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"Harry Potter, the boy who lived... come to die"
A conclusão da história cinematográfica fenomenal de Harry Potter é a prova de que a excitação autêntica é uma forma muito particular de magia.
Na Parte 1, Harry, Ron e Hermione tornaram-se lutadores da Resistência, forçados aos esconderijos escuros à medida que as forças de Voldemort cresciam e ganhavam domínio. A Parte 2 avança a partir do exacto ponto onde foi deixada na parte 1, e Harry, Ron e Hermione continuam a sua missão para destruir os sete Horcruxes que contêm pedaços da alma de Voldermort. São libertados os tanques de guerra para uma luta até à morte onde o trio e restantes resistentes caminham entre a morte e o limbo para vencer inimigo. Harry tem de enfrentar os sacrifícios que os seus amigos fazem por si, e lutar pelas suas obrigações enquanto feiticeiro e enquanto Homem.
Este é, na sua génese, um filme de Guerra: um cerco prolongado a Hogwarts e uma cruzada jovem contra o Senhor do Mal e as suas forças (aparentemente) imbatíveis. Os danos fazem lembrar Munique coberta de crateras na Segunda Guerra Mundial – uma visão que Rowling poderá ter tido aquando da escrita.
A acção não desaponta nem por um segundo. Esta é uma aventura de escala épica onde cada emoção é aumentada pelo sentimento agudo do que está em jogo e em risco. Ainda há muito diálogo e cenas de exposição, mas são contrabalançados com cenas de acção igualmente excitantes, tornando o ritmo muito mais complexo e construíndo uma estrutura que cria um filme carregado de tensão e emoção.
Para todos os que consideraram a parte 1 lenta (eu cá achei um prenúncio absolutamente fantástico ao final, e que, para melhor funcionamento de ambas as partes, requeria um ritmo diferente), esta é a confirmação de que esta era a calma antes da tempestade, um reunir de forças para a explosão infernal.
As cenas de batalhas são corrosivas e apresentadas de forma corajosa – com corpos sem vida adolescentes e adultos espalhados pelas ruínas – mas o coração da Parte 2 está nas trocas mais íntimas, levadas a cabo pela realeza britânica do cinema. O sentimento de que o exército de Voldemort está cada vez mais perto é palpável, tornando os fugazes momentos íntimos ainda mais preciosos.
Pontos altos? Demasiados para lhes fazer justice nesta humilde review, mas podemos destacar a “emancipação” de Neville, o ressurgimento da fantástica Maggie Smith (professora McGonagall), o protagonismo maior ou mais pequeno dado a personagens do passado que aparecem de novo, nem que por apenas alguns segundos despedindo-se, a luta empilgante ainda que curta entre Julie Walters e Helena Bonham Carter (mãe dos Weasley e Bellatrix Lestrange) e Snape, que emerge como uma peça fundamental no destino de Harry, e Alan Rickman volta a brilhar guiando, com poder misterioso e concentrado, o feiticeiro de capa negra e cabelo escorrido numa reviravolta emocional.
Por ter tido a oportunidade de se dividir em dois filmes, o segundo filme não parece demasiado cheio ou longo e move-se com a urgência necessária até ao confronto final.
HPATDH 2 mostra-nos algum do melhor e mais expressivo trabalho do realizador David Yates e do responsável por fotografia Eduardo Serra. O clímax é completamente atingido: um ataque ao estilo blitzkrieg a Hogwarts, um twist em forma de flashback e o duelo final entre Harry e o seu nemesis. A fotografia é novamente rica e sombria. Hoje Hogwarts não é um local caloroso e cheio de possibilidades, mas uma fortaleza assustadora rodeada por devoradores da morte, onde um professor de traços negros impõe o seu regime fascista.
Yates consegue formar um emocionante sentimento de convergência de linhas dramáticas, temáticas, românticas, emocionais e musicais dos passados sete filmes. O realizador e a sua equipa de designers e magos dos efeitos especiais tomam vantagem do castelo para nos oferecer visões e cenários infinitamente inventivos e maravilhosos que existem numa escala que está a um nível que a série nunca achou almejou sequer atingir.
Ainda digna de apontamento é a banda sonora de Alexandre Desplat, que ajuda subtilmente ao entusiasmo das batalhas, mas também dá um certo calor aos momentos mais tocantes.
O único tiro ao lado, parece-me, foi a escolha dúbia de exibir o filme em 3D. Apesar de teoricamente a tecnologia se adaptar muito bem ao mundo da fantasia, neste caso faz pouco ou nada pela história, sendo uma apresentação até bastante plana. O epílogo também tem uns ares um pouco foleiros e antiquados, mas pode inspirar alguns sorrisos num final tão doloroso para os fãs.
Com tanta acção e emoção, o ritmo é a chave, e aqui, Yates e a sua equipa de produção têm um trabalho de excelência. Num episódio a rebentar pelas costuras com a abundância da imaginação de J.K. Rowling, a narrativa conjuga-se como um puzzle encantado.
Apesar de os filmes da saga terem sido muito sobre uma espécie de afastamento da realidade e imersão no espectáculo e fantasia, estes adolescentes e as suas lutas no equilíbrio sensível entre o bem e o mal oferecem um ancoramento muito eficiente e bem-vindo à realidade.
O final traz mixed feelings: ao mesmo tempo que significa o final definitivo da saga, não tem o mesmo impacto que teve para quem leu os livros, com todas as revelações, dores e alegrias em primeira-mão. Mas eu, devo confessar, fiquei um pouco como Rowling que disse, ao terminar de escrever a sua saga “nunca sonhei que pudesse sentir-me simultaneamente eufórica e com o coração partido”.
Harry Potter and the Deathly Hallows — Part 2 deixa-nos com o sentimento fantástico de que o mundo é enorme, enigmático, perigoso e mágico, e no derradeiro final, de que são os jovens que têm a responsabilidade de moldar um futuro melhor. E podemos dizer que este é um feito e pêras para uma história sobre um rapaz com uma varinha mágica.
Numa posição em que têm de agradar a gregos e troianos, a produção e a Warner Bros estão de parabéns por terem acertado no que era realmente importante, criando um magnífico ciclo de continuidade e magia. Ao permitirem o insight de talento de realizadores tão diferentes, desde Alfonso Cuaron a Mike Newell, enquanto honraram o trabalho da autora e ao escolherem três jovens promissores mas sem experiência para actuar ao lado dos grandes nomes do cinema britânico, foi criada uma obra indelével.
Em ambos os lados da câmera, todos tiveram performances inventivas e honradas, todos com serventes da grande feiticeira-mor Joanne Rowling.
Despedindo-nos de uma época feliz que não tem retorno (apenas pelos repetids visionamentos), dizemos adeus e obrigada.
"Until the end"
9.5/10