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"Who was your source?"
Às vezes não são só aqueles filmes manhosos que ganham uma viagem directa para o lançamento em DVD passando à frente o lançamento nas salas de cinema. Às vezes bons filmes caem na teia do “straight-to-DVD” por razões que a própria razão desconhece. No caso presente, Nothing But The Truth não teve direito a lançamento nos cinemas norte-americanos. Ao que parece, a distribuidora deu-se mal com a economia e o lançamento passou de futuro para ex-futuro. Felizmente em Portugal a história foi diferente e é com grande alegria que vejo este filme presente nas nossas salas!
Todo o jornalista sonha com o seu dia de viragem. Aquele dia em que serão os autores da publicação que gerou o burburinho, a queda de um alto cargo, o fim de um conflito, a exposição da corrupção.
Rachel Armstrong tem nas mãos a chave do seu futuro e publica-a: o Presidente ignorou as descobertas de uma agente da CIA que provavam a inocência da Venezuela num ataque aos Estados Unidos, e optou por atacar os latinos por via aérea. Rachel faz mais; dá um nome e uma cara ao agente secreto: Erica Van Doren, a mulher do Embaixador dos Estados Unidos na Venezuela cuja filha anda na mesma escola que o seu filho.
O governo é rápido na pressão e tenta rapidamente forçar Rachel a revelar a sua fonte. Quando se nega a fazê-lo, é presa por desobediência à justiça. Até onde estará disposta a ir pela lealdade à sua fonte? Poderá o princípio da confidencialidade sobrepor-se a uma questão de segurança nacional?
Nothing but the Truth foi feito com muita cabeça e eleva importantes questões éticas e humanas. Devem a liberdade de imprensa e o direito de protecção das fontes ser sobrepostos pelo poder daqueles nos altos cargos? Até onde estamos dispostos a ir na defesa de um princípio e até onde poderemos afectar os nossos próprios familiares?
Rod Lurie traz ao de cima o que de melhor o elenco tem para oferecer e não fosse o seu precalço de distribuição e talvez pudéssemos ter ouvido falar muito mais de algumas destas performances.
Kate Beckinsale constrói Rachel a partir de uma estrutura muito interessante e complexa: frágil porém corajosa; um mártir mas nunca uma santa. De uma forma ou outra, ela acaba por “abandonar a família” em nome dos seus princípios (que apesar de tudo, são desconhecidos a todos incluindo ao espectador até praticamente o final da fita).
Matt Dillon é também complexamente delicioso como o promotor sem escrúpulos que, no fundo, está apenas a cumprir a sua função. Subjectivamente, Dubois é o vilão no tabuleiro; Objectivamente, está apenas a fazer o seu trabalho. Dillon referiu mesmo em várias entrevistas que o interpretou como se ele fosse o “bom da fita”, o que se vem contribuir para a complexidade de um personagem especial e crucial na acção.
Por outro lado, Vera Farmiga oscila na perfeição entre a mão de ferro e a vulnerabilidade da agente Erica Van Doren.
Alan Alda é, como se esperava, brilhante no papel do advogado bonacheirão que acaba por deixar de lado as vaidades e entregar-se de corpo e alma ao caso de uma mulher única. A cena onde defende os direitos dos jornalistas no Supremo Tribunal de Justiça é digna de especial atenção; uma bela lição de escrita cinematográfica em temas políticos e de media com um discurso absolutamente arrebatador.
Lurie afasta-se do caso real em que se baseia (ler no final sobre o caso verídico) em alguns pontos, alguns deles cruciais e alguns deles, sublimemente executados. De facto, as razões que moviam Rachel e que movem os jornalistas podem ser mais complexas do que aquilo que nos permitimos a pensar. A conclusão atingiu-me como um raio: perfeitamente plausível, sem deixar buracos por tapar e inesperada e surpreendentemente simples. A resposta à pergunta que esteve na boca de quase todos os personagens era simples e complicada, e por isso, impossível.
As abordagens abertas do sexismo e da hipocrisia beneficiaram infinitamente a fita e ainda mais as protagonistas femininas que questionaram e lutaram contra uma maré que lhes varreu a ambas a felicidade e a família, não as dispondo apenas como as pobres coitadas.
Apesar das performances excepcionais e o objecto interessante, o filme nunca faz o “click” que poderia, muito provavelmente e sem desfazer Lurie, fazer noutras mãos. Mas Nothing But the Truth é um belo trabalho de estudo sobre a relação entre a política/poder e o jornalismo, mas também sobre as pessoas e os seus prinícipios e responsabilidades. Não diminui nunca o espectador e oferece drama e suspense da melhor e mais realista qualidade. Agora digam-me… como é que isto não chegou aos cinemas americanos?
Afinal, um crítico da Rolling Stone disse tudo na sua crítica: Lurie criou um thriller político diferente; um thriller com cérebro e coração.
"Some time ago, I began to feel the personal, human pressure on Rachel Armstrong and I told her that I was there to represent her and not her principle. And it was not until I met her that I realized that with great people there's no difference between principle and the person."
7.5/10
Nothing but the Truth não é um retrato fiel do "Caso Plame" (também conhecido por "Plamegate") ocorrido em 2003, sendo que em muitos pontos segue uma linha narrativa diferente, mas é em si que encontra as suas bases.
Em Julho desse ano, Valerie Plame, mulher do antigo Embaixador ds Estados Unidos Joseph C. Wilson, viu revelada a sua identidade como agente da CIA pelo colunista Robert Novak.
Wilson viajou ao Níger em 2002 para comprovar a ligação entre a indústria local de Urânio e Saddam Hussein. Vale a pena recordar que, nesse mesmo ano, os EUA acusaram o Iraque de ter tentado comprar urânio do Níger para o fabrico de armas nucleares. Depois da viagem, Wilson escreveu numa coluna do New York Times que, na verdade, o Níger não vendeu qualquer Urânio ao Iraque.
Depois da publicação do artigo que revelava a identidade de Plame, Wilson afirmou várias vezes que membros da administração Bush revelaram a informação por vingança ao seu artigo, publicado oito dias antes do artigo de Robert Novak. Plame era especializada em armas de destruição massiva, o que teria motivado os partidários do presidente achar que tinha sido ela a ter a ideia de enviar o marido na viagem ao Níger.
No caso estiveram envolvidos muitos jornalistas, apesar de Novak ter sido aquele a publicar a história. Judith Miller foi outra das envolvidas no processo mas ao contrário de Novak que eventualmente acabou por ser absolvido, Miller foi responsabilizada pela passagem da informação original a Novak e obrigada a revelar a sua fonte. Recusando-se terminantemente a fazê-lo perante o tribunal de justiça, passou 12 semanas na prisão em 2005. Foi apenas nessa altura que, finalmente autorizada pela sua fonte, Miller resolveu revelá-la sendo, por isso, liberta. Lewis Libby, Chefe do Gabinete do vice-presidente Dick Cheney, foi quem passou as informações sobre a agente Valerie Plame. Em 2007, Libby acabou mesmo por ser condenado a dois anos e meio de prisão por ter mentido à Justiça.
"If journalists cannot be trusted to keep confidences, then journalists cannot function and there cannot be a free press."
Judith Miller