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"You probably heard we ain't in the prisoner-takin' business; we in the killin' Nazi business. And cousin, Business is a-boomin'."
Não desfazendo os grandes filmes passados sobre grandes guerras, não podemos deixar de pensar que acabam por perder muito logo à nascença: o final já é conhecido.
É por isso que quando surge aquilo que gosto de chamar “fantasia verídica”, o meu radar começa a apitar violentamente. O que acontece se pegarmos no background da Segunda Grande Guerra, juntarmos uns pozinhos de fantástico e o virarmos do avesso, dermos umas quantas cambalhotas e meia dúzia de sacudidelas? Voilá, temos Inglourious Basterds.
Em terras francesas ocupadas pelos Nazis, a jovem judia Shosanna Dreyfus assiste à chacina da família pelas mãos do Coronel Hans Landa. Escapando por uma unha negra, Shosanna planeia, anos mais tarde, uma vingança épica quando um herói de guerra alemão se interessa por si e arranja uma dispendiosa estreia cinematográfica no cinema gerido pela jovem.
Com a promessa da presença das grandes peças do jogo Nazi, o evento atrai a atenção de um grupo de soldados judeus americanos conhecidos por “Basterds” e liderados pelo carismático Tenente Aldo Raine. O plano dos Bastardos converge com a conspiração de Shosanna resultando numa noite inesquecível em que a História é reescrita.
Inglourious Basterds, o novo filme de Quentin Tarantino apresenta uma maturidade refrescante no autor, provavelmente bem justificada pela fermentação de mais de 10 anos da fita. Tarantino conta uma e várias histórias que são patrocinadas por um dos poderes mais fascinantes do cinema, o “conta-me como não foi”.
Tarantino exercita o fascínio pelos filmes e pela vingança, e o que nos é apresentado é, ao contrário do título, glorioso!
Na sua imaginação furtiva, a Segunda Guerra Mundial não é igual à que está escrita nos nossos livros de História. Em Inglourious Basterds pisamos territórios cinematograficamente virgens que há muito rebelavam por se revelar, mas que nenhum realizador foi louco o suficiente para mostrar.
As alusões aos grandes clássicos são constantes, sendo a mais notável a espectacular cena de abertura em que Hans Landa começa a dar uns ares de sua graça em toda a sua personalidade afiada, inteligente e incrivelmente perspicaz perante uma aterrorizada família francesa.
Não poderei louvar suficientemente Tarantino por uma escolha que poucos realizadores fazem: a de arriscar na língua estrangeira. Por melhor que um filme possa ser, não acaba por ser estranho e diminuitivo ver os personagens de diferentes nacionalidades falarem todos inglês com a única diferença a serem os sotaques horríveis e irritantes? Esqueçam isso. Em Basterds temos um banquete linguístico fiel com alemães a falarem alemão, franceses a falarem francês e americanos a falarem inglês. E ainda temos tempo para uma perninha no italiano. Maravilhoso!
Os personagens e respectivos actores são parte da alma da fita, e cada um deles desejaríamos voltar a ver num novo filme a solo. Cada qual com a sua contribuição única e inigualável. Mas se falamos de personagens temos de nos curvar respeitosamente perante quatro: Aldo Raine, Hans Landa, Shosanna Dreyfus e Bridget von Hammersmark.
Christoph Waltz é a grande revelação e a estrela maior da constelação na interpretação de Landa, uma besta com jeitos de senhor. Um gentleman inteligente e sofisticado que de um abominável sanguinário faz um homem apelativo e sedutor nas palavras e nas acções. E o que dizer quanto ao domínio perfeito de quatro línguas? Quatro!! Apontem isto, lá para os inícios de 2010 vamos ouvir muitas vezes o seu nome. Muito provavelmente precedido pelas sempre icónicas palavras “And the nominees are…”.
Brad Pitt é Aldo Raine, o líder do grupo dos super-bastardos que têm como filosofia estraçalhar o máximo possível as tropas nazis. E Raine é memorável na pose, no uso da palavra e na caricatura; Pitt diverte-se e isso nota-se, sem dúvida, numa das suas melhores prestações.
Temos ainda uma visita a França com Mélanie Laurent como a vingadora de serviço (numa performance surpreendente e fortíssima) e à Alemanha com Diane Krueger, que oferece a von Hammersmark uma comicidade e paixão notáveis.
O filme acaba por ser menos violento do que o material promocional nos fazia acreditar (sim, menos que Kill Bill também)… o que acaba por não ser mau de todo porque há várias coisas interessantes a acontecer. Os bastardos têm uma história mais rica e com um potencial de entretenimento explosivo.
Há falhas, claro, incluindo algumas performances menos conseguidas (Mike Myers e Eli Roth principalmente), mas se alguém reescreve a história com mestria, é Tarantino. E não só fantasia como nos brinda com um dos maiores e mais loucos filmes do ano.
Não estamos perante uma missão de equipa heróica e dramática. Esta é uma comédia negra e nefasta que pode ser um drama irrequieto e travesso. É um festival de diálogos deliciosos e enfeitados (nunca falsos pela fidelidade às línguas maternas). Um filme de guerra sem o mínimo vislumbre do campo de batalha; uma peça gore, clássica, excêntrica e única.
O filme é excessivo em todos os pontos de uma forma deliberada; afinal, isto é Tarantino. As duas horas e meia nunca são vazias ou aborrecidas, mesmo que preenchidas por largas sequências de diálogos, uma vez que são cruamente interrompidas por rasgos de violência pejados de nuances estilísticas. O clímax vai para lá de espectacular e constrói-se numa beleza trágica e terrível.
Os Bastardos vão polarizar as audiências em termos emocionais. É um facto.
Mas o que também é um facto é que, cinematograficamente falando, estamos perante um dos filmes do ano; e para mim, um dos melhores de Tarantino.
Inglourious Basterds é a história alternativa que todos queríamos e constitui uma vénia rasgada ao Cinema, apontando-o uma vez mais como o grande libertador do Homem.
"My name is Shosanna Dreyfus... and you've seen the face of Jewish vengeance."
9/10