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Não escondo que Atonement é um dos meus filmes favoritos de sempre. Para mim, um misto perfeito de drama, romance, suspense, guerra e muitos outros ingredientes que fazem dele um dos filmes da década.
O Widescreen de hoje volta a olhar com redobrada atenção a uma cena deste mesmo filme. Uma cena que, inclusive, cheguei a abordar com alguma atenção na crítica do filme, mas que não podia simplesmente deixar de fora desta nova série de artigos.
Filme, Ano: Atonement, 2007
Realização: Joe Wright
Descrição da Cena: Robbie e os seus companheiros chegam finalmente à praia de Dunquerque (França) onde as tropas aliadas aguardam a evacuação.
Joe Wright e Seamus McGarvey (responsável pela Fotografia) sabiam que tinham apenas dois dias disponíveis para filmarem a sequência de Dunquerque. A tarefa já de si difícil tornou-se quase impossível quando se concluiu que a qualidade da luz na praia só permitia as filmagens ao fim da tarde.
Wright começou então a considerar seriamente a hipótese de cobrir a praia num único movimento, numa única cena. Esta táctica não só permitiria apanhar a melhor luz, como também acabaria por funcionar como antítese dos cortes rápidos e bruscos muito comuns nos filmes de guerra. O objectivo principal era nunca deixar o trio de soldados liderado por Robbie e toda a subjectividade inerente, e, ao mesmo tempo, comunicar todo o caos do cenário bélico.
O cenário foi projectada em storyboards e depois numa miniatura à escala, por forma a estudar o melhor posicionamento de cada elemento em cena. A praia contava com mais de 1000 figurantes, vários cavalos e máquinas de guerra, e o primeiro dos dois dias disponíveis foi totalmente dedicado a ensaios. O mesmo aconteceu no segundo dia até meio da tarde.
Robertson começou a filmagem num pequeno veículo que mantinha o passo dos três soldados conforme estes entravam na praia. Depois de os soldados passarem por uns cavalos e contornarem um grande barco, Robertson saía do veículo e andava pela areia até um coreto no qual entrou por uma rampa. Contornado o coreto, saiu por uma outra rampa para vir apanhar um close-up de James McAvoy (Robbie). De seguida, subiu para um riquexó (outro veículo de tracção humana) que acompanhou brevemente a caminhada dos companheiros de Robbie. Já relativamente perto do cais de madeira, Robertson saiu do riquexó e avançou pelo cais até um bar onde os companheiros de Robbie já entraram.
A filmagem termina com Robbie à porta do bar a olhar uma última vez para o caos por onde acabou de caminhar. A câmara toma então o seu lugar, e o espectador tem pela primeira vez um shot limpo e aberto da praia infernal.
Três takes depois, a luz já não era das melhores e o operador de câmera Peter Robertson sucumbiu finalmente ao cansaço; o quarto take nunca chegou a ser completado.
A escolha recaiu sobre o terceiro… e que melhor poderia ter feito um quarto?
A Batalha de Dunquerque foi uma das batalhas da Segunda Guerra Mundial que ocorreu entre Maio e Junho de 1940. As forças aliadas foram encurraladas pelos alemães e mais de 300 000 soldados tiveram de ser evacuados pela praia de Dunquerque.
O cenário com que Robbie e os companheiros se deparam é avassalador. Centenas e centenas de homens esperam e desesperam por um regresso a casa e à família, que mais não é do que um renascer das cinzas.
Pela praia caótica caminhamos lado a lado com Robbie e olhamos nos olhos a Guerra... a devastação na cara de uns, a loucura na cara de outros e o sofrimento e esgotamento na cara de todos. "Can you hear me laddie? I'm coming home!" grita um, no cimo de um gigante barco encalhado completamente endoidecido pelos horrores. Outros entregam-se ao álcool, ao embate físico, às rezas...
Mas é também na cara, na alma de todos que vive a esperança; a esperança que é vivamente exaltada pelos arrepiantes cânticos dos homens no coreto que entoam sentidamente o valeroso hino "Dear Lord and Father of Mankind".
Dario Marianelli escreve para Atonement uma das mais belas bandas sonoras de que tenho memória (que foi, e muito bem, galardoada com um Oscar), e este "Elegy for Dunkirk" que acompanha a cena funde-se a cada segundo com o cenário e ambiance da pré-evacuação.
Seamus McGarvey é o responsável pela Fotografia, e apesar de os galardões não fazerem os filmes, só por esta cena, merecia o Oscar por inteiro.
Quem souber olhar para a cena de Dunkirk verá nela uma riqueza de enredos e de histórias que poucos conseguiram até hoje retratar. Não é um simples plano de Guerra...
A Guerra esteve e está ali. O Medo esteve, está e estará sempre ali. Mas a coragem destes homens impediu-os de recuar e a vontade de regressar fê-los dar tudo. Os homens de Dunkirk fizeram-no e entre o fio da força e da fraqueza, da loucura e do salvamento, aguardam o amanhã... com esperança.