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"If you can love your enemy, you already have victory".
O Mississipi é o estado mais conservador dos Estados Unidos. Pelo menos é essa a opinião geral… mas é também o resultado de uma sondagem levada a cabo aqui em Fevereiro de 2011.
E porque é que é importante esclarecer este facto logo no início desta crítica? Porque hoje vos vou falar um pouco de The Help, um drama passado justamente no Mississipi, mais precisamente em Jackson, na década de 60.
A nossa protagonista é Skeeter, uma rapariga vivaça que acabou de terminar o curso universitário e que tem um sonho diferente de muitos dos seus pares que só ambicionam uma vida doméstica de sucesso. Ela quer ser escritora.
Mas Skeeter não é uma dessas mulheres que perde tardes no clube de Bridge ou a organizar eventos hipócritas para ajudar as criancinhas de África. Não. Skeeter, cujo nome tem a curiosa porém perspicaz tradução em português de “mosquito”, vem atazanar o conservadorismo tipicamente americano desta capital de estado. Atazanar no bom sentido, claro. O que Skeeter deseja é justiça; por isso decide pesquisar e entrevistar as mulheres negras cuja vida é passada a cuidar dos filhos dos outros, que é como quem diz, dos brancos.
É um passo arriscado, perigoso mesmo. Mas Skeeter acaba por reunir forças de mulheres com muito para desvendar e que terão de enfrentar profundas raízes racistas e irmandades quase diabólicas antes da chegada de uma mudança de paradigma.
Se este elenco não fizer furor durante a awards season, não sei quem fará. Viola Davis é sem dúvida a alma e coração destas serviçais. Depois de despertar para o mundo em Doubt, The Help trás a confirmação: temos Actriz com “A” grande.
E depois há a fabulosa Emma Stone, que apesar de parecer interpretar sempre variações do mesmo personagem (não digo com isto que ela é má ou que não gosto dela, muito pelo contrário!) é simplesmente irresistível, a hilariante Octavia Spencer com uma Minnie sem papas na língua, uma Jessica Chastain cada vez mais surpreendente e a demonstrar uma versatilidade soberba (e já agora, um timing cómico perfeito), Bryce Dallas Howard com uma vilã que apesar de ser de extremos adoramos odiar e a fantástica Allison Janney no retrato de uma mulher que caminha em telhados de vidro em tantas ocasiões…
Já que atipicamente me aventurei nas apreciações técnicas logo no início desta crítica, finalizá-las-ei aqui mesmo: o detalhe relativo à época é formidável (direcção artística e guarda-roupa no ponto) e a fotografia é luminosa e incrivelmente importante na caracterização de personagens. A realização capta o ambiente com delicadeza; e a música a cheirar aos 60’s balança ao sabor do enredo na perfeição.
Para o caso de terem adormecido algures e voltarem a acordar agora, yep, este é um filme dominado por mulheres, o que não faz dele um filme para mulheres. Seria de facto muito redutor chamá-lo assim. É antes um filme para todos nós, a quem sempre falta um pouco de civismo quando confrontados com iguais que julgamos diferentes. E esta não é apenas uma lição de cores, esta é uma lição de preconceitos, de ver além deles.
Baseado no romance homónimo de Kathryn Stockett, The Help foca-se incontornavelmente na relação desconfortável (e vergonhosa) entre as mulheres brancas e as suas criadas afro-americanas no sul dos Estados Unidos.
Parte do trabalho da crítica é também saber o que os outros dizem, especialmente os profissionais da crítica. Já li de tudo. Já li que era um filme racista, demasiado soft, demasiado engraçado, pouco dramático… enfim. You name it. É certo que não é o filme perfeito, mas é um esforço bastante bom e acima de tudo louvável. Porque se por vezes é doloroso, também sabe ser divertido e mostrar como, mesmo no ambiente mais negro, é possível sorrir. E como outro sábio crítico também disse, “The Help não é racista; os críticos é que estão a ser”. E não poderia concordar mais.
Não vejo problemas onde outros críticos viram: na suposta ironia de ser uma mulher branca a despontar a “emancipação” negra. Foi uma necessidade. Aquelas mulheres precisavam do motor de arranque, e Skeeter foi isso mesmo. Não vejo isso como uma falha mas um reconhecimento ao qual fico grata: afinal não temos todos palas nos olhos. Thank the gods.
É uma importante nota de lembrança para um passado não muito distante e perverso, incrivelmente perverso, e que ainda demonstra fortes efeitos Hoje. E The Help prega ainda uma luta diferente: as palavras podem ser mais fortes do que as armas. E o confronto é com uma verdade dolorosa… por mais que queiramos hoje acreditar que algumas daquelas são arquétipos, a segregação era de facto normal numa era em que afro-americanos não eram muito mais do que escravos.
As personagens são estereotipadas, sem dúvida. Algumas chegam, em momentos, perto da caricatura. É um instrumento que separa claramente o bom do mau, e que infelizmente lhe retira o potencial poder arrebatador que poderia ter. Ao mesmo tempo que é uma peça entusiasmante, que nos faz ter vontade de gritar “dá-lhe pá!” também é uma grave limitação – ou não seria este um retrato muito mais perturbador se nos pudéssemos rever nem que fosse um pouco em Hilly?
Com 146 minutos, é um filme longo e talvez aquela meia hora que tenha a mais o prejudique mais do que ajude. Ao mesmo tempo, Tate Taylor tem muito com que trabalhar – a questão dos afro-americanos, a vida das mulheres brancas da classe média-alta, todas aquelas personagens individuais…
Não admira que com tanto para mostrar contar, haja momentos ou explorações supérfluas e destoantes, como o romance de Skeeter.
Não se deixem enganar por parecer a “recomendação do ano da Oprah”, apesar de provavelmente ser. Esta é uma história que nos move, e que entre as suas camadas esconde verdades universais. Os temas não são novos, mas ao mesmo tempo não faz mal nenhum serem repetidos, ainda por cima quando nos são trazidos com tal sensibilidade e poder. O apelo à emoção pode ser simplista e até manipulativo, mas The Help é inderrogavelmente tocante, compassivo e sobretudo inspirador. The Help é um pedaço robusto de storytelling, e um recomeço bem-vindo depois de um Verão apinhado de comédias e super-heróis.
No final de contas, a união faz a força, mas para que haja união é preciso um primeiro passo. E esse primeiro passo é dado por alguém, um indivíduo inconformado que ainda sem organizações ou grupos a protege-lo toma coragem, dá um passo em frente, e abre o peito à mudança que fará a diferença para todos.
8.5/10
Esta semana nos cinemas: