Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
"Big things have small beginnings."
Como todas as artes, o Cinema gera reações subjetivas. Mas penso que não estaríamos a ultrajar muita gente se disséssemos que Alien (1979) é um clássico inquestionável. Durante mais de 30 anos a sua inesquecível tagline – "no espaço, ninguém te vai ouvir gritar” - ecoou pelas mentes da audiência: estávamos perante marco no cinema de ficção científica.
Por mais tentador que seja, um regresso ao passado representa riscos incalculáveis, e exemplos vivos mostraram que o destino desastroso é uma estrada fácil – e não, não vamos elaborar muito sobre a amálgama de pedaços do imaginário que Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull esmigalhou sem dó nem piedade em 2008.
Prometheus, que dificilmente poderia projetar maiores expectativas, é um salto no tempo, e apesar de deixar muitas questões a pairar, deixa uma verdade irredutível – o espaço como uma segunda casa de Ridley Scott.
Tentando sumarizar o enredo provocador, seguimos uma equipa de exploradores que acordam de uma viagem de dois anos numa nave que partira à procura da origem da existência humana nos cantos mais recônditos do universo. E porque não queremos estragar nenhuma surpresa com spoilers mal-vindos, só podemos assegurar que quando o ponteiro da intensidade aumenta, o realizador inglês consegue infundir frescura em algumas das pistas essenciais de Alien.
O nome da nave que seguimos bebe inspiração na história da mitologia grega onde o deus Prometeu, assaz defensor da humanidade, roubou o fogo de Zeus e meios de vida para os dar aos mortais. Enraivecido, Zeus enviou para a terra Pandora, cuja caixa estava cheia de maldade e terror, enquanto Prometeu foi castigado ao tormento eterno. Estas referências mitológicas ecoam por todo o filme, ainda que nem sempre da forma mais convincente e eficiente do ponto de vista narrativo e filosófico.
A estrutura e o core temático bebem muito da ópera de ficção de 1968 de Stanley Kubrick, 2001: A Space Odyssey, e de uma forma alegórica, Prometheus relaciona-se também com Melancholia de Lars Von Trier e The Tree of Life de Terrence Malick, dois filmes que tiveram muito a dizer sobre a origem e o destino da vida, e sobre o papel do Homem no mundo.
As ambições filosóficas são, assim, tão grandes como as técnicas: não raras vezes somos confrontados com ideias desafiadoras sobre a origem da vida, sobre o criador e a criação, sobre a evolução e o criacionismo, sobre a fé e a ciência e sobre as próprias relações humanas. Sem que nos aventuremos pela análise dos significados vários de Prometheus – o que além de muito espaço, requereria também muitos spoilers – é feita uma justaposição entre temas e dicotomias cuja discussão já data de há muitos mais anos do que as palavras num documento podem atestar.
Para quem é adepto de analogias culinárias, poderíamos muito bem dizer que Prometheus é um robusto cozido à portuguesa. Cada elemento – essencial para o resultado final – tem uma personalidade própria, e é a mescla de todos os ingredientes (ideias) que fazem dele um vigoroso exercício filosófico com ação e terror à mistura.
E são estas questões primordiais que lhe dão ainda mais alcance e ambição do que os filmes onde bebe inspiração. O facto de muitas respostas não serem dadas não é, a meu ver, um problema, porque o foco está exatamente na procura e na formulação de questões. Questões essas para as quais talvez nunca encontremos resposta.
O maior erro, parece-me, é que o factor prequela se deixou enterrar demasiado nos labirintos subconscientes da audiência. Porque tomar Prometheus simplesmente como a prequela direta da Alien – algo que Ridley Scott tentou afastar suavemente dizendo que ambos os filmes partilhavam apenas o DNA – tanto lhe retira significado como capacidade de expressão. A irresistibilidade de Alien assentava na sua pureza de uma “casa do terror perdida no espaço”. Prometheus joga num outro campeonato – não melhor ou pior, mas diferente. E apesar de ter inegáveis pontos de ligação com Alien, reduzi-lo a prequela parece-me quase lesivo.
A única frustração que Prometheus oferece é no argumento, que partilhando tanto do DNA de Alien, como da série televisiva Lost (afinal, Damon Lindelof foi um dos argumentistas), acaba por aglutinar mais ideias e provocações temáticas do que aquelas que seria possível digerir em apenas duas horas.
Mas se as ambições narrativas deixam um pouco a desejar, Ridley Scott e companhia compensam no design e no espetáculo visual majestoso. Desde as naves, aos planetas, ao guarda-roupa, às estruturas, aos engenheiros, às tecnologias… tudo tresanda a, mais que estado de arte, a futuro.
A banda sonora de Marc Streitenfeld presta, também ela, uma apaixonada homenagem à saga Alien – adquirindo especial pungência nos momentos mais intensos. A fotografia de Dariusz Wolski molda-se eximiamente no design impressionante baseado nas ideias originais de H R Giger – e que bem incorporado está o design de Alien e Aliens.
Ainda não foi desta que o 3D me convenceu, mas pelo menos é usado de forma pensada e continuada, acrescentando profundidade à imagem e um fascínio peculiar às cenas holográficas.
O core tríptico do elenco é um dos alicerces do título.
Noomi Rapace já começa a ser sinónimo de performances poderosas de mulheres fortes, conseguindo afastar definitivamente o fantasma de Ripley (que será, contudo, para sempre insubstituível) numa das cenas de primeiros socorros mais violentas da história do Cinema, aquela que será icónica e intemporalmente considerada “a cena”, e que todos reconhecerão quando chegar a altura.
O androide de Michael Fassbender será, por ventura, o único que terá a possibilidade de fazer sombra à heroína de Rapace. O ator germânico constrói um personagem fascinante com uma agenda desconhecida que tem uma textura profunda.
Por fim, Charlize Theron, num twist de “rainha gelada”, traz-nos uma Meredith Vickers enigmática e cheia de questões motivacionais cruciais.
Aceitando as suas pequenas quezílias de ritmo e algumas escolhas creativas questionáveis, Prometheus é um espetáculo monumental, que pode ter no tempo e no amadurecimento o reconhecimento como ícone de uma era no tempo. Esperar um filme na senda de Alien seria, à partida, uma sentença e uma redução – primeiro, porque seria uma impossibilidade competir com o status do original, segundo, porque Prometheus merece ser recordado, mesmo na sua existência imperfeito, como algo mais do que uma prequela, como um filme que ousou questionar a nossa origem e que trouxe uma resposta que mesmo insuficiente ou ambígua, é inegavelmente fascinante.
Talvez seja o caso de uma frustração que é talvez a mais deceptiva: aquela que existe porque estivemos a um mero passo da glória total.
"How far would you go to get your answers?"
8.5/10
Ainda hoje devemos ter novidades sobre isto... mas para já, fica um cheirinho!