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"Bad things happen... but you can still live"
Em diversas ocasiões, J.J. Abrams foi apelidado de “o próximo Steven Spielberg”. Apesar de os seus projectos no pequeno e grande ecrã terem gerado reconhecimento geral, o argumentista, realizador e produtor de 45 anos ainda fica a uns quantos furos do mago cinematográfico. Mas a associação de Abrams a Spielberg não termina nesta alcunha. De facto, Spielberg teve os seus anos de ouro quando Abrams, ainda criança, corria de um lado para o outro com a sua Super 8, ambicionando um dia poder realizar filmes a sério. Super 8 é assim uma homenagem confessa a Spielberg dos anos 70 e 80.
No Inverno de 1979, conhecemos Joe, um rapaz de 12/13 anos que passa pelo pior momento da sua vida. A mãe acabou de morrer, e entretém-se tristemente num baloiço enquanto amigos e familiares falam sobre como difícil será a vida para ele a partir de agora. Os adultos sentem pena, mas os amigos… bom fazem o que seria de esperar de miúdos daquela idade: falam do corpo esmigalhado da mãe e dos canapés servidos.
Charles está ainda preocupado com a possibilidade de Joe o deixar na mão com o seu filme, já que o ia ajudar na maquilhagem, som e outras tarefas. Era exactamente isso que tinham planeado: gravar um filme de zombies para o levar a um festival.
Para uma das cenas, os jovens encontram-se numa estação de comboio à noite, e têm a oportunidade de conhecer finalmente a protagonista feminina do filme que estão a produzir: Alice, uma rapariga bonita mas misteriosa, que numa leitura da cena pôe os rapazes a chorar… estava encontrada uma estrela.
Mas antes que Charles pudesse gravar a sua cena perfeita, um comboio que passava pela estação na altura (um imenso “valor de produção”, como lhe chama entusiasticamente o realizador) descarrila e origina uma explosão de proporções gigantescas. Para surpresa de Joe, uma criatura escapa de um dos vagões, mas o tempo urge, e os miúdos fogem do local antes da chegada das forças militares.
Algo muito estranho está a acontecer - os cães fogem e os materiais electrónicos desaparecem, bem como algumas pessoas. A noite traz barulhos assustadores, e a cidade agora cheia de militares continua sem respostas às suas dúvidas.
Super 8 é modesto sobre a origem exacta da ameaça que paira sobre a cidade de Lillian, e eu vou seguir a mesma linha, não revelando nada. Devemos contudo enfatizar que esta questão se torna facilmente o ponto mais fraco e menos atractivo do filme – Abrams está mais preocupado com o storytelling do que propriamente com a história.
Olhem bem de perto e verão o medley Spielberguiano de que vos falei: uma força misteriosa e destruidora (Duel), um xerife a perseguir uma criatura (Jaws), pessoas normais a desmascararem um segredo militar (Close Encounters of the Third Kind), uma ameaça subterrânea que rapta pessoas (Poltergeist), adolescentes numa missão perigosa (The Goonies) e, é claro, a referência a E.T.: The Extra-Terrestrial, que não precisa de especificação.
Mas os elementos evocativos de Spielberg não acabam por aqui: a banda sonora de Michael Giacchino faz muitas vezes lembrar os sons magistrais de John Williams, e a fotografia e ângulos são incrivelmente familiares (não deixando, claro está, de primar pela qualidade).
Uma das “fraquezas” óbvias do filme poderá ser que, aqueles mais familiarizados com o trabalho de Steven Spielberg, poderão saber antecipadamente o rumo das coisas, apesar de Abrams introduzir as suas usuais questões e dúvidas.
E depois temos uma primeira metade magnífica, qual pérola perdida numa arca do tempo, e a segunda, infelizmente acaba por se desviar ligeiramente, com a relação de Alice e o pai um pouco mal desenvolvida, alguns efeitos especiais duvidosos e uma história de perigo que não se liga totalmente à componente humana... contudo, nada disto impede Super 8 de ser um filme lindíssimo.
Uma lição importante de Spielberg e que Abrams fez questão de cumprir é que, no que toca a monstros, menos é mais, e aqui, até ao desvendar final, temos apenas relances de uma criatura que nunca sabemos muito bem o que é. No caso de Spielberg, tudo começou com Jaws, ainda que inadvertidamente: o modelo de tubarão tinha um ar demasiado falso para aparecer demasiado tempo no ecrã. Em Super 8, foi uma decisão deliberada e inteligente.
As performances dos “nossos” miúdos são espantosas, com Joel Courtney e Elle Fanning a personificarem na perfeição a condição da adolescência apaixonada e aventureira. Mas não podemos deixar de apreciar todos os outros – Riley Griffiths, Ryan Lee, Gabriel Basso e Zach Mills. As relações entre os miúdos são o coração e a alma do filme. Os seis amigos agem da exacta forma como os adolescentes: Charles domina, depois temos a rivalidade entre Joe e Charles por Alice, a emergência de Joe como o herói inesperado, e o comic relief tantas vezes proporcionado por Cary. Os adultos são claramente secundários. E é por estas personagens serem tão cuidadosamente desenhadas que o mistério do filme se torna supérfluo.
As razões que levarão a maior parte de nós a ver Super 8 terão a ver com o conteúdo de ficção científica e aventura; mas as razões que nos levarão a relembra-lo serão os momentos de intimidade e verdade criados pelos seus personagens.
Como um dia Spielberg fez, Abrams captura aqui não só a inocência e o entusiasmo da infância, mas também de ir ao cinema e de fazer filmes. Super 8 é uma delicada carta de amor a uma era (anos 70) mas sobretudo a um cinema que deixou, entretanto, de existir: uma era antes de o blockbuster ser sinónimo de franchise, explosões e falta de conteúdo. Um filme com saudades de uma altura em que as personagens e as emoções eram mais importantes do que os efeitos especiais.
O que temos aqui é um filme de Verão à antiga que não se apoia em super-heróis ou estrelas de cinema. O que temos aqui é uma história muito bem contada, cheia de humor, entusiasmo e emoção. É uma história de amor com um alien, e não o contrário. E isso é incrivelmente refrescante.
ATENÇÃO: Só mais uma coisa: no final, não saiam da sala a correr. Os créditos trazem uma surpresa agradável.
8.5/10