilhosas composições de Alexandre Desplat, pedaços escolhidos a dedo de “The Young Person's Guide to the Orchestra" de Benjamin Britten e outras peças musicais, que se unem à narrativa de forma homogénea, quase como a sua segunda voz.
A fotografia a 16mm de Robert Yeoman – que tantas vezes faz lembrar um diorama ou um postal gasto pelo tempo - é material retirado de um sonho: as florestas, os panoramas oceânicos e as paisagens míticas da ilha de New England são reconfortantes e infinitamente convidativas, na sua coloração dourada simplesmente deliciosa.
Do fundo dos óculos fundo-de-garrafa, Jared Gilman é glorioso como Sam, enquanto Kara Hayward é absolutamente desoladora. Juntos, estes garotos de doze anos interpretam garotos de doze anos, e por mais simplista que esta assunção possa parecer, penso que o momento em que se permitirem deitar os olhos sobre este título irão compreender do que vos falo. Além de que é incrivelmente saboroso observar dois jovens que não foram esculpidos até à exaustão para parecerem integrantes do Clube Disney.
O resto do elenco é um caso extreme de foras-de-série: Bruce Willis relembra-nos que também sabe representar, Edward Norton é surpreendente como o líder dos Escuteiros, Bill Murray (um habitué de Anderson – fez seis dos sete filmes do realizador) oferece-nos um Walt cheio de nuances de tirar a respiração incorporando uma espécie de Homer Simpson a antidepressivos, Frances McDormand é exímia na linguagem corporal que transmite, e para não nos alongarmos até todos os participantes, Tilda Swinton, como a personagem que mais perto nos surge de uma vilã nesta trama, com uma representante dos serviços sociais maléfica que, ironia das ironias, se chama Serviço Social.
O Cinema de Anderson sempre foi caprichoso e extravagante, mas Moonrise Kingdom tem a si associada uma natureza deliberadamente travessa, uma teatralidade aparentemente pouco natural que pode, a modos de má vontade, ser considerada asfixiante. Intendendo implicar, qualquer um pode dizer que esta ilha de desajustados é um manifesto alheamento do mundo real, mas para todos aqueles de nós, verdadeiros aventureiros do dia-a-dia, que guardamos religiosamente o mapa secreto da procura da felicidade numa caixa de sapatos debaixo da cama, esta “fonte da juventude” representa uma alegria que não poderá nunca ser eclipsada.
À falta de melhor analogia, é como uma road-trip às lembranças do passado, que nos permite abrir a janela do carro, por a cabeça de fora, e respirar fundo o ar puro da montanha até os pulmões encherem. E quando, ao expirar, os olhos se reabrem ao mundo, tudo o que existe é um sentimento de inexplicável e imensurável libertação.
9/10