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... e mais uns quantos Page Loads.
Ok, eu sei que há por aí sites que têm estas visitas diariamente... Mas para um blog pequenito, que nenhuma pretensão tem senão dedicar-se apaixonadamente a uma arte... é um grande feito.
Obrigada a todos os que já visitaram e continuam a visitar e a comentar o Close-Up. Prometo que ainda vou cá estar por uns largos tempos.
Um bem-haja a todos, e continuem a ver Cinema.
“Se eu tivesse morrido antes de te conhecer, Pilar, teria morrido sentindo-me muito mais velho.”
Passava-se o século XVI quando o rei D. João III decidiu oferecer ao primo, o arquiduque Maximiliano da Áustria, um elefante indiano que há dois anos estava em Belém. “A Viagem do Elefante”, livro que narra as aventuras e desventuras de um paquiderme, é o ponto de partida e de chegada para José e Pilar, o filme de Miguel Gonçalves Mendes que retrata a relação entre José Saramago e Pilar del Río e que tem conquistado os mais cépticos admiradores.
Acompanhar o processo criativo de José Saramago, o primeiro português a vencer o Nobel da Literatura, parece uma oportunidade só ao alcance dos mais sortudos. Hoje isso mudou, e todos podemos seguir passo a passo o seu método que é por vezes surpreendente – quando o trabalho não rende, mais vale mesmo dar uma perninha de Solitário a ver se a coisa arranca.
Acho que o maior elogio que podemos prestar a Miguel Mendes pelo trabalho hercúleo de seguir este casal enigmático durante meses a fio, é que José e Pilar parece uma história saída do imaginário do próprio Nobel.
É claro, Saramago nunca foi homem de histórias de amor, de palavras aveludadas, doces. As suas histórias e contos foram sempre irrequietos. “Vivo desassossegado e escrevo para desassossegar”, dizia ele. E assim era e foi. Para quê escrever histórias de amor, quando temos a sorte de nós mesmos as vivermos, com todos os clichés a que temos direito?
Saramago tinha o dom de transformar a mais mundana das coisas em literatura pura, tenha sido na construção de um convento ou na viagem de um elefante. Mas a própria “Viagem do Elefante” serve de metáfora ao período da vida que Saramago ultrapassa. José é o elefante, e este é o retrato da sua pesada e custosa jornada, não entre duas cortes, mas por todo o mundo. E não só. Miguel Mendes não pega o touro pelos cornos, mas por outro sírio qualquer inesperado - talvez o rabo.
Às vezes chegamos a pensar: “mas como é que permitiram filmar isto?”. E aí está mais uma prova da paixão e perseverança de Miguel Gonçalves Mendes, que diz sempre ter tido de moer bastante para que Saramago o continuasse a deixar gravar. Apesar de tudo, nunca nos sentimos como um intruso – afinal, ainda mais no género documentário, não parece que estamos a ver um filme, mas que estamos realmente lá.
Por mais que deteste dizer isto, tenho de ser honesta. Não estou muito habituada a ver documentários. Apesar de ter visto alguns nos últimos anos, são insuficientes para formar uma amostra decente. Mas algo que não me tem escapado à vista, apesar de não acontecer obviamente em todos, é aquela característica especial do género de disparar uma série de números, suposições, factos e depois terminar numa conclusão alarmante. José e Pilar não é nada disto. Não traz números, nem conclusões alarmantes, e para dizer verdade, quase sempre nos esquecemos de que estamos a assistir de facto a um documentário, não fossem algumas fugazes referências dirigidas à equipa de Miguel Mendes.
Este amor que passámos a conhecer, contrasta com o homem frio, irrequieto, descrente em deus e no Homem, e de ar altivo que conhecemos. Sobre a personalidade do escritor, Miguel Mendes defendeu numa entrevista ao Ante-Cinema que o “irritava imenso quando as pessoas diziam que ele era panfletário, porque ele não é nem panfletário nem político nem nada do género. E então eu basicamente queria conhecê-lo, e o filme foi uma desculpa para isso; é tão primário quanto isto, e não tenho qualquer problema em o admitir.”
Este outro Saramago, que apesar de continuar a aparência austera, demonstra uma paixão e sentido de humor imensos, tem de ser conhecido, e é pena que só o possamos constatar depois de ele jazer, tal como sempre desejou, à sombra de uma oliveira na Casa dos Bicos.
Aqui temos um José solto, um José que “não tem de parecer inteligente”, mas ainda assim o é invariavelmente, seja pelo humor (para mim surpreendentemente) sempre presente, pelas picardias animadas com amigos, pelas considerações filosóficas sobre vida e morte, ou pelas palavras de afecto dirigidas ao seu pilar, Pilar.