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"Ellie: Thanks for the adventure. Now go have one of your own."
Confesso que Up não tinha em mim uma das suas maiores admiradoras. Apesar da opinião da crítica ser excelente, a sinopse e o trailer enganadores deixaram-me com a estranha sensação de que esta seria uma história algo vazia e sem grande profundidade ou sentido. Também confesso que não sei como é que pude esperar isto de um estúdio como a Pixar que em dez cajadadas matou certamente muito mais que dez coelhos. Isto de forma cada vez mais eficiente e imaginativa.
É verdade; 14 anos depois da revolução de Toy Story e um ano depois do fenómeno Wall.E, eis que é lançado Up, o mais recente filme de animação da Pixar que depois de bonecos, peixes, monstros, carros e robôs, tem nos próprios humanos o seu principal objecto de afecto.
Se estamos perante a animação do ano? Parece que sim. Se estamos perante um dos filmes do ano? Sem dúvida, e posso contar-vos um segredo? Gostei ainda mais do que do Wall.E !
Para os que não ficaram assim tão convencidos (em termos de enredo) com o trailer e afins, esclareço desde já que esta não é a história de um velhote arrastado por um rapazinho obstinado para a grande aventura da sua vida passada grandemente a voar numa casa sustentada por milhares de balões de hélio coloridos.
Na verdade, os primeiros quinze minutos seriam o suficiente para que a mudança se desse em todos os estados de espírito. É que Pete Docter e Bob Peterson começam desde logo por nos agarrar pelo coração com uma das mais tocantes e emocionantes histórias de amor que tenho visto. Em apenas cinco minutos mudos e ao som da maravilhosa banda sonora de Michael Giacchino conhecemos a história de Ellie e Carl, que de meninos se fazem adultos e de adultos se fazem esposos. Ambos mantêm, ao longo da vida, o espírito da aventura e anseiam ser os protagonistas das suas próprias vidas… todavia, o quotidiano e os problemas metem-se no caminho e os sonhos que em crianças acariciavam de perto começam a voar para cada vez mais longe.
Numa das muitas demonstrações de maturidade e seriedade contínua e crescente presentes na fita, Carl é atingindo pelo inevitável: a morte da companheira, a solidão e a tremenda constatação de uma vida de projectos não concretizados.
Esta montagem, simultaneamente divertida, terna, triste, verdadeira, arrebata-nos pouco depois do começo, e desde logo sabemos que não só estamos perante o mais maduro trabalho da Pixar, como perante uma fantástica história com um coração que bate ao seu próprio ritmo. Ela permite-nos partilhar a tristeza de Carl e compreendê-lo, formando um elo invulgar com a história.
Ameaçado pelo despejo e por uma nova vida num lar, Carl toma uma decisão que se traduz num surpreendente e brilhante espectáculo visual à medida que milhares de balões surgem sobre a casa quebrando todas as suas fundações e elevando-a no ar. O sonho de uma história encantadoramente simples começa.
Noc! Noc! Não é possível…quem será?
Pois é. Carl não parte sozinho na sua aventura; na casa voadora também parte Russell, um bem intencionado escuteiro amante da natureza que já havia abordado Carl por forma a ganhar o crachá da ajuda a idosos e assim tornar-se um explorador sénior.
Até à Venezuela a viagem corre sem grandes percalços, mas com a chegada começam as peripécias que envolvem uma passarola colorida gigante, um cão falante (não é o típico cão falante, atenção) e um explorador-herói frustrado.
Carl e Russell mantém uma relação de importância crescente e a dinâmica entre ambos provoca inúmeras gargalhadas. Mas o que realmente nos fica na memória, é o quanto estes dois precisam um do outro. Esta é a história de um menino de pais ausentes e de um velhote viúvo que descobrem entre si os pedaços de vida que lhes faltavam.
Apesar de ter traços dramáticos, Up não deixa de ser um magnífico hino à alegria de viver e uma daquelas obras que nos deixa inevitavelmente com um sorriso no rosto quando abandonamos a sala de cinema. Contudo, segue o trilho que a Pixar tem vindo a construir; um trilho de temas maduros, actuais e sérios destinados não apenas a um bloco de espectadores, mas ao público em geral.
As crianças encantam-se com a poesia visual; com as cores, as piadas físicas e os personagens apaixonantes. Os adultos riem-se com as piadas inteligentes e de multi-camadas e sensibilizam-se com as mensagens latentes.
Quanto às questões técnicas acho que começa a ser desnecessário repetir os mesmo elogios à Pixar multiplicados pelos 10 filmes até agora lançados. Os ambientes são de cortar a respiração, as cores estão mais vibrantes que nunca e a versão 3D não vem cheia de truques e objectos virtualmente atirados na direcção do espectador. Ao contrário, é uma presença subtil mas forte nas texturas e na profundidade da imagem que parece estender-se até ao horizonte mais longínquo.
Sem darmos por isso, Up desliza entre vários sub-géneros (drama, comédia, acção, fantasia…); tudo isto a grande velocidade mas sem pressas, por mais paradoxal que possa parecer. Nunca nos sentimos perdidos.
Up tem argumentos mais que suficientes para se apresentar nas discussões sobre qual o melhor filme da Pixar; adianto desde já que, em minha opinião, nunca poderá estar fora do top3. É uma aventura quase épica, mas que nunca perde o seu toque íntimo e humano. É um “típico filme familiar atípico” que fala de todos e para todos, e que nos proporciona uma extensão e variedade de emoções que parece quase impossível recordarmo-nos que se trata de um filme de animação.
Li por aí algum crítico português dizer que Up escondia por de trás do exagero ou da excentricidade, o começo de uma falta de imaginação, sendo mesmo supérfluo. É engraçado… não podia estar menos de acordo. Up é estimulante e divertido, porém inspirador na sua subtileza de mensagens: não há idade para aprender a viver; às vezes basta fechar os olhos, dar um passo cego e esperar pelo que a vida nos trouxer.
9/10