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"How much courage does it take to walk out on your kid?"
Os finais do séc XIX e inícios do séc XX marcam o início de um novo mundo para a Mulher.
Sem dúvida não é nesta altura que se inicia a luta do outro lado da moeda humana mas é inequivocamente aqui que a batalha toma proporções massivas e incómodas para os seus adversários.
A primeira vaga da revolução feminista estendeu-se desde o início dos anos 60 até aos anos 70, batalhando obstáculos legais à igualdade (direito de voto, direito de propriedade, etc). A segunda vaga teve lugar após gloriosas vitórias da primeira e teve como objectivo continuar a pavimentar o caminho da mulher para um papel equivalente ao Homem na sociedade. Falamos de direitos respeitantes ao trabalho, à família, à sexualidade, ao divórcio e muitos outros.
É neste contexto de mudança que se enquadra o filme sobre o qual hoje aqui escrevo – Kramer vs Kramer.
Ted Kramer é um autêntico workaholic que, a certa altura da sua vida, começou a por o trabalho á frente da vida pessoal. Um dia a conduta traz frutos; frutos bons e frutos francamente maus. Promovido a um cargo importantíssimo depois de garantir um cliente excepcional, Ted chega a casa mesmo a tempo de ver a mulher Joanna a preparar-se para o abandonar, deixando o filho de ambos (Billy) nas mãos obviamente pouco capazes do pai.
Entre tentativas, erros e vitórias, Ted aprende a criar Billy e, acima de tudo, apaixona-se por ele. Inverte-se o jogo e Ted desleixa no trabalho o que empenha arduamente em casa. A promoção desaparece, e o desemprego bate à porta. Mas infelizmente esta não é a única má notícia... Joanna está de volta e com uma bomba: a intenção da custódia de Billy.
Segue-se uma batalha dentro e fora de tribunal mais violenta e cruel que qualquer épico bélico e p destino do jovem Billy jaz como um pendulo, ora para um lado, ora para outro, balouçando entre a batalha de duras palavras que Ted e Joanna travam com o coração.
A realidade de Kramer vs Kramer é o produto de uma sociedade crescentemente centrada no “Eu” e não no “Nós” onde o papel de pai e mãe e marido e mulher se alteram drásticamente. É por isso que devemos ter presente o backgroud social da altura que neste como em outros casos, toma um relevo especialmente importante no enredo. Na primeira fila assistimos à evolução de Ted de pai ausente a pai dedicado que aprende a amar a família e a com isso conjugar a situação de trabalho.
Robert Benton escreveu o argumento com o romance de de Avery Corman (com o mesmo nome) em mente. Kramer vs Kramer é uma peça complexa e ao mesmo tempo simples, sem retalhos complicados ou luxuosos. É um autêntico deleite interpretativo, um desfilar de personagens que sem serem espanpanantes, são aquilo pelo que mais procuramos num filme: um espelho da nossa real verdade.
Este é um filme de personagens e, consequentemente, um filme de interpretações.
É difícil um papel fazer-se notar se não tiver uma particularidade muito forte ou lidar com temas sensíveis: a deficiência,a homossexualidade, a toxicodependência, a loucura, por aí fora. Dustin Hoffman mostra em Kramer vs Kramer que não é preciso um personagem com especial potencial para fazer magia . Ted Kramer é um homem como qualquer outro, e Hoffman criou-o simples e honestamente, tornando-o uma pessoa tão verdadeira como poderíamos imaginar. Algumas cenas são dolorosas de tanto nos identificarmos com elas...de momento recordo o momento de pânico quando Billy se fere no parque e Ted o leva em braços e em desespero até ao hospital... Isto é amor pelo cinema e pela arte de representar. Tornar algo simples em algo memorável.
Apesar de ausente duante quase uma hora, Meryl Streep dava já grandes sinais do grande mural de talento e sucesso que contruiria ao longo de anos. A Joanna que vemos não é uma mulher odiável mas uma alma perdida que parte tentando encontrar-se e que dá por si ainda mais perdida longe daquele que mais ama, o filho.
Mas como só tive a oportunidade de assistir a esta fita muito recentemente, não foi realmente uma surpresa ver um fogo de artifício de interpretações de Hoffman e Streep... afinal, hoje são dois mestres absolutos, e eu já o sabia bem. A minha grande surpresa surgiu num pequeno rapaz que, infelizmente, acabou por ter uma carreira curta nas lides do cinema. Falo de Justin Henry, o adorável Billy; o filho no meio da tempestade. Fiquei completamente atordoada com o talento de uma criança daquela idade... não admira que tenha sido nomeado para Oscar! As birras, as tristezas, as perguntas difíceis... está tudo lá e sempre tão espectacularmente natural que nos perguntamos vezes e vezes sem conta se o que ele faz é representar ou ser ele mesmo...uma criança de 8 anos. Estupendo! E a química com Dustin Hoffman é fantástica. Tanto que a dupla chegou mesmo a improvisar muitas cenas... o melhor exemplo é a memorável cena do gelado! Sublime...
Inteligente, triste, engraçado, trágico (sem ser demasiado dramático), verdadeiro e honesto, Kramer vs Kramer é esplendorosamente virtuoso em vários aspectos, mas o facto de não escolher lados, não propiciar uma visão extremamente boa de um lado e má do outro é o seu maior trunfo.
É verdade que, a certa altura, tendemos a desgostar da mãe e a simpatizar com o pai; mas quando olhamos para o quadro completo, as coisas não são assim tão lineares. Afinal, Joanna fora obrigada a viver anos a fio com um homem invisível, um homem que no primeiro dia ao lado do filho mostra toda a sua ignorância quando lhe pergunta “Em que ano andas?”. Kramer não pretende colocar rótulos ou apontar dedos, apenas mostrar silenciosamente um espelho para que possamos ver reflectida a história de uma família como tantas outras...
"I came here to take my son home. And I realized he already is home."
9/10