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The Iron Lady estreia esta semana nos Cinemas portugueses, e com ele chega uma nova lição de como habitar um personagem por Meryl Streep. Adicionalmente, e porque desta vez falamos da interpretação de uma das mais icónicas damas inglesas, Streep oferece-nos o seu melhor sotaque inglês, completamente irrepreensível.
A construção de um personagem é um processo extremamente complexo, individual e, quando bem feito, demorado. Partimos do geral para o particular, e conforme o tempo e a convivência com o mundo da personagem aumenta, aumenta o conhecimento do detalhe e do pormenor até chegar às características primárias mais características. A fala e a forma como dizemos as coisas é um dos mais importantes instrumentos de um actor. De aulas intensivas de dicção à procura do tipo de voz certa, a oralidade pode tornar-se um trunfo ou uma maldição.
É verdade que o que não falta neste mundo são actores, mas como tive oportunidade de explicar num artigo passado (que podem ler aqui), em Hollywood vale tudo menos falar em língua estrangeira… porque isso ia implicar ler legendas, e é chato. Portanto, toca de mandar os actores fazer o sotaque desejado e está assunto arrumado.
O problema que surge é, no entanto elementar: por casa actor que passa bem entre as gotas da chuva, há 50 que assassinam um dialecto por completo. Ùmas vezes até dá para rir, mas outras parecem choques eléctricos directamente aplicados do cérebro.
Hoje partilho convosco algumas daquelas que são geralmente consideradas as mais tristes tentativas de sotaques em Cinema, e o mais engraçado é que a maior parte delas até vêm de bons actores... Sublinho ainda que todas terão vídeos, sendo que algumas pérolas foram deixadas de fora justamente por não terem vídeos que lhes fizessem justiça.
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Ofensor, Filme (Ano): Angelina Jolie, Alexander The Great (2004)
Origem: Los Angeles, Estados Unidos da América
Sotaque desejado: Ainda estamos para saber.
Análise dos factos: Alexander The Great é só por sim um fenómeno cinematográfico único, devido à quantidade de momentos “WTF?” que em si encerra, desde as pauladas que dá sem misericórdia nos livros de história até ao facto de Angelina Jolie interpretar a mãe de Colin Farrel. Mas tudo isto não consegue diminuir a grandeza do sotaque indistinto que Jolie aplica repetidamente às suas falas. Temos de dar o desconto, uma vez que é a única a tentar um sotaque que realmente se aplique à personagem, entre a amálgama de tentativas britânicas, arábicas, eslávicas ou inexistentes do restante elenco. Se calhar, se todos falassem assim, a coisa até ficava bem. Mas sendo só ela… é simplesmente... esquisito.
Pérola das Pérolas: “Névérr will dere be an Álegzander like you. Álegzander De Grret” – Ahoy!
Prova do crime:
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Ofensor, Filme (Ano): Keanu Reeves, Dracula (1992)
Origem: Nascido no Líbano; nacionalidade Canadiana.
Sotaque desejado: Inglês.
Análise dos factos: Quero por favor avisar qualquer possível fã de Keanu Reeves que é melhor passar esta parte à frente porque não vai ser simpática. Se há carreira que eu nunca vou compreender o sucesso é a de Keanu Reeves. Às vezes acho que uma porta conseguia ter conversas mais sentimentais comigo do que ele consegue ter com qualquer outra pessoa num filme. Eu nem sei bem se Reeves deveria aparecer nesta lista. Ele nunca vai conseguir fazer um sotaque britânico, irlandês, chinês, o que seja. Nunca. Isto porque o moço só sabe interpretar personagens que não demonstrem qualquer tipo de emoção ou presença física, o que limita em muito as suas opções. E aqui coloca-se a questão: quem é que, com dois palmos de testa, lhe vai dar um papel onde, ainda por cima, tem de alterar a forma como fala? E o mais grave é que o fizeram mais de uma vez.
Pérola das Pérolas: “25th May, Biiudapest” – sempre a conhecer sítios novos. Thanks Keanu.
Prova do crime:
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Ofensor, Filme (Ano): Kevin Costner, Robin Hood: Prince of Thieves (1991)
Origem: Califórnia, Estados Unidos da América
Sotaque desejado: Inglês.
Análise dos factos: Vamos esclarecer uma coisa: o Robin Hood era inglês. Uma vez que já dissipámos dúvidas, podemos investir-nos num dos casos mais dramáticos da história dos sotaques cinematográficos. O próprio Costner sabe que fez borrada, já que nos comentários do DVD se apressou a justificar que não teve tempo para dominar o sotaque. O maior problema é que esta deve ser uma das abordagens mais preguiçosas de sempre, onde um esforço muito ténue só se nota no primeiro acto do filme. Para piorar as coisas, o Sheriff de Nottingham é interpretado pelo fantástico e muito inglês Alan Rickman. Por uma vez na vida, era de desejar que o Sheriff lhe desse uma bolachada só para não termos de o ouvir.
Pérola das Pérolas: Nem dá para reproduzir.
Prova do crime:
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Ofensor, Filme (Ano): Sean Connery, em qualquer filme onde não possa ser Escocês
Origem: Edimburgo, Escócia
Sotaque desejado: Irlandês, Russo, Egípcio, Árabe…
Análise dos factos: Sean Connery é certamente um dos actores mais carismáticos vivos, é pena que tantas vezes faça escolhas profissionais infelizes, especialmente aquelas que trazem sotaques no pacote. Aí então é a desgraça total. Até o seu papel em Untouchables galardoado com um Oscar deixa muito a desejar no departamento dos sotaques – os senhores da Academia não deviam olhar para essas coisas na altura – o que vale é que ainda dá para umas gargalhadas. Além desse, tivemos ainda os casos célebres do aterrador sotaque espanhol (?) em Highlander e do horripilante sotaque russo em The Hunt for Red October.
Pérola das Pérolas: "He shendsh one of yoush to the hoshpital, you shend one of hish to the morgue!" – ao menos é escocês desde a espinha à ponta dos cabelitos.
(Uma das) Prova(s) do crime:
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Ofensor, Filme (Ano): Nicholas Cage, Captain Corelli's Mandolin (2001)
Origem: California, Estados Unidos da América
Sotaque desejado: Italiano
Análise dos factos: Confesso que me lembrei deste belo exemplar enquanto pesquisava algumas listas relacionadas com o tema que hoje vos trago. Acredito que tenha recalcado tal memória, e por isso não me surgiu espontaneamente o sotaque atroz de Nic Cage em Captain Corelli. Não que os outros actores façam um trabalho exímio, mas Cage destaca-se pela negativa, não só com uma tentativa que se vê pensada a cada linha de diálogo, mas que coloca a importante questão: será que os italianos fazem gestos com as mãos em todas as frases? Segundo Cage, que até tem descendência italiana, parece que sim.
Pérola das Pérolas: “Quick get da gane, somebódy shut him, shut him!” - mas os gestos com as mãos falam por si.
Prova do crime:
(continua amanhã)
Ontem foi um dia especial. Ontem foi o dia em que, descontraidamente, os indicados da Academia (à frente e atrás das câmeras) se reuniram para o almoço anual dos nomeados, o Luncheon. E há decerto, imagens a guardar na memória. Aqui ficam algumas.