"There was me, that is Alex, and my three droogs, that is Pete, Georgie, and Dim, and we sat in the Korova Milkbar trying to make up our rassoodocks what to do with the evening. The Korova milkbar sold milk-plus, milk plus vellocet or synthemesc or drencrom, which is what we were drinking. This would sharpen you up and make you ready for a bit of the old ultra-violence."
Stanley Kubrick fez filmes brilhantes, mas, acima de tudo, perigosos. Filmes que ousaram como outros não o fizeram, filmes que não se limitaram a tocar feridas abertas mas também a macerá-las com ferros ferventes. Mas filmes perigosos são por vezes geniais. Este certamente foi.
A pérola futurista adoptou o nome de A Clockwork Orange, ou, para nós, Laranja Mecânica. Um nome que só de si diz muito de uma raça robótica, sem sentimentos e bizarra mas que no exterior aparenta a normalidade. Uma raça de uma realidade futura alternativa, num mundo dominado pela violência, revolta política, álcool e sexo.
A tagline deixa-nos desde logo intrigados: “As aventuras de um homem cujos principais interesses são a violação, ultra-violência e Bethoveen”. Ora esta… vandalismo, violência… Bethoveen?
Estamos em Inglaterra e acompanhamos dolorosamente um grupo de rapazes que, nas noites frias e nubladas, aterroriza gratuitamente aqueles que se lhes atravessarem no caminho. Espancando, violando e humilhando, o gang dominado por Alex só receia uma coisa: a polícia. Um dia, depois de uma discussão dentro do grupo, durante mais um das suas violentas aventuras, o grupo trai Alex e este acaba por ser preso. Corroído ainda mais pelo ódio, Alex tenta encurtar a pena ao aceitar participar num procedimento novo que, supostamente, torna as pessoas boas. Será Alex um homem renascido… ou não?
A abertura do filme é memorável . Um close-up tremendo de uma figura bizarra com fundos olhos azuis, usando pestanas falsas num dos olhos e um chapéu preto. No zoom out damos conta que estamos na presença não de um, mas de um grupo de jovens frios, com ar malvado, vestindo roupas brancas e bebendo leite. É desde o primeiro minuto que somos assaltados pelas metáforas, pela violência gráfica e pelos paradoxos que dão cor e uma vida assustadora à obra de Kubrick.
É realmente espantosa a oposição entre a existência quase demoníaca do grupo e do seu líder e alguns pormenores (aparentemente) inocentes como o gosto pelo leite e pela música de Bethoveen.
Sendo passado num futuro hipotético, A Clockwork Orange é uma violenta crítica mascarada à sociedade britânica dos anos 50 e 60. Não é apenas o grupo de Alex que suja as ruas do mundo; o mundo em si já é um lugar nojento, uma sarjeta putrefacta sem esperança nem redenção.
A violência e agressividade cruéis não são gratuitas, adornando um quadro completo e assustador com salpicos de medo e borrões de temor.
Malcom McDowell faz de Alex o personagem impossível. Ou será que vos parece coerente que possamos sequer pensar em simpatizar ou compreender a algum nível um monstro como estes? A verdade é que, sabe-se lá como, criamos uma relação especial com ele.
A música é uma presença notável (quase devia ter ganho um Óscar para melhor interpretação secundária!) com a música clássica a cruzar-se com o gótico e rock de uma forma completamente insana. Uma canção alegre como “Singin in the Rain” só consegue tornar ainda mais perturbante uma cena que quase só conseguimos ver pelo canto do olho de tão crua e horrenda.
A Clockwork Orange é uma poesia visual, irónica, esquizofrénica e alucinante do princípio ao fim, desafiando mesmo as mentes mais invulgares. A náusea acompanha-nos e perdura, mas aquilo a que assistimos é muito mais poderoso do que o nojo de uma realidade tão imunda. O mundo só se perderá pelas nossas mãos e não por outras. E se continuamos caminhando para uma existência que nem animal pode chamar-se… a perdição será muito possivelmente o destino.
Kubrick explorou o mistério da conduta humana usando as emoções e a acção física de formas não convencionais, obrigando-nos a manter a rédea intelectual bem curta e controlada. Mas nem sempre é fácil. Esta é uma das mais bizarras e desorientadoras experiências que o cinema me ofereceu.
Talvez o Mundo dos anos 70 não estivesse preparado para receber um filme como o génio de Stanley Kubrick ousou lançar. Pelo menos, eu sei que o mundo do séc. XXI não está.
"I was cured, all right!"
9/10