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"So you want something to believe in?
[aponta para a placa que diz "Sheriff"]
Believe in that there sign. For as long as it hangs there we've got hope."
Na cidade de Dirt, o único líquido existente está contido no cuspo de tabaco de vermes sedentos. Nesta curiosa cidade no meio do deserto, a água é tão preciosa que é guardada a sete chaves no cofre de um banco, excepção feita ao stock privado do presidente. Parece que este pequeno ponto no imenso deserto precisa de um herói, e pronto ou não, esta é a hora de Rango.
Com imagens geradas por computador esta comédia western povoada com criaturas do deserto dá a 2011 um salto algo tardio (afinal já estamos em Março) mas bem-vindo com uma peça divertida e com um estilo de animação distinto e impressionante.
Num mundo asfixiado do cinema de animação, começa a ser realmente complicado ser original ou magnífico. Ainda assim, e logo na sua estreia em animação, Gore Verbinski matou três coelhos de uma cajadada só sendo não só magnífico e original, como não tendo necessitado do truque 3D para fazer vender o seu peixe.
O grande aplauso tem de ir para o realizador Gore Verninski e a equipa de autênticos magos dos efeitos visuais da Industrial Light & Magic que de pixels fizeram paisagens quase perturbantemente semelhantes ao real: o melhor elogio que lhes podemos fazer é que, de facto, em muitos momentos, este parece um autêntico filme live-action, e não uma animação. A pele escamosa dos répteis e os pêlos pejados de sujidade dos roedores têm a si associado um realismo quase táctil.
No que respeita a storytelling, Rango vai saquear e depois misturar variados elementos de filmes clássicos, desde Chinatown aos westerns de Clint Eastwood, dando uma lufada de ar fresco à já de si familiar história do herói por engano e conveniência. É claro que estes elementos comuns são aplicados, não podemos esquecer, a dois protagonistas que são lagartos, um presidente que é uma tartaruga, e o grande pistoleiro da cidade é uma cascavel cujos olhos amarelos apenas parecem capazes de nos engolir.
Este deverá ser um deleite para os amantes do bom Western. O diálogo incorpora falas (ou adaptações das mesmas) do passado, a filmagem imita momentos clássicos, a banda sonora utiliza elementos sonoros conhecidos. Todos os motivos e clichés Western que nos possamos lembrar
estão presentes em Rango, desde o confronto no meio da cidade sob o Sol quente até às ervas secas arrastadas pelo vento.
O que parece, no entanto, é que tanto o argumentista John Logan como o realizador Gore Verbinski se apoiam demasiado nas referências intermináveis, tanto de filmes cómicos como dramáticos, que acabam por, descuidadamente, empilhá-los sem nenhuma base ordeira.
É um trabalho de técnica e amor, e é uma grande pena que seja tão vazio da alma que deveria ter para ser grandioso. A premissa não é má, mas John Logan cria um deserto populado por ganância, malícia e um herói inadvertido sem a graça necessária. Não me entendam mal. O espírito não podia ser mais western, e as personagens, apesar de esteticamente desprezíveis, são muito atraentes do ponto de vista narrativo.
Roger Deakins, o homem responsável pela fantástica fotografia de True Grit do ano passado serviu como consultor visual de Rango (como é possível notar em tantas sequências). Este é um filme incrivelmente bem desenhado. É verdade que as personagens são exageradas, mas tenho a sensação de que se não fossem, não só a fita perderia muita da sua personalidade, como a confundiríamos inúmeras vezes com um live-action, tal é o cuidado na representação e projecção de locais e objectos. O mais recente filme de Gore Verbinsi é tecnicamente perfeito, podemos dizer, e faz coisas muitos interessantes com o espaço e a perspectiva, especialmente se tomarmos em atenção as sequências de acção. As texturas são maravilhosas, e a cor chave é sem dúvida o castanho, que fornece uma palete quase ilimitada.
É apenas óbvio que Johnny Depp brilhe no papel do camaleão Rango quando ele próprio é um actor tão camaleónico e adaptável a tantos e tão diversificados ambientes. Mas não é apenas dele o mérito. Isla Fisher também salta à vista como a carismática Beans, bem como Abigail Breslin como Priscilla, uma jovem ratinha de grandes olhos amarelos mas com bravo coração, Alfred Molina como o filosófico Roadkill, Bill Nighy como a fantástica cascavel Jake e Ned Beatty como a tartaruga punho de ferro e presidente de Dirt.
E a vivacidade das interpretações advém em grande parte da decisão de Gore Verbinski de por toda a gente a mexer e a representar enquanto gravava as suas vozes, em vez de estarem simplesmente fechados numa cabine de som. O resultado vê-se mas, acima de tudo, sente-se.
Com muita pena minha, este Rango, ainda que revolucionário em termos técnicos, acaba por ser uma espécie de continuação do trabalho de Verbinski ao longo dos anos: uma fita que dá muito prazer de ver, mas que faz uma mistura frustrante de um enredo algo desleixado, uma atitude marota e muita acção.
Ah! E outra coisa! Está em glorioso 2D! E o que é que isto quer dizer? Ora quer dizer que as imagens mantém a sua cor e vivacidade e que não precisamos de óculos escuro que só empatam. 2011 começa bem. Venha mais disto!
7.5/10