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"I don't know if I picked that circus. But something told me that circus picked me."
Water for Elephants funciona. Não ruge, não transcende, não explode e certamente não espanta, mas é uma adaptação sólida de um romance popular com o mesmo nome.
Estamos no ano de 1931 e Jacob está a realizar o seu final para ser veterinário quando recebe a notícia de que os seus pais morreram num acidente de carro. Para piorar um pouco mais o cenário, ele descobre que os pais estavam sem dinheiro por terem pago pela sua educação.
Jacob decide então partir para uma cidade grande para encontrar trabalho. Sem dinheiro nos bolsos, apanha um comboio clandestinamente. E nessa noite a sua vida mudou para sempre.
Este comboio transporta a companhia de um circo, cheio de animais, artistas e trabalhadores braçais fazendo tudo e mais alguma coisa para sobreviver, numa era maltrapilha para a América. Em pouco tempo, Jacob conhece o carismático e violento proprietário do circo, August, e a sua adorável esposa Marlena (Reese Witherspoon), a estrela do espectáculo, por quem acaba por, ilicitamente, se apaixonar. Eventualmente, o elefante aparece no filme… a química é que não.
O design de produção é impressionante. Water for Elephants parece uma fatia da Depressão. Todavia, apesar de Lawrence ser exímio na representação da era e da vida circense, parece perdido a tentar encontrar o calor entre os protagonistas. A cena de sexo, talvez pela classificação PG-13 atribuída, constitui-se de meros e repetitivos close-ups de um homem e uma mulher aos beijos e a despir a roupa.
Infelizmente, a paixão e o romance estão ausentes neste melodrama e um dos principais pontos negativos é a falta de química entre os protagonistas, Reese Witherspoon e o eterno vampirinho Robert Pattinson, a juntar a uma história de amor previsível e cliché.
Mas apesar de ser este o foco principal do argumento, há bastantes coisas a acontecer para nos distrair do evento principal. Lawrence tem grande cuidado na transmissão de vivências e sensações dos anos 1930, e consegue captar em muitas situações a visão pungente de uma era esfarrapada.
Por debaixo do conforto já conhecido do filme estão ainda noções contemporâneas sobre o comportamento bestial, direitos dos animais e erros humanos, que o argumentista Richard LaGravenese não exagerou.
E há algo extremamente carinhoso nesta história de amor à antiga que envolve uma artista de circo e um rapaz intruso neste mundo de fantasia. Com grandes e luxuosos close-ups dos protagonistas, a fotografia deprimida e castanha de Rodrigo Prieto e o emocionalismo d'a vida que é um circo, Lawrence mantém a atmosfera. Visualmente, o filme é lindíssimo e com a ajuda do designer de produção Jack Fisk (que trabalhou em There Will be Blood), Lawrence conjura um mundo credível de acrobatas, entertainers, palhaços e trabalhadores braçais com pouca sorte.
Deve reforçar-se que não há performances más... Robert Pattinson mostra a mesma melancolia que assombra a sua personagem de Twilight, e se o actor quer fugir a este estereótipo de casting, poderia, por exemplo, tentar uma comédia. Pattinson é um actor passivo e precisa de um parceiro forte para reflectir alguma profundidade, ainda que admita que, dentro de uns anos e com mais alguma experiência, ele se possa tornar num bom actor. Não espectacular, mas bom. Mas se Pattinson precisa de um parceiro forte, não é Witherspoon, que apesar de ter o talento comprovado em vários papéis, surge aqui rígida e desinteressante, como alguém que fica bem em cima de um elefante.
Christoph Waltz é portador de boas notícias: afinal, não é daqueles actores que depois de receber o Oscar desaparecem para nunca mais serem vistos. Entre várias das suas qualidades, deve enaltecer-se a sua capacidade de incorporar a contradição. Um pouco à semelhança da sua personagem em Inglourious Basterds (recordá-la-ão, de facto, várias vezes), é uma figura complicada. Controla os outros mas não se controla; anseia amizade mas não confia; é infantil e assassino; afectuoso e sádico; generoso e mau. O mais desconcertante é que Waltz, na pele do showman confiante e vulcânico, faz Pattinson e Witherspoon parecerem dois miúdos amadores, hesitantes e perdidos.
Além Waltz, vários secundários dão bons contributos sendo o mais notável o de Hal Holbrook como Jacob mais velho, que relembra a história em flashback.
Há uma vibe old fashion em Water for Elephants. Este é o tipo de filme que Hollywood um dia fez com regularidade, mas que hoje é raro. Nos melhores deste género, as personagens principais mantinham uma ligação que fazia com que as emoções os transportassem pela história. Aqui, com imensa pena, um terceiro personagem acaba por ser mais interessante do que os protagonistas juntos. Ele atrai a atenção quando o argumento teima em focar-se no par... e tudo isto poderia ter sido evitado com outro casting, ou mesmo outra abordagem mais fixa e menos perdida de realização.
Mas numa época de pré-fabricados de efeitos especiais e falso espectáculo é um prazer especial poder ver um filme feito com pessoas reais e sets plausíveis. É entretenimento familiar não idiota; um bom interlúdio para a época blockbuster de Verão.
“To talent and illusion” diz August a certa altura, num brinde relativo ao que mais interessa no circo. Em Hollywood, funciona-se da mesma forma, e estas qualidades estão presentes em Water for Elephants. E mesmo que não seja"maior espectáculo do mundo", é um bastante bom.
7/10