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Point-of-View Shot - The Hunger Games (2012)

por Catarina d´Oliveira, em 16.04.12

 

"Hope: it is the only thing stronger than fear."

 

Num futuro não muito distante, os E.U.A. sucumbiram a secas, guerras, fogos e fome, e deram lugar a Panem, uma nação dividida em 12 Distritos governados pelo Capitólio, uma espécie de Cidade de Oz “on crack”, populada por Marie Antoinette’s wannabes que assaltaram uma coleção de Alexander McQueen. Para entretenimento da “nobreza” e lembrança da situação de submissão dos fracos, todos os anos se realiza uma competição onde dois representantes de cada distrito se enfrentam até à morte numa arena vigiada por uma produção “à Big Brother”. Estes são os Jogos da Fome.

 

Buscando muita inspiração no romance japonês "Battle Royale", The Hunger Games é uma alegoria ao totalitarismo e à cultura da reality tv que se diferencia dos seus “concorrentes” diretos (sagas de Harry Potter e Twilight) por se manter no domínio do real – aqui não há super-poderes ou magia, apenas super-tecnologia. Mas esta é também uma história de esperança, de sobrevivência, e de um amor duplamente condenado – afinal, é dirigido à grande massa teen habituada a blockbusters com amores difíceis.

 

Mas a verdade é que, mesmo dentro do universo jovem a quem manifestamente se dirige, The Hunger Games é uma saga muito mais complexa do que à primeira vista nos pode parecer. De facto, os temas abordados são de uma emergência extrema, pelo que dedicar-lhes algumas linhas desta análise não só me pareceu correto como imperativo. 

 

 

Claros como a água são os temas diretos da Pobreza e da Fome que abalam os 12 Distritos governados pelo Capitólio. Estes dois problemas graves que afetam praticamente toda a população do Panem (sim, há distritos mais privilegiados que outros, logo também temos uma estrutura de classes bem visível) nascem da opressão exercida por um Governo que deve muito às políticas ditatoriais que, infelizmente, a história do mundo tão bem conhece. Um dos instrumentos que se vê aqui replicado é a propaganda que tem no vídeo mostrado antes da Ceifa o seu expoente máximo de demonstração, querendo sempre passar a ideia de um Capitólio bem-feitor, que apenas deseja o bem do povo que governa, mas que também funciona como uma forte alfinetada de lembrança do poder totalitário do Governo, e de que todo e qualquer desafio à autoridade será punido.

 

A Guerra é outro dos temas abordados, e intimamente ligado aos referidos no último parágrafo. O sentimento que fica é que paira sempre no ar: seja porque foi a partir dela que os Estados Unidos se reorganizaram nos 12/13 Distritos do Panem, seja porque parece que existe no ar uma tensão eminente, que fará uma nova revolução por parte dos reprimidos rebentar a qualquer momento.

 

A exploração da “cultura Big Brother” é outro dos temas mais interessantes da saga. Porque cruzar os pensamentos de que civilizações antigas já se divertiram às custas de combates até à morte e a cultura degradante de reality tv que é cada vez mais o pão nosso de cada dia, não nos deixa muito longe daquele que é o centro de The Hunger Games. Devemos começar a preocupar-nos?

 

 

Sustentando todo o enredo temos depois as questões da moralidade – seja relacionada com a decrepitude de toda a envolvência dos jogos, da amoralidade do Capitólio, ou até das decisões complexas de cada tributo durante os Jogos – e da esperança – que reside, com pouca luz é certo, no coração de todos os reprimidos e que ganha nova forma sob a forma de Katniss Everdeen durante dos Jogos.

 

Depois há, claro, o triângulo amoroso, que é ainda a única razão remotamente concebível para sequer pensar em colocar Twilight e Hunger Games na mesma frase, e que é também um dos maiores chamarizes para a massa adolescente. Ainda assim, e esta foi para mim uma boa surpresa, o romance acaba por ter um relevo muito mais secundário no filme do que no livro, o que acaba por se adequar mais à sua situação “fabricada”. De qualquer forma, e da maneira que a cultura televisiva evoluiu, não era de estranhar que o trio acabasse num episódio da Oprah ou do Dr. Phil a tentar resolver as suas diferenças.

 

O filme divide-se claramente em dois atos: antes e durante os Jogos, e por incrível que pareça, é a primeira parte que surge como a mais cativante e que nos introduz de forma geralmente exemplar ao universo distópico de Suzanne Collins.

 

 

Já a segunda metade, que, sublinho, não está mal executada, surge como uma secção extremamente segura, e que impede o filme de voar e sobreviver à passagem do tempo, como apenas poucos conseguiram. The Hunger Games não tentou aproximar-se de um público mais adulto apesar de se ter tentado distanciar do registo mais teen do livro. As opiniões dividir-se-ão, decerto, mas creio que todos nós e o Cinema teríamos saído destes Jogos mais ricos se Gary Ross, o realizador, tivesse escolhido arriscar mais. A classificação necessária do PG-13 ditou a moderação.

 

Mas o que este rating fez de mais grave foi eliminar a gravidade inerente ao enredo – o que temos é um filme tímido que surge de um conceito ousado e que transpira terror humano. O grande problema é que, no final de contas, todos saímos da sala aliviados pela vitória do “bem” e satisfeitos com um bom filme, mas completamente impassíveis face a uma chacina de adolescentes, o que não deixa de ser um bocadinho preocupante.

 

 

Devemos, ainda assim, dar crédito a Gary Ross por ter pelo menos lançado um bom vislumbre aos vários temas que Collins aborda nos seus livros. The Hunger Games é uma transferência sólida e honrosa do universo literário, e temos de lhe dar o inescapável crédito de ter encontrado a protagonista perfeita – Jennifer Lawrence que nos oferece um upgrade da sua inesquecível Ree em Winter’s Bone e uma heroína feminina por quem dá realmente gosto torcer.

 

Já agora, o resto do elenco é, de uma forma geral, exemplar, desde o sempre prazeroso Stanley Tucci a um Woody Harrelson que faz o equilíbrio perfeito entre mentor paternal e alcoólico desgarrado.

 

Do meu ponto de vista, Peeta nunca foi um personagem interessante – eu gosto do rapaz, mas personagens que nos movem mais por pena do que por outra coisanão me apelam muito, e o filme ainda veio exacerbar mais essa questão. Além de que o moço parece que precisa de uma injeção de adrenalina para acordar…

 

 

Ao contrário de outras célebres adaptações cinematoráficas, a verdade é que, do alto das suas duas horas e vinte, The Hunger Games acabou por não ver muito do seu conteúdo de fora do ecrã, apesar de ter chegado para algumas escolhas bastante questionáveis – como a alteração à cena das bestas que perseguem Katniss e Peeta, que traria uma outra dimensão do total aproveitamento e abuso do Governo do seu povo, mesmo depois da morte; assim tivemos apenas um vislumbre do que seria afogar meia dúzia de pit bulls numa piscina de esteroides.

 

Ross pareceu-me, em muitas instâncias, algo descuidado. A urgência do livro está algo ausente do filme e aqui nem é tanto uma questão de comparação, mas uma questão lógica: estes miúdos não só têm de lutar até à morte como têm de sobreviver às condições da Natureza artificial da arena… e a verdade é que, além das lutas e das duas intervenções directas dos produtores dos Jogos, nunca ninguém parece muito subnutrido, ou desidratado, ou cansado sequer.

 

O trabalho de camara e de efeitos visuais também não me impressionou, especialmente tendo em conta o orçamento chorudo da produção. No primeiro caso, Ross pareceu-me bastante incerto no estilo, especialmente nos minutos iniciais que nos oferecem planos tremidos completamente infundados, e falhou redondamente em deixar a sua impressão digital no título (se é que tentou). A montagem também não ajudou à festa, parecendo-me excessiva. No segundo caso, os efeitos foram, em momentos cruciais, bastante desapontantes: o melhor exemplo que me surge na memória é o desfile de tributos no Capitólio, onde Katniss recebe pela primeira vez o cognome de “rapariga em chamas” mas que se traduz numa versão cinematográfica do acontecimento algo risível e pouco impactante.

 

 

Apesar de todos os meus desabafos, não se deixem enganar: às vezes somos picuinhas com filmes não porque não gostámos deles, mas exatamente porque gostámos... talvez apenas não o suficiente porque nos vimos a braços com potencial desperdiçado. Este é um dos casos. The Hunger Games, tem qualidades imensas e funciona otimamente como filme – sem substituir nunca o livro, existe de forma bastante harmoniosa e explicativa para quem não tiver curiosidade de o ler.

 

Mas o momento em que o dinheiro trinfou sobre as possibilidades imensas do enredo foi, para mim, uma grande infelicidade. Porque, na minha visão, isto não são apenas Jogos, ou romance, ou entretenimento. É, ou neste caso infelizmente, poderia ser, uma experiência humana arrebatadora.

 

 

8/10

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